O anúncio de alterações à legislação laboral causou debate nos últimos dias, trazendo com ele a cassete estafada de que têm os trabalhadores «direitos a mais», incompatíveis com aquilo a que chamam de modernidade e «crescimento económico». Fala-se, em particular, dos direitos das mulheres trabalhadoras que, nesta geração, e já integradas no mundo do trabalho em larga maioria no nosso país, exigem ser mães, com os direitos que lhe assistem e viver dos rendimentos do seu trabalho, não aceitando a submissão ao papel de cuidadoras domésticas, para onde as forças conservadoras sempre as quiseram empurrar, retirando-lhes direitos e explorando a sua força de trabalho quando esta não é valorizada ou é exercida em ambientes de repressão e sem direitos laborais respeitados.
«É hoje consensual entre os pediatras que a atenção ao recém-nascido, a presença atenta durante os anos de infância e, em particular, o bem estar físico e mental da mãe, têm uma influência decisiva na saúde para toda a vida.»
O Governo apresenta assim um pacote que pretende fragilizar as mulheres trabalhadoras nas empresas e nos locais de trabalho, por um lado não as dispensando porque não é possível à economia que necessita da sua força de trabalho, por outro, reprimindo-as e dificultando-lhes o acesso a direitos, desvalorizando a função social da maternidade e abrindo caminho a novas formas de precariedade e desigualdade.
O que está em cima da mesa pretende coisas tão graves como limitar o acesso à licença por amamentação até aos dois anos com a apresentação semestral de atestado médico — uma exigência burocrática punitiva, baseada numa lógica de desconfiança.
A ministra do Trabalho contribuiu nos últimos dias para esta narrativa de suspeição ao afirmar que há mães que «prolongam a dispensa de amamentação até os filhos entrarem na escola primária», sugerindo a existência de inúmeros casos de fraude.
Apresenta-se o fim do direito ao horário compatível com a vida familiar, enorme ataque à legislação que temos neste momento e que mesmo assim não é cumprida. A proposta elimina a possibilidade de mães e pais com filhos até 12 anos recusarem trabalho noturno ou ao fim de semana, transferindo a decisão para a entidade patronal.
«Chegam diariamente aos sindicatos milhares de queixas sobre atropelamentos deste tipo de direitos, sendo esta, de acordo com a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens da CGTP-IN (CIHM), uma das prioridades da intervenção sindical a desenvolver nos locais de trabalho.»
Avança-se com a desprotecção em caso de perda gestacional, revogando o direito a faltas justificadas e remuneradas para os pais nesta situação, remetendo-a para a figura de faltas simples por assistência à família, ignorando totalmente o impacto emocional e social desta vivência e tratando a maternidade como questão exclusivamente individual.
Oficializa ainda mais a precariedade institucionalizada, com a duração dos contratos a termo que poderá ir até 9 anos, perpetuando a instabilidade e a insegurança, especialmente entre as mulheres jovens e mães.
O modelo ignora a Constituição da República Portuguesa e viola grosseiramente compromissos assumidos pelo Estado português em convenções internacionais.
Os direitos conquistados pelas mães e pelas famílias trabalhadoras portuguesas têm, entre outras coisas, uma relação decisiva com a saúde dos bebés e crianças.
É hoje consensual entre os pediatras que a atenção ao recém-nascido, a presença atenta durante os anos de infância e, em particular, o bem estar físico e mental da mãe, têm uma influência decisiva na saúde para toda a vida.
O guia Dez Passos para uma Amamentação de Sucesso foi lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2018 e afirma que «a iniciação precoce da amamentação beneficia os recém-nascidos, independentemente de onde vivam», mas que «a amamentação requer suporte, incentivo e orientação (…) é necessário melhorar significativamente as taxas de aleitamento materno em todo o mundo, dando às crianças o melhor começo de vida possível sempre que é possível, permitindo a permanência da mãe no mesmo espaço dos recém-nascidos».
No que diz respeito a esta questão, apesar dos indicadores positivos que dizem que há uma taxa de adesão à amamentação nas primeiras horas de vida de 98%, as taxas diminuem para a ordem dos 50% após a saída da maternidade, fixando-se em 21% quando analisamos os bebés que são amamentados exclusivamente, sem recurso a leite artificial, até aos 6 meses.
A diminuição tem uma relação directa com a batalha que muitas mães e pais trabalhadores ainda têm de enfrentar para usufruir do legítimo direito à licença de maternidade e paternidade.
Ao contrário do que refere a ministra do Trabalho e da Solidariedade Social, o problema não é o abuso do direito ao horário de amamentação, pois não há sobre esta referência qualquer dado, registando-se, provavelmente, casos absolutamente residuais.
«É imprescindível apelar à mobilização das mulheres, das organizações sociais e das forças progressistas para que seja tempo de avanço, não só nas mentalidades, mas nos locais de trabalho, onde as mulheres têm o direito de estar e de ser respeitadas e o dever de contribuir para uma sociedade de igualdade efectiva.»
O que há são dados sobre o impedimento que muitas empresas e entidades públicas fazem, humilhando as trabalhadoras que são mães e chantageando-as quando fazem uso destas horas.
Chegam diariamente aos sindicatos milhares de queixas sobre atropelamentos deste tipo de direitos, sendo esta, de acordo com a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens da CGTP-IN (CIHM), uma das prioridades da intervenção sindical a desenvolver nos locais de trabalho. É divulgada regularmente a lista de empresas onde há processos judiciais em que se dá razão às trabalhadoras que os movem.
Várias foram as personalidades públicas e as organizações colectivas de defesa dos direitos das mulheres que, repudiando tais anúncios, se pronunciaram sobre as declarações de quem, em cargos de tanta importância, deveria ter outra postura.
Não é tempo de entregar os direitos conquistados duramente com a luta das mulheres trabalhadoras.
Precisamos de denunciar a tentativa de desmantelar direitos, exigir o cumprimento da Constituição da República Portuguesa e dos compromissos internacionais em matéria de igualdade e protecção das mulheres.
Precisamos, mais do que nunca, de dizer a quem se pronuncia publicamente que não está isolado. Que não estamos em tempo de aceitar tais retrocessos. É imprescindível apelar à mobilização das mulheres, das organizações sociais e das forças progressistas para que seja tempo de avanço, não só nas mentalidades, mas nos locais de trabalho, onde as mulheres têm o direito de estar e de ser respeitadas e o dever de contribuir para uma sociedade de igualdade efectiva.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui