Ao passarem seis anos sobre os episódios de violência golpista no país sul-americano – de 1 de Setembro a 31 de Dezembro de 2019 –, a Provedoria de Justiça apresentou, a 12 de Novembro último, um relatório que detalha o cumprimento das recomendações do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI), que investigou estes acontecimentos a pedido do governo bolviano.
Esta investigação – lembra Jorge Petinaud Martínez, correspondente da Prensa Latina – confirmou que, como resultado da violência que culminou no golpe que depôs o então presidente Evo Morales, a 10 de Novembro de 2019, houve um total de 666 vítimas directas, 37 mortos e mais de 100 feridos. No que respeita às mortes, o GIEI observou que se verificaram execuções extrajudiciais.
Ao cabo de cinco anos no cargo, poucas horas antes da mudança de governo, na sequência da derrota eleitoral do Movimento para o Socialismo (MAS), o presidente Luis Arce promulgou a Lei de Reparações Integrais para as Vítimas de Violações dos Direitos Humanos nos conflitos sociais de 2019 e 2020, a 6 de Novembro último.
«Promulgamos a Lei de Reparações Integrais para as Vítimas de Violações dos Direitos Humanos cometidas durante a ruptura da ordem constitucional, reafirmando o nosso compromisso com a justiça e a dignidade daqueles que sofreram estas injustiças», escreveu o agora ex-chefe de Estado nas suas redes sociais.
A lei estabelece que a sua aplicação abrange qualquer pessoa que tenha sido vítima directa ou indirecta de violações dos direitos humanos durante os acontecimentos ocorridos entre 1 de Setembro de 2019 e 7 de Novembro de 2020, período que inclui a deposição do ex-presidente Evo Morales (10 de Novembro de 2019) e o mandato da autoproclamada Jeanine Áñez (de 12 de Novembro de 2019 a 7 de Novembro de 2020).
Cerca de 48 horas depois de receber a faixa presidencial de um militar, Áñez e os seus ministros assinaram o Decreto Supremo 4078 (conhecido como «Decreto da Morte»), que concedeu imunidade de processo aos militares e polícias pela violência utilizada na repressão dos que exigiam a restauração da ordem constitucional.
Como resultado, ocorreram os massacres de Senkata, na cidade de El Alto, o de El Pedregal, em La Paz, e o de Sacaba, no departamento de Cochabamba, com um saldo de quase 40 mortos e centenas de feridos por armas de fogo, além de milhares de presos e torturados.
A promulgação da lei por Arce coincidiu com a libertação de Áñez da prisão. Após a vitória da direita nas recentes eleições gerais, a 5 de Novembro o Tribunal Supremo de Justiça anulou a sentença de dez anos de cadeia a que Áñez havia sido condenada e decretou a sua libertação, determinando que, na sua qualidade de presidente, teria de enfrentar um julgamento por improbidade administrativa, que lhe tinha sido anteriormente recusado.
«Mecanismo de impunidade», denunciam familiares das vítimas
Em resposta a esta decisão, a Assembleia dos Direitos Humanos (ADH) de El Alto manifestou o seu protesto e exigiu justiça pelas mortes ocorridas após a deposição do ex-presidente Morales em 2019.
«Tem de ser julgada [...], porque há mortos, há feridos, nós fomos testemunhas disso. Há muitos aqui em El Alto, assim como no departamento de Cochabamba, e, portanto, não pode ficar impune», declarou Virginia Ugarte, presidente da ADH de El Alto.
Por seu lado, José Luis Caballero, presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e relator para a Bolívia, valorizou a abertura do Estado sobre o assunto durante uma audiência sobre o tema na Florida (EUA), a 19 de Novembro último, mas alertou que os compromissos se devem traduzir em acções concretas e verificáveis.
Caballero sublinhou que, apesar da boa vontade expressa, será fundamental que o Poder Judicial e as demais instituições traduzam esta abertura em progressos concretos nos processos judiciais e na reparação integral das vítimas.
Durante a audiência, familiares das vítimas de Sacaba e Senkata que nela participaram de forma presencial manifestaram a sua rejeição às alterações aos processos judiciais.
O seu assessor jurídico, David Inca, afirmou que a anulação dos julgamentos representa um «mecanismo de impunidade».
«Não nos interessa como é que [Áñez] assumiu o cargo. O facto é que durante o seu governo houve execuções sumárias, massacres, tortura… deve ser responsabilizada por isso», insistiu.
Ao intervir na audiência, uma familiar de uma das vítimas declarou que o «julgamento privilegiado nos deixa sem acesso à justiça» e pediu a intervenção de organizações internacionais com vista a garantir que prevalece uma solução justa.
Na Bolívia, o ex-presidente do Senado e ex-candidato à Presidência da República pela Aliança Popular nas eleições de 17 de Agosto, Andrónico Rodríguez, reapareceu em público na passada quarta-feira, 19 de Novembro, com uma mensagem publicada no Twitter (X).
«Hoje recordamos o Massacre de Senkata, um dos acontecimentos mais dolorosos de 2019, que deixou profundas feridas em tantas famílias bolivianas. Exigimos justiça para as vítimas e as suas famílias, para que acontecimentos como este nunca se repitam no nosso país. Memória, verdade e justiça», declarou o político boliviano.
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