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50 anos em Movimento. Mulheres fazendo história

Mostra assinala 50 anos do MDM

É inaugurada esta quinta-feira, na Biblioteca Nacional, em Lisboa, a exposição comemorativa dos 50 anos do Movimento Democrático de Mulheres (MDM). Numa entrevista ao AbrilAbril, Regina Marques conta a história deste movimento e denuncia a forma como a sociedade insiste em ver as mulheres.

Regina Marques
Regina MarquesCréditos / MDM

A exposição, que estará patente até 19 de Maio na Biblioteca Nacional, é inaugurada hoje, pelas 16h. Numa conversa entre os preparativos da mostra, Regina Marques, dirigente do MDM, admite que a luta pela igualdade não pode ser apartada das condições de vida e do acesso ao trabalho, e que a violência sobre as mulheres faz parte da história quando há degradação e não quando há progresso.

O título da exposição é «50 anos em movimento. Mulheres fazendo história». Qual é o sentido do lema?

O título da exposição justifica-se porque estivemos sempre em movimento. Não foi um movimento que parou perante as vicissitudes mas acompanhou também os passos que se iam dando na política, por exemplo, as leis da maternidade e da paternidade, e do planeamento familiar.

Nos 50 anos do MDM quisemos articular uma acção para mostrar a história deste movimento (como nasceu e o enquadramento político que levou à sua construção) e marcar alguns traços distintivos que hoje se colocam ao movimento até na relação com outras organizações que entretanto surgiram.

O MDM surgiu em 1968 num quadro de repressão, fascismo, opressão, em que havia uma imagem clara da mulher, uma mulher ligada a uma trilogia fascista que era a valorização da ideia de que «Deus, Pátria e Família» eram as três consignas que deviam orientar a vida das mulheres e daí remetê-las exactamente para a casa, para os filhos, para saudar o marido, afastando-a inclusivamente do mundo do trabalho. As mulheres eram subalternizadas no acesso ao trabalho mas também na própria família: a superioridade do marido relativamente à mulher estava consignada no Código Civil.

É também em torno dos processos eleitorais e de as mulheres quererem participar na vida política que surge o esboço do MDM, com reuniões que se fizeram em Lisboa, Coimbra e Porto, e que continuaram até 1973. Nesse ano realizou-se o primeiro encontro do MDM. É evidente que na clandestinidade era tudo feito com muito cuidado porque havia repressão e sabia-se que a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) ia aos encontros. Na exposição temos um postal da reunião realizada na Cova da Piedade, em Almada.

Em 1975 realizámos um encontro no Instituto Superior Técnico e depois fizemos um congresso no Pavilhão Carlos Lopes, onde legalizámos o movimento. A Maria Lamas, a Maria Alda, a Luísa Amorim assinaram a escritura, como também se pode ver no texto da exposição.

Em que é que o MDM se diferenciou?

Naturalmente que, quando surgimos, já foi com a ideia, que fomos buscar a outros movimentos anteriores a nós, do tempo da República, da educação para as mulheres – em 1969 quase 50% das mulheres eram analfabetas – e das questões do trabalho.

«No período fascista, as mulheres só entraram no mercado de trabalho porque houve necessidades claras, nomeadamente com a saída dos homens para a Guerra Colonial»

regina marques

Houve a Liga Republicana de Mulheres e depois o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP), presidido pela Maria Lamas e onde estiveram presentes muitas mulheres fundadoras do MDM. Podemos dizer que o MDM é herdeiro desse conselho de mulheres progressistas que o fascismo encerrou, em 1947, porque lhe fazia frente, porque mostrava a vontade de as mulheres participarem e de se agregarem e, de certa maneira, houve aquele lapso entre 1947 e 1968, em que as mulheres participavam mas numa forma que não era em movimento, não era em organização. Participavam nas coisas gerais que se faziam no País. Houve, por exemplo, as lutas de mulheres nos campos pelo pão, nos anos 40.

No período fascista, as mulheres só entraram no mercado de trabalho porque houve necessidades claras, nomeadamente com a saída dos homens para a Guerra Colonial e também para a emigração. Então, algumas empresas das áreas dos têxteis e da electrónica, por exemplo, foram obrigadas a contratar mulheres.

Como era o trabalho do movimento na clandestinidade?

O trabalho fazia-se boca a boca. Se formos aos jornais, como o Diário de Lisboa, tem coisas assim: «Situação da Mulher em Portugal», em 1973. Havia algumas possibilidades de falar das coisas de uma maneira mais neutra, digamos. O Diário de Lisboa tem três ou quatro artigos em que fala das mulheres democratas, sobretudo nos períodos eleitorais, «Mulheres democratas juntam-se para discutir». Mesmo assim, algumas mulheres foram presas nessa altura. Por exemplo, nas comemorações do 8 de Março [Dia Internacional da Mulher] que se fizeram, quase sempre houve mulheres presas.

O que é que se fazia?

