O comentador Pedro Santos Guerreiro (PSG) fingiu-se profundamente indignado com a reivindicação do PCP (e já agora, da CGTP-IN) de um aumento de 15% nos salários em Portugal. Agressivo, taxativo, e aproveitando aquele forma de discussão onde discutem sempre sozinhos, o homem lá puxou da calculadora e disse: «Seriam quinze mil milhões de euros, algo impossível para as empresas!», «Eleitoralismo alucinante!».
Começar por dizer que PSG sabe fazer umas contas. Se pensarmos num salário médio de 1438 euros, num número de trabalhadores de 4,67 milhões, um aumento de 15% (com 150 euros mensais de aumento mínimo, como reivindica o PCP) implicaria de facto cerca de 15 mil milhões em aumentos.
Bem, parece de facto muito. Se quiséssemos discutir no mesmo plano que PSG poderíamos argumentar que alguns salários até podiam baixar, para compensar um bocado, sei lá, os CEO não precisam de ganhar 500 mil euros por mês, e os publicistas do sistema não precisam de ganhar 20 mil euros por mês. Mas a verdade é que o número daqueles que são principescamente pagos para administrar e defender o sistema de exploração é um número tão reduzido, que estatisticamente não é relevante. O total das suas remunerações não pesa nem 5% no total das remunerações.
Mas há um número que é estatisticamente muito relevante. O total do lucro arrecadado em Portugal. E acontece que o Banco de Portugal tem estatísticas muito precisas sobre essa matéria: coisa que até um economista como PSG não deve ignorar. Ora o que nos dizem estas estatísticas?
Que em 2019, o Resultado Líquido do conjunto das empresas não financeiras foi de 15,68 mil milhões de euros. E que esse número passou, em 2022, último ano para o qual existem estatísticas, para 30,13 mil milhões. Nesse período, os gastos com pessoal nessas empresas passaram de 60,37 mil milhões para 72,28 mil milhões. Ou seja, enquanto o total das remunerações subiu quase 20% os lucros cresceram quase 100%.
Ou dito de outra forma: se aos 72,28 mil milhões em remunerações nestas empresas aplicássemos um aumento de 15%, obteríamos 10,84 mil milhões, que retirados aos lucros ainda os deixariam em 19,29 mil milhões de euros, um aumento de 23% entre 2019 e 2022!!!!! Será isto que PSG considera alucinante? Que alguém equacione uma variação no lucro de apenas mais 23%?
Ou seja, no conjunto das empresas não financeiras (um universos de 517 mil empresas com 3,37 milhões de trabalhadores em 2022) um aumento de 15% nas remunerações do pessoal deixariam as empresas com um aumento de lucros face a 2019, ao pré-pandemia, bem superior à taxa de inflação entretanto registada. E a estes números há ainda que somar os lucros das empresas financeiras, nomeadamente os 3 mil milhões de lucros da Banca em 2022.
Ou ainda, se quisermos simplificar mais: que esses quinze mil milhões necessários para aumentar os salários de TODOS os trabalhadores portugueses são menos de metade dos lucros gerados nas empresas e menos que o aumento de lucros acontecido entre 2019 e 2022.
No fundo, a reivindicação do PCP limita-se a corrigir o desvio registado nos últimos anos, nem sequer consegue inverter o caminho. Correndo o risco de provocar uma apoplexia em PSG, diria que as reivindicações são mais que justas, e que os trabalhadores têm todo o direito de exigir os aumentos salariais de 15% que apresentaram este ano. Até porque com o continuar do assalto, como veremos nos números de 2023 quando estes forem públicos, as injustiças acumuladas apenas aumentarão. Até que a luta – e só a luta, e sempre a luta – imponha a valorização geral dos salários.
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