A Coligação Democrática Unitária (CDU) escolheu o passeio próximo à antiga Estação do Arco do Cego, em Lisboa, para realizar, no passado dia 2 de Maio, uma tribuna pública sobre a venda de edifícios do Estado que contou com a participação de António Filipe, deputado do PCP na Assembleia da República e segundo nome da lista da CDU a Lisboa, nestas Legislativas, e de João Ferreira, vereador do PCP na Câmara Municipal de Lisboa (CML) e candidato da CDU à presidência da CML nas próximas Autárquicas.
A escolha do local não se deveu ao acaso: no muro que delimita o Jardim do Arco do Cego, por detrás dos oradores, uma faixa expunha as moradas dos cinco edifícios do Estado que o Governo PSD/CDS-PP se propõe vender nas imediações, na zona do Saldanha, que totalizam 16 mil metros quadrados e fazem parte de um leque mais alargado de 19 edifícios, com um total de 96 mil metros quadrados, que Portugal vai alienar nos próximos anos com a expectativa de encaixar 250 milhões de euros.
Ora uma das linhas de combate que o PCP elegeu para estas eleições legislativas, consignada no Compromisso Eleitoral dos comunistas, defende, em alternativa aos desígnios do Governo PSD/CDS-PP, o alargamento «da oferta pública de habitação através da mobilização imediata do património público para fins habitacionais».
Questionado pelo AbrilAbril, no final da tribuna, sobre as potenciais vantagens em vender estes edifícios para construir novos, noutras áreas, João Ferreira desvalorizou a ideia: «os recursos a despender numa reabilitação que visem adaptar para habitação não serão os mesmos, certamente, do que construir novos edifícios». No caso concreto destes cinco edifícios (ver caixa), estes podem ainda servir a função de «assegurar que determinadas zonas da cidade têm não só uma certa multifuncionalidade (em que a habitação se conjuga com um conjunto de outras funções), mas também que a sua composição social é diversa».
O vereador comunista opõe-se «a uma visão de segregação social em que deixamos as zonas centrais da cidade à voragem da especulação imobiliária», um centro constituído por escritórios, hotéis e alojamento local, «e depois encontramos umas reservas de habitação pública, normalmente em zonas periféricas, mais desqualificadas, porque menos servidas por serviços, equipamentos, transportes, onde engavetamos tudo o que são necessidades de habitação pública».
«Seria errado pensar que existe uma bala de prata, uma ou outra medida que é capaz de resolver tudo»
João Ferreira reconhece que a solução do problema da habitação em Lisboa não é fácil, mas lembra que a CML, liderada por Carlos Moedas, com um executivo PSD/CDS-PP, continua a ser a maior proprietária da cidade de Lisboa. E não é só pelos mais de 60 bairros sociais que existem na capital, esta autarquia «é detentora também de um vasto, embora em grande parte dos casos muito degradado, património imobiliário disperso», que só não é maior porque sucessivos executivos do PS e do PSD o alienaram, «em condições extremamente favoráveis para os produtores imobiliários» sem, em contrapartida, reabilitar o património público devoluto.
A metáfora a que João Ferreira recorre não é nova. A «caixa de ferramentas diversificada» necessária para enfrentar a crise na habitação em Portugal foi introduzida na campanha pelo secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo. A reabilitação, defende o vereador, «tem de ser acompanhada também de medidas, por exemplo, que penalizem ainda mais a manutenção de fogos em situação de devolutos» e pôr em prática incentivos, «que a lei de bases de habitação já permite», para que os proprietários os recuperem e para que «sejam colocados no mercado de arrendamento».
Colocado no mercado de arrendamento mas, como é evidente, aplicando uma «regulação dos valores de rendas», ressalva João Ferreira: «a construção pública é, sem dúvida, parte desta caixa de ferramentas, importantíssima», mas, em algumas situações (como é o caso de cidades como Lisboa), o processo tem de «começar por reabilitação de uma grande parte do edificado que existe e que está desaproveitado».
«A precarização do regime de arrendamento habitacional é relativamente recente». CDU quer contratos de arrendamento com um mínimo de dez anos
Para que o direito à habitação seja assegurado, as pessoas precisam de uma garantia de estabilidade mínima no acesso. «E isso não está a acontecer», considera António Filipe. As pessoas sujeitam-se, nos dias de hoje, a regimes de arrendamento que lhes colocam «imensas dificuldades», com a possível cessação do contrato ao virar da esquina, sendo forçadas a «encontrar outra solução, certamente mais cara».
Como está, a procura de habitação obriga «a uma desestabilização completa da vida pessoal e familiar» de cada um. A proposta do PCP passa pela instituição de um regime de arrendamento que tenha como regra um período mínimo de dez anos, ressalvando que isto «não as obriga