Muitos trabalhadores sentiram em Setembro um aumento no salário líquido recebido. Tal deve-se à alteração nas tabelas de retenção da fonte, desenhada pelo PSD. Ou seja, o aumento no salário líquido deve-se à diminuição ou mesmo desaparecimento do valor retido por conta do IRS.
A primeira nota importante é que esta alteração não altera em nada o imposto a pagar. Este será calculado em Abril de 2025, com base nos rendimentos de 2024, fazendo depois as Finanças as contas, e devolvendo-nos o valor retido em demasia ou exigindo-nos que paguemos o imposto ainda não pago. Dito de outra forma: esta alteração faz com que recebamos agora uma parte do que iríamos receber em Maio, ou que recebamos agora o que teremos de pagar em Maio. Seja como for, o saldo é zero.
A segunda nota importante é que esta redução só existe por dois meses. A razão invocada pelo Governo é a de considerar justo acertar as tabelas de retenção na fonte às alterações ao IRS aprovadas já em 2024. Não se contesta a ideia de acertar tabelas, mas a forma é muito questionável. O Governo manteve as tabelas antigas dois meses mais, aprovou umas tabelas a vigorar em Setembro/Outubro, outras a vigorar em Novembro/Dezembro, e outras a partir de Janeiro, que serão condicionadas pelo conteúdo do Orçamento do Estado (OE) para 2025 e mesmo pela sua eventual não aprovação. As tabelas de dois meses terão uma redução muito significativa da retenção na fonte, criando uma ilusão de aumento salarial e outra ilusão sobre o verdadeiro alcance das alterações ao IRS aprovadas em Julho. No ordenado recebido no final de Novembro o valor das retenções voltará muito sensivelmente aos valores anteriores, e o ilusório aumento salarial dissipar-se-á.
Veja-se o exemplo nos rendimentos de um contribuinte não casado sem dependentes ou casado com dois titulares:
A ideia do Governo é muito simples: amplificar o impacto da redução do IRS, fazendo-a coincidir com a discussão do Orçamento do Estado. Não está mal pensado, mas é dar demasiado trabalho ao país para tão pouco. Esse impacto1 reforçado tem como objectivo facilitar a difusão da velha e falsa tese de que é possível aumentar salários sem aumentar salários, nomeadamente através da redução de impostos. Muitos dos que estiverem a ouvir essa cantilena serão levados a pensar nos 96 ou nos 180 euros que receberam a mais esse mês, e não tanto nos 15 euros mensais que essa devolução efectivamente representa num imposto que só em Maio perceberemos verdadeiramente como variou.
«Esse impacto reforçado tem como objectivo facilitar a difusão da velha e falsa tese de que é possível aumentar salários sem aumentar salários, nomeadamente através da redução de impostos.»
Tem um outro efeito potencial: caso o OE não seja aprovado, o primeiro salário depois dessa não aprovação seria – em termos líquidos – mais baixo que o do mês anterior. Também não está mal pensado, mas, mais uma vez, é dar demasiado trabalho ao país para tão pouco.
A solução mais lógica – ter reduzido a retenção na fonte a partir de Agosto com os mesmos valores até à normal nova alteração em Janeiro, teria o mesmo efeito líquido, mas não teria o mesmo impacto. E o impacto – político e eleitoral – é o único que buscam estas medidas. Isso, e servir o grande capital monopolista, os verdadeiros beneficiários da política fiscal do PSD/CDS.
- 1. Impacto nos salários superiores a 1000 euros. O quadro também alerta que para os salários mais baixos, inferiores a 1000 euros, não há qualquer redução fiscal no IRS que tenha o mais mínimo impacto possível, pois já não pagam IRS.
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