As medidas recentemente anunciadas pelo Governo de Luís Montenegro em matéria de habitação levantam sérias preocupações e exigem uma resposta firme de todos aqueles que defendem os direitos dos inquilinos, a justiça social e territorial e o direito constitucional a uma habitação digna. Estas medidas não só não respondem aos problemas estruturais do país, como, em muitos casos, os agravam, favorecendo interesses especulativos e hipotecando o futuro de milhares de famílias trabalhadoras e dos mais vulneráveis.
1. A regressão na proteção dos inquilinos
O recuo na regulação do valor das rendas é um ataque frontal à estabilidade e segurança das famílias. O Governo pretende eliminar ou flexibilizar o limite máximo de aumento das rendas — atualmente fixado em 2% — abrindo caminho a subidas incomportáveis, determinadas pela especulação de um mercado já sobreaquecido, com taxas de esforço que ultrapassam os 60% dos rendimentos das famílias.
Esta decisão retira um instrumento fundamental de proteção dos arrendatários. Ao deixar os preços ao sabor do rentismo de grandes senhorios e fundos imobiliários, o Executivo está a condenar os trabalhadores e jovens ao sobre‐endividamento, ao adiamento da sua emancipação e, em muitos casos, à impossibilidade de viver nas cidades onde trabalham ou estudam.
2. A facilitação dos despejos
Outra medida profundamente lesiva é a facilitação dos despejos. O Governo justifica-a com a necessidade de «simplificação» e «eficiência», mas o que está em causa é retirar garantias a quem vive com dificuldades económicas, aumentando a insegurança habitacional e deixando milhares de famílias sujeitas ao medo constante de perder o teto.
Num país onde já existem carências habitacionais gritantes, onde muitos vivem em habitações sobrelotadas ou em condições indignas, esta opção representa um retrocesso social. A habitação não pode ser tratada como objeto de lucro rápido; trata-se de uma questão de dignidade humana, de saúde pública e de coesão social e territorial.
3. A dependência de fundos e imposições externas
O Governo apresenta como solução o recurso a fundos comunitários e a empréstimos do Banco Europeu de Investimento. A dependência de empréstimos ou programas europeus, por mais vantajosos que sejam, impõe condicionalismos, prazos, registos burocráticos e, frequentemente, falta de continuidade que medidas internas poderiam assegurar de forma mais democrática e previsível. Esses recursos podem ser complementares, mas nunca podem substituir a obrigação nacional de investir de forma consistente e sustentável na habitação pública.
«O Governo justifica-a com a necessidade de "simplificação" e "eficiência", mas o que está em causa é retirar garantias a quem vive com dificuldades económicas, aumentando a insegurança habitacional e deixando milhares de famílias sujeitas ao medo constante de perder o teto.»
O Estado português deve assumir, como mínimo, a canalização de 1% do PIB para este setor, garantindo um parque habitacional público robusto, programas de reabilitação, estabilidade do arrendamento e uma política pública de habitação permanente. É preciso libertar o país dessas amarras e assumir, com soberania, uma política de habitação planeada, estável e com continuidade.
4. A alienação de património público
Em vez de reforçar o parque habitacional público, o Governo opta por vender imóveis do Estado, incluindo edifícios de grande valor patrimonial e muitos deles com vocação residencial. Esta alienação significa perder capacidade de intervenção direta no mercado e reduzir, de forma irreversível, o bem comum disponível para responder às necessidades habitacionais da maioria social.
Ainda mais grave é o recurso a concessões e parcerias público-privadas para gerir esse património. Todos conhecemos os resultados desse modelo: os bens públicos acabam ao serviço do lucro privado, em detrimento da função social. O que devia ser destinado a habitação acessível transforma-se em ativos rentáveis para grupos financeiros e fundos imobiliários.
5. O que se exige
O que se impõe não é alienar património, nem continuar a entregar às mãos do mercado e da finança o direito a habitar. O que se exige é:
— Reforçar o parque habitacional público, aumentando a oferta de casas com rendas acessíveis;
— Estabelecer um controlo de rendas, garantindo previsibilidade e estabilidade para os inquilinos;
— Proteger os arrendatários contra despejos arbitrários, assegurando que ninguém é colocado na rua sem alternativa digna, como decreta a Lei de Bases da Habitação;
— Canalizar investimento público direto para a construção, reabilitação e manutenção de habitação social;
— Rejeitar as soluções de privatização, mercantilização e financeirização, que apenas agravam a crise e colocam o país ainda mais dependente do capital financeiro, numa espiral rentista sem fim que apenas empobrece quem trabalha e realmente produz a riqueza: a classe trabalhadora.
As medidas do Governo de Montenegro não são neutras: são uma opção ideológica clara de classe, ao serviço da expansão da fronteira da produção capitalista das dinâmicas imobiliárias da habitação, ao serviço da reprodução dos interesses dos grandes e dos dominantes — os da especulação imobiliária, da banca, dos grandes grupos do complexo turístico-imobiliário-financeiro e de quem lucra com a crise da habitação. Ao invés de responder ao sofrimento das famílias, estas opções aumentam a desigualdade, a precariedade e a injustiça social e territorial.
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