Fazendo lembrar os tempos da troika, em que era líder da bancada parlamentar do PSD, o agora primeiro-ministro arrancou o debate sobre o estado da nação a afirmar que «o país está melhor». Para ser igual ao passado, o líder do Governo precisava de ter dito «a vida das pessoas não está melhor, mas a do País está muito melhor». A grande diferença está no facto de Luís Montenegro, desta vez, ter pintado um retrato da vida das pessoas que não corresponde à realidade.
Num discurso propagandístico, o primeiro-ministro vincou que «a vida das pessoas está melhor» e que «Portugal é hoje um país dinâmico». Como se tivesse maioria absoluta, destacou que os portugueses deram «legitimidade reforçada a este Governo», mas no momento de enumerar os pontos em que o país melhorou, tal não foi revelado.
Alegando que o «crescimento foi além das previsões», Luís Montenegro destacou que foi por este motivo que foi possível restaurar a confiança, aumentar rendimentos e reduzir impostos. A verdade é que as insolvências subiram 8,6% no primeiro semestre, o aumento de rendimentos por via do IRS corresponde a 13 cêntimos por dia para quem recece 1000 euros, e a redução de impostos foi direccionada para as grandes empresas.
Dizendo que o desígnio do Governo é um «Estado social onde ninguém fica para trás», o primeiro-ministro pouco ou nada falou sobre as funções sociais do Estado. Sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) disse que o Executivo tem «atravessado paulatinamente os constrangimentos»; sobre a Escola Pública anunciou apenas que será colocado em prática o subsídio de deslocação de que o PSD era contra; sobre a crise da habitação foi apenas dito que «o Governo está a realizar um conjunto de investimentos», não especificando quais.
Para cada um destes sectores, Luís Montenegro foi apenas telegráfico, optando por desviar as atenções das urgências fechadas; não falando do número de alunos sem professores e o facto do Governo não saber ao concreto quantos são; e evitando falar do vasto conjunto de famílias que são despejadas ou estão em vias de perder a casa.
Pelo Chega, André Ventura instrumentalizou os problemas do SNS, sem nunca dizer que no seu programa eleitoral estavam todas as medidas que o Governo prevê colocar em prática. Na resposta, Hugo Soares, como é habitual, focou-se nos apartes de Ventura e contribuiu para a degradação da discussão, como vem sendo habitual na Assembleia da República.
Neste seguimento, José Luís Carneiro, secretário-geral do PS, em vez de falar dos problemas do País, optou por insuflar o campo no qual a AD e o Chega estão confortáveis e escalpelizou o «acordo de princípio» entre o Governo e a extrema-direita. A intervenção do recém-eleito líder do PS incendiou dois terços do hemiciclo, que perderam 15 minutos a discutir tudo menos aquilo que diz respeito à vida das pessoas.
Na bancada da Iniciativa Liberal, a nova líder do partido, Mariana Leitão, manteve a sua linha libertária e acusou o Governo de «proteger a máquina e sacrificar o cidadão». Passando ao lado da realidade concreta da vida de quem trabalha, Mariana Leitão acusou a reforma do Estado de se revestir de «mais cargos, mais tendência partidária, mais despesa, menos mérito», terminando a sua intervenção com o apelo à privatização total da TAP.
Pelo Livre, Rui Tavares escolheu dar destaque ao tema da imigração, acusando o Executivo de ter excluído o seu partido das auscultações feitas aos grupos parlamentares, embora tenha agradecido a exclusão, no que caracterizou ser uma «farsa em que se faz de conta que se dialoga e acaba a fazer o que o Chega quer». De resto, Rui Tavares fez da sua intervenção um momento de retro-alimentação e, assim como o PS, insistiu na convergência do Governo com o Chega.
Os problemas do País chegaram através de Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP, que, depois de lamentar o triste espectáculo ocorrido antes no Parlamento, disse que a realidade concreta das pessoas é a de «vidas difíceis». Acusando o primeiro-ministro de «viver numa bolha», o comunista acusou o Governo de não tomar medidas para resolver o encerramento sucessivo de urgências em vários hospitais com os do Barreiro, Almada, Vila Franca de Xira, Zona Oeste ou de Bragança.
Acusando o Governo de saudosismo pelos tempos da troika, destacou a veia privatizadora do Executivo PSD/CDS-PP com a venda do Novo Banco e da TAP e de querer «abrir o caminho ao assalto à Segurança Social». Já sobre a narrativa da redução dos impostos, Paulo Raimundo insistiu que às pessoas foram dadas «migalhas», enquanto que aos grandes grupos económicos foram dadas borlas fiscais. Dada a política de destruição nacional visível no «drama social da habitação», o secretário-geral do PCP considerou que o primeiro-ministro usa «a extrema-direita como se fosse um abre-latas, para abrir o caminho para soluções que envergonham alguns membros do PSD».
Na mesma linha esteve Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda (BE). A deputada única usou o seu tempo para criticar as urgências encerradas, a demora no atendimento do SNS 24 ou os custos de deslocação até às urgências, relembrando o caso da mulher que perdeu o seu filho depois de não ter transporte nem dinheiro para se deslocar até ao Hospital de Cascais. A par destas críticas, a bloquista questionou o Executivo sobre o facto de o Estado estar a pagar um milhão de euros por dia em helicópteros de emergência hospitalar a uma empresa que não tem o necessário para corresponder ao serviço necessário.
Por fim, a coordenadora do BE destacou o facto de Portugal ter tido o maior aumento dos preços das casas da Europa e «desde que há uma série estatística do INE [Instituto Nacional de Estatística]». Relembrando as recomendações da Comissão Europeia, o Governo foi questionado sobre quando é que terá medidas para a habitação.
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