O presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão, lançou um vídeo nas redes sociais, esta quarta-feira, onde admite que não vai recuar nas demolições e alega que, antes da destruição das habitações precárias no Talude Militar, na segunda-feira, que deixaram pessoas a dormir debaixo dos escombros, «todas as pessoas foram informadas e abordadas pessoalmente pelos serviços da câmara, antes da operação, durante a operação e depois da operação».
Hoje, numa reacção às declarações do autarca do PS, o Movimento Porta a Porta – Casa para Todos, que luta pelo direito à habitação em Portugal, acusa Ricardo Leão de fazer vídeos para «a narrativa dominante, sem ir ao terreno».
«Ricardo Leão diz que promoveu as demolições para garantir a segurança, a salubridade e a dignidade das pessoas. Ricardo Leão ainda não foi ao terreno ver que conseguiu exactamente o contrário, isto é, mais insegurança para aquelas pessoas e toda a comunidade, mais insalubridade e destroços e arrasou com a dignidade das pessoas ao expor todas elas a esta situação», realça o movimento.
Para o Porta a Porta, Ricardo Leão «não é, pelo descrito, sério e a capacidade de decisão que revela assemelha-se à decisão típica de regimes tiranos e desumanos».
O movimento acusa também o autarca de mentir ao dizer que garantiu apoio antes, durante e depois das demolições. «Afixar um edital às 18h de uma sexta-feira e demolir às 9h da segunda-feira seguinte não é apoiar ninguém antes, bem pelo contrário, é agir com especial censurabilidade, má-fé e intenção dolosa e cobarde», refere o movimento.
De acordo com o Porta a Porta, durante a operação nenhum técnico de apoio social esteve presente no terreno com qualquer solução. Sublinha que as primeiras técnicas de serviço social do município «apenas foram ao terreno, sem efectivas soluções, 48 horas depois das demolições. Depois das demolições as soluções efectivas continuam sem surgir. A prova cabal disso é que as pessoas continuam a fazer a sua vida no meio dos escombros que Ricardo Leão e o PS à frente da Câmara Municipal de Loures criaram».
Segundo o movimento, o presidente da Câmara de Loures prometeu continuar neste caminho e tal «é inadmissível». Admite ainda que «Ricardo Leão provocou uma tragédia. Na vida das pessoas. No Estado de Direito Democrático. Na dignidade da pessoa humana, na justiça social».
Um programa nacional de emergência habitacional e realojamento
A Câmara de Loures iniciou na segunda-feira uma operação de demolição de 64 habitações precárias no Talude Militar, onde vivem 161 pessoas, entre as quais crianças e idosos. Nesse dia foram demolidas 51 casas precárias, a que se somaram mais quatro na terça-feira. A operação foi entretanto suspensa após o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ter aceitado uma providência cautelar e a Procuradoria-Geral da República (PGR) também abriu um inquérito sobre este processo.
Numa carta aberta ao Governo de Luís Montenegro, o movimento Vida Justa acusa as autarquias de Loures, Amadora e Odivelas de agirem em conjunto «para agravar o sofrimento de quem já vive com muito pouco». Isto é, de famílias inteiras, que, apesar de trabalharem a tempo inteiro, «continuam sem acesso a uma habitação digna, e por isso não tiveram outra alternativa senão construir habitações precárias como abrigo». No caso do Município de Loures, o Vida Justa afirma que o presidente Ricardo Leão «não aproveitou a verba disponível [do PRR] para construir os 800 fogos previstos».
Mas critica também o facto de «não se escutar uma palavra» do executivo sobre o assunto. «O facto de os despejos meramente administrativos proliferarem por todo o lado sem que haja respostas sociais adequadas não provocou qualquer reacção do Estado central, apesar das múltiplas informações que têm vindo a chegar aos seus gabinetes sobre este assunto», lê-se na missiva. O movimento insiste que o Estado central «é o principal responsável em matéria de habitação e perante a calamidade social a que assistimos», salientando que os «preços proibitivos» na habitação são fruto de «más políticas desenvolvidas pelo Estado e da especulação desenfreada no mercado habitacional». Reclama por isso a suspensão imediata dos despejos e um programa nacional de emergência habitacional e realojamento para as famílias sem casa ou em risco de despejo.
Mais de 250 mil casas vagas e devolutas
Também a Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL) aponta a «incapacidade ou falta de vontade política» dos sucessivos governos, ao longo dos últimos 30 anos, em intervir na habitação, apesar dos «avisos, posições e propostas, muitas da AIL», refere num comunicado enviado ao AbrilAbril. Recorda a associação, a propósito das demolições desta semana, que nos anos 80 e 90 do século passado foi desenvolvido o Programa de Erradicação das Barracas (PER), através da construção de habitação pública. Acusando a «inacção», desde essa altura.
A AIL critica a falta de investimento público em construção de habitação e a «total ausência de combate aos vagos e devolutos», apesar de existirem mais de 250 mil casas nestas condições, num país em que o preço da habitação atinge preços incompatíveis com os rendimentos da esmagadora maioria da população. São 3,4 milhões os trabalhadores em Portugal a ganhar menoa de mil euros mensais. Ao drama dos baixos saláriso junta-se a precariedade dos vínculos laborais e também dos contratos de arrendamento, a facilitação dos despejos e o aumento especulativo das rendas, consequência «da famigerada lei das rendas de 2012», assinala a AIL.
«Como se não bastasse, temos agora Municípios da Área Metropolitana de Lisboa a impor a lei do mais forte sobre populações fragilizadas e vulneráveis que vivem em barracas, sem cuidar previamente de uma solução habitacional, conforme são obrigados pela lei», designadamente a Lei de Bases da Habitação, criticam os Inquilinos Lisbonenses. A denúncia recai particularmente sobre a Câmara de Loures, que «ignorou, desrespeitou e incumpriu uma ordem judicial». A associação frisa que a perseguição aos mais pobres e vulneráveis, a violência e a destruição, «não são as soluções
para os graves problemas habitacionais e sociais», e insiste na necessidade de se adoptarem propostas «urgentes e prioritárias» para acabar com a crise na habitação.
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