|Análise

A prova dos nove da derrama estadual

Se a descida do IRC para 17% é um escândalo, entregando cerca de dois mil milhões de euros de impostos que deixam de ser cobrados, essencialmente, aos grandes grupos económicos, que dizer da derrama estadual, que só se aplica aos lucros acima de 1,5 milhões de euros?

CréditosAntónio Pedro Santos / Agência Lusa

O principal efeito da descida de quatro pontos percentuais no IRC (de 21 para 17%) é a redução do imposto pago sobre os lucros, beneficiando essencialmente as grandes empresas (das 300 mil empresas que entregaram declarações em 2023, 48,5% do IRC foi pago por menos de duas mil, aquelas que têm um volume de negócios superior a 25 milhões de euros).

Com o fim da derrama estadual seriam mais mil milhões de euros a não receber de muito poucas empresas. Em 2023 (último ano com as estatísticas do IRC publicadas) o total da receita da derrama estadual foram 1,1 mil milhões de euros, mas 686 milhões destes foram pagos pelas 74 empresas com lucros superiores a 35 milhões de euros. Seriam também estas as grandes beneficiárias desta medida.

Ora, quer a IL, quer o Chega (bem como os grandes capitalistas que neles mais ordenam) já exigiram o fim da derrama estadual, tendo o Chega chegado a teatralizar que condicionava o voto no Orçamento do Estado à aceitação pelo Governo da sua exigência de uma redução na derrama estadual. E o programa do Governo PSD/CDS também já falava de uma «redução gradual da Derrama Estadual».

E se a redução do IRC é a demonstração do quanto o PSD, o CDS-PP, o Chega, a IL e o PS (que se absteve) estão subordinados ao grande capital, esta questão da derrama é a verdadeira prova dos nove. Nenhuma micro, pequena ou média empresa paga derrama estadual, já que, conforme referido, é preciso ter lucros superiores a 1,5 milhões de euros. 

E se olharmos para os accionistas dessas 74 empresas que pagam mais de metade da derrama, veremos neles os grandes financiadores do Chega e da IL, bem como os grandes financiadores do PS e do PSD. Veremos também os donos do Observador, do Público e da generalidade da comunicação social. É caso para dizer que fizeram um bom investimento. O que é impressionante é que isto não é considerado corrupção: é o sistema a funcionar. Os ricos financiam os partidos que recolhem os votos dos pobres para eleger deputados que apoiam as políticas que tomam as opções que interessam aos ricos. 

Quanto aos 3 mil milhões que desapareceriam do Orçamento do Estado com a descida do IRC e o fim da derrama estadual, eles são quase equivalentes ao total do investimento público realizado pela Administração Central em cada um dos últimos anos [ver caixa lateral].

É um buracão que só será tapado com a redução – ainda maior – do investimento público, com a redução – ainda maior – dos serviços sociais e dos serviços públicos, e com o aumento – ainda maior – dos impostos que pagam os trabalhadores portugueses e as micro e pequenas empresas (os impostos indirectos). Para terminar, uma nota final sobre o verdadeiro impacto destas medidas no Orçamento do Estado. O Governo tem falado de 300 milhões por ano, para disfarçar o verdadeiro impacto. Se, este ano, a redução de 21 para 20 já custou 300 milhões a cada ano, a redução de 20 para 19 para 2026 não custa 300 milhões, custaria mais 300 milhões a cada ano, ou seja, 600 milhões no próximo ano. E a redução de 19 para 18 custaria mais 300 milhões por ano a partir de 2027, e, da mesma forma, a redução de 18 para 17 custaria outros 300 milhões por ano a partir de 2028.

O impacto total em 2028 seria de 1200 milhões de euros de receita a menos (21% para 17%). Ora, o impacto da redução de um ponto percentual na taxa não são 300 milhões, são cerca de 500 milhões. O que coloca o total do impacto da descida no IRC em 2000 milhões para cada ano posterior a 2028. Não os «300 milhões anuais» de que o Governo tem falado. 

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