«Ficaste sem comboio? Privatize-se!». É assim que começa a publicação da Iniciativa Liberal (IL) nas redes sociais. Sem aludir ao facto da greve se estar a realizar porque o Governo não quer cumprir o acordo alcançado entre a CP e os ferroviários, a IL optou por culpar os sindicatos por exercerem os seus direitos: «14 (!) sindicatos da CP decretaram greve, que paralisou totalmente os comboios, e não há serviços mínimos. Os portugueses continuam reféns deste estado de coisas. A greve vai continuar e ainda há mais sindicatos que se vão juntar».
Diz o partido liderado por Rui Rocha que «a Iniciativa Liberal é o partido que defende um sistema ferroviário moderno e funcional em Portugal e como tal propõe a privatização ou concessão da CP, promovendo concorrência e um serviço que funcione». A IL é omissa na forma como as greves acabarão numa empresa privada.
Há mais greves no sector empresarial do Estado ou no sector privado?
Os dados da Direcção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT) mostram que foram comunicados nos sectores privado e empresarial do Estado um total de 1 279 pré-avisos de greve entre Janeiro e Novembro de 2023.
São os mesmos dados que indicam que a maioria dos pré-avisos de greve se verificou no sector privado (762), enquanto no sector empresarial do Estado foram entregues 517 pré-avisos. Ou seja, ao contrário do que a IL quer dar a entender, há greves no sector privado, e até são a maioria. É a própria DGERT que diz que a subida dos salários para fazer face ao aumento do custo de vida foi um dos principais motivos dos protestos.
Com base nos dados que são públicos, a IL não tem razão quando diz que as greves acabam com a privatização da empresa. A realidade comprova que no sector a luta trava-se e que não é pela natureza privada que as reivindicações acabam. O partido de Rui Rocha acaba por revelar o seu ódio às liberdades e sugere, de forma pouco inocente, a repressão de liberdades, neste caso as sindicais.
A privatização resolve os problemas da CP?
Em resposta aos jornalistas, Rui Rocha não quis responder com o exemplo existente na ferrovia e desonestamente acabou por falar do transporte rodoviário. O presidente dos liberais sabe que o caso da Fertagus é, precisamente, um caso que só dá razão à luta por uma CP na esfera do sector empresarial do Estado.
Em Dezembro de 2023, a Comissão de Utentes de Transportes da Margem Sul emitiu um comunicado no qual chamou a atenção para o facto de o serviço prestado pela Fertagus não sofrer alterações «praticamente desde a sua inauguração, em 1999». Enquanto a Península de Setúbal e a Área Metropolitana de Lisboa sofreram um forte crescimento em 24 anos, a empresa que explora a linha do Sado manteve «as mesmas estações, as mesmas composições e praticamente os mesmos horários», expuseram os utentes.
A mesma comissão alertou em 2024, noutro comunicado, que «os utentes estão fartos de aglomerações, na entrada e saída das carruagens e durante as viagens, de atrasos constantes e de assistir à prestação de socorro médico a outros utentes que se sentem mal na sequência das condições em que viajam».
Indo mais atrás no tempo, em 2019, mais de 100 personalidades exigiram o fim da PPP com a Fertagus. Num manifesto intitulado «Basta de PPP com a Fertagus, queremos o serviço integrado na CP!», os signatários defendiam que desta forma «ganha o País que vê reduzido o esbulho de recursos públicos em favor dos grupos privados, ganham os utentes pois passam a pagar menos [pelo] passe intermodal e o estacionamento gratuito junto às estações, e ganham os trabalhadores da Fertagus que, ao serem integrados na CP e na EMEF, melhoram as suas condições de trabalho, rendimento e direitos».
O Grupo Barraqueiro investe na Fertagus?
Importa recordar que foi o Estado quem construiu toda a rede, quem comprou todos os comboios, e quem pagou um e outro investimento. Foi o Estado a criar todas as condições para o Grupo Barraqueiro poder lucrar, num contexto em que a Fertagus funcionava fora do passe social, e com preços que eram, em média, 75% superiores aos da CP. Até neste aspecto a narrativa da IL é facilmente desmontada.
Ainda nesta legislatura, o Governo prometeu à Fertagus comboios que não tem com uma eventual transferência de comboios da CP para a empresa do Grupo Barraqueiro. Isto significará a degradação do serviço prestado pela CP, afectando as linhas de Sintra, Azambuja e Sado. Mais uma vez, o privado sai a lucrar com a ajuda do Estado.
Como se isto não fosse suficiente, a Fertagus recebe as receitas das tarifas pagas pelos passageiros e, no entanto, não paga à Infraestruturas de Portugal (IP) a taxa de utilização da rede ferroviária. Esta despesa é assumida pelo Estado.
Então, o que quer a IL com toda a polémica em torno da greve da CP?
A IL parece estar a ver aqui a oportunidade para dois desejos antigos: entregar uma empresa com toda a estrutura criada a um grande grupo económico, sacrificando o interesse dos utentes; suprimir o direito à greve, atacar sindicatos e liberdades democráticas.
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