Eram piqueniques, mas no tempo da clandestinidade qualquer ajuntamento era considerado perigoso. No entanto, elas fizeram vários piqueniques, em vários sítios do País, onde era possível claro, e o 8 de Março foi comemorado. Nós temos as provas, coisinhas pequeninas, pequenos documentos que passavam de mão em mão, mas que já alinhavavam, digamos, as ideias fundamentais da luta das mulheres, da luta emancipadora, também com a ligação à Paz porque nós estávamos integradas na Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM), fundada em 1945.

O CNMP ainda tentou entrar na FDIM mas, como depois foi encerrado, sempre que havia congressos ou grandes iniciativas da federação iam algumas portuguesas – mulheres que depois vieram a fundar o MDM, como a Alda Nogueira, a Sofia Ferreira, a Georgette Ferreira, a Margarida Tengarrinha e a Luísa Costa Dias, que foi durante muito tempo representante das mulheres portuguesas democratas na FDIM.

Estando nessa organização, havia muitas coisas que nos chegavam. Por exemplo, foi a FDIM que fez a proposta na Organização das Nações Unidas (ONU), em 1972, para a proclamação do Ano Internacional da Mulher, que haveria de ocorrer em 1975.

Podemos dizer que o MDM, desde a sua formação na clandestinidade, mas logo a seguir ao 25 de Abril, tomou nas suas mãos estas rédeas de que era preciso que as leis fossem alteradas, era preciso que a igualdade vigorasse de facto, do ponto de vista jurídico, e que as mulheres fossem reconhecidas. E na verdade assim aconteceu.

A Revolução dos Cravos deu o impulso...

O grande fulgor do MDM vem de facto com o 25 de Abril. É a alegria e também o apontar das coisas que faziam falta. O que é que fazia falta às mulheres nessa altura? A alfabetização, o MDM começou logo a fazer a alfabetização em zonas mais afastadas dos grandes centros. Em Sines, por exemplo, conheço pessoas que lá andaram. Tinham que ir para os campos, na altura à luz de candeeiros [a petróleo] porque em 1974 havia muitos locais que ainda não tinham luz eléctrica. Foi um empenho grande… tudo fervilhava.

O MDM saudou imediatamente as mulheres dos campos e estimulou a sua inserção naquela luta pelo trabalho nos campos da Reforma Agrária. Também esta ideia de que, e nós tivemos logo eleições, de que as mulheres tinham que votar e estar nas listas. E, naturalmente, esta ideia de que temos que ter uma força social viva, actuante, pelas questões da igualdade e da emancipação. O MDM começou logo junto da Assembleia Constituinte (AC) a reivindicar que a própria Constituição consagrasse a igualdade entre homens e mulheres, trabalho igual e salário igual. Fizemos uma listagem que entregámos à AC no sentido de, e nessa altura eles ainda não tinham nada aprovado nem discutido, que a Constituição da República viesse a consignar a igualdade.

Houve a Junta de Salvação Nacional, o Movimento das Forças Armadas (MFA), que participou em muitas coisas a convite do MDM. Houve o Ano Internacional da Mulher, em 1975, e o MFA foi connosco. Num encontro em Lisboa, no mesmo ano, esteve um representante do MFA, houve logo uma grande sintonia. Também o Vasco Gonçalves, em 1975, fez um apelo a que todo o Governo pensasse em questões para as mulheres. Digamos que estas questões passaram a estar na ordem do dia, das preocupações políticas, e a Constituição abre a porta para muita legislação que veio depois.

Tal como em 2017, o MDM assinala o Dia Internacional da Mulher com uma manifestação nacional em Lisboa, no próximo dia 10 de Março Créditos

Quais eram as principais preocupações?

Havendo a preocupação da emancipação, da luta emancipadora das mulheres, o primeiro documento que apresentámos à Junta de Salvação Nacional, feito a 28 de Abril de 1974, e que vinha do tal encontro de 1973, realizado na Cova da Piedade, já apelava à legalização do aborto, falava das creches, falava dos infantários e falava também desta luta da igualdade: jurídica, do direito de voto, associando sempre as questões muito concretas das necessidades das pessoas. Ao mesmo tempo, quis contribuir para a sua emancipação, para a entrada no mercado de trabalho e para a segurança das crianças.

Em Setúbal, por exemplo, o primeiro lar da terceira idade, que hoje é o LATI (Liga dos Amigos da Terceira Idade), nasceu de um grupo de mulheres do MDM, num bairro de trabalhadores. Elas já começavam a sentir a necessidade de tratar das pessoas que estavam em casa porque queriam trabalhar e não tinham onde as deixar, não havia protecção social nenhuma. Muita coisa que surgiu no pós-25 de Abril nasceu também de as mulheres se juntarem e verem o que fazia falta.

