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A Derrama Estadual e as Simplificações Liberais

A IL propõe-se vencer «as dificuldades burocráticas que afectam a competitividade e o investimento», acabando com a derrama estadual, um mecanismo que, na prática, impõe alguma progressividade às taxas de IRC e se aplica sobre o lucro tributável das maiores empresas.

CréditosMario Cruz / Agência Lusa

Quem é que não quer simplificar? É óptimo simplificar. Fica tudo mais simples. A Iniciativa Liberal decidiu que uma das suas propostas para o Orçamento de Estado para 2024 é exactamente a da simplificação fiscal.

Dizem os modernaços rapazes que «O sistema fiscal português é marcado por uma complexidade e vastidão regulamentar em que existem inúmeros casos de dupla tributação e contribuições extraordinárias supostamente temporárias que se prolongam sucessivamente, ou seja, uma autêntica teia da qual resulta a criação de dificuldades burocráticas que afectam a competitividade e o investimento.» E é difícil não estar de acordo com este parágrafo.

E como se propõe vencer «as dificuldades burocráticas que afectam a competitividade e ao investimento»? Para abrir, acabam com a derrama estadual. Ora o que é e quem paga a Derrama Estadual?

A Derrama Estadual é o mecanismo existente que na prática impõe alguma progressividade às taxas de IRC. Aplica-se sobre o lucro tributável das empresas, e atinge apenas as maiores. Os últimos números de derrama estadual recolhida são os que se seguem, e são de 2021:

Sendo que o total da colecta de IRC em 2021 foi de 5608 M€. Ou seja, eliminar a Derrama Estadual elimina 13% da receita de IRC, poupando apenas o imposto pago pelas empresas que têm lucros superiores a 1,5 Milhões de euros. Aliás, o grosso da proposta da IL são mesmo as 71 empresas com lucros superiores a 35 milhões, a quem a sua proposta de «simplificação» pouparia 458 milhões de euros, 8% da receita de IRC desse ano.

Muito criativos estes rapazes, sempre a simplificar: olha 741 milhões de euros de impostos pagos, olha já não há 741 milhões de impostos pagos pelas empresas mais lucrativas do país. E já agora, sublinhemos que a Derrama Estadual é das coisas mais simples que existe: as empresas declaram o IRC, se o seu lucro tributável exceder os 1,5 Milhões, pagam Derrama Estadual, se não exceder, não pagam. Mas claro, assinar cheques ou dar a ordem de pagamento às Finanças também dá trabalho. Aí há alguma simplificação, de facto.

No preâmbulo da proposta, os rapazes que acabam de propor poupar. de uma assentada, 458 milhões a 71 empresas, dando a ganhar centenas de milhões a um conjunto de capitalistas, têm o descaramento de lançar insinuações sobre os outros: «Estas dificuldades [as tais leis complicadas], por sua vez, criam um ambiente propício à transação de facilidades e existência de mecanismos informais para contornar procedimentos regulamentares e legais.»

O que é que será «um mecanismo informal para contornar procedimentos regulamentares e legais»? Financiar um partido político que lhe vai proporcionar uma poupança de dezenas de milhões de euros em impostos? Dar ordens ao Jornal de que se é dono para promover esse simpático partido? Convidar para integrar a sua Administração um ex-dirigente partidário que, por coincidência absoluta, apoiou ou mesmo propôs a redução gigantesca de imposto a essa empresa? Pagar uma fortuna a um modernaço rapaz por escrever um livro ou dar uma Conferência, um rapaz que por espantosa coincidência lhe simplificou uns
milhões de euros que deveriam ter ido para o fisco? Deve ser uma coisa dessas. Uma coisa simples.
 

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