Nós tínhamos um País onde a mortalidade materna era uma coisa assustadora, tal como a mortalidade infantil. Começámos também a trabalhar e a falar sobre a necessidade de uma assistência médica condigna. Os problemas das mulheres, mais específicos, precisavam de ter uma resolução mais global. E, de facto, nós hoje podemos dizer que é absolutamente residual a mortalidade infantil e a mortalidade materna. Nós procuramos sempre associar também a nossa luta e a nossa intervenção, chamando este lado feminino das coisas, às dificuldades que as mulheres foram sentindo e têm sentido sempre ao nível da inserção no trabalho, do acesso.

O problema resume-se à falta de igualdade?

São as questões das mulheres, é a igualdade, mas é a igualdade na vida no sentido em que elas têm necessidades que advêm da sua condição de mulheres. Por exemplo, agora sabemos porque nos dizem nas reuniões, mas também sabemos pelos números. Quando foi da lei da interrupção voluntária da gravidez (IVG) e dos referendos, falámos com muita gente e médicos de empresas que tinham ordem para fazer testes de gravidez às mulheres. Porque associam o absentismo às questões da maternidade.

Outro aspecto que nós também sabemos e de que falamos muito é que as carreiras das mulheres não levam sempre às chefias. As chefias na Função Pública ainda são muito ocupadas por homens porque a carreira das mulheres ainda é muito sacrificada pela maternidade. Mas a função social da maternidade está na nossa Constituição, conseguiu-se isso. E a maternidade não é só uma questão da mulher, é também uma questão da sociedade. E agora com a natalidade a baixar ainda podemos fazer mais essa ponte, essa ligação de assuntos.

«Não há desenvolvimento sem a participação das mulheres e sem esta massa crítica que, entretanto, sai das escolas com formação. Esta massa faz falta ao País e ao investimento produtivo.»

Regina marques

Se a ONU celebrou um Ano Internacional da Mulher, com grandes objectivos, então que se apliquem em Portugal. Depois houve a Declaração de Pequim, em 1995, que traça a obrigação de os governos tomarem medidas específicas para acabar com as discriminações e as desigualdades. E nós também nos fundamentamos um pouco nessas plataformas internacionais, que vêm dar razão aos nossos objectivos de dar perspectivas às mulheres de realização pessoal e profissional, e dar-lhes também tempo para viver. É um bocadinho este círculo de coisas que nos preocupa e que justifica o nosso movimento. Por isso é que dizemos que somos um movimento em movimento. E fazemos história porque também a história não acabou agora. As mulheres lutando e organizando também fazem história, fazem o caminho da história.

Mas, no século XXI, as mulheres continuam a ganhar menos...

As mulheres ganham menos do que os homens e a sua maioria está na base da pirâmide profissional, em empregos não qualificados, embora muitas tenham formação profissional e até formação superior.

As mulheres deram uma lição aos portugueses, foram capazes de entrar nas escolas, de mostrar grande competência e grande capacidade criativa, e o País desperdiça este potencial. Para além disso, foram as primeiras vítimas dos salários em atraso.

Podemos admitir que há retrocessos na forma como a sociedade vê as mulheres?

Nós aqui temos a ideia de que houve de facto retrocessos grandes. A partir do momento em que elas querem caminhar para uma sociedade aberta, de trabalho, até de participação na cultura, etc., e também pelas limitações económicas trazidas nos anos 90, acompanhadas de uma nova mentalidade.

Até aos anos 90, éramos à volta de cinco organizações de mulheres em Portugal e agora são pequenos grupos. Estimulou-se, até vindo de fora, nomeadamente da CEE, a ideia dos pequenos grupos financiados, a igualdade de género, etc. Acompanhando isto, toda a gente é pela igualdade das mulheres mas não se reivindicam políticas, formas de estar. Acham que tudo está no campo do homem e da mulher, e não no campo mais aberto das condições de vida, porque também é isso. É o trabalho, são as condições laborais e são as condições familiares que se repercutem. Eu acho que os retrocessos advêm para justificar a subalternidade no emprego, a flexibilidade, o tempo parcial e o serviço temporário.

Depois, temos o problema da violência doméstica e do assédio, que não é uma questão nova. Em Janeiro foi denunciado que um clube de homens, em Londres, que se reuniamuitos anos para fins de assistência a instituições, fazia assédio sexual pago e punha as mulheres para seu prazer durante a jornada de assistência caritativa.

Mas eu lembro-me do Ballet Rose, durante o fascismo, que também teve estes condimentos, de gente do regime altamente colocada e até com nomes muito sonantes, que fizeram esses bailes para meterem as mulheres como objectos sexuais, como figuras de entretenimento. Isto faz parte da nossa história mas é quando há degradação, não é da história quando há progresso. Quando há retrocessos, as mulheres voltam a ser objecto dos poderosos.

Qual é o papel do MDM?

O papel do MDM é tentar denunciar, tentar que as mulheres tenham noção e percebam que isto é uma discriminação, uma humilhação, que a sua dignidade está a ser ofendida e que nós sem dignidade pessoal também não vamos fazer outro tipo de coisas.

A luta por uma sociedade diferente exige que as pessoas estejam conscientes do lugar que ocupam. Só lutam se forem capazes de perceber isso.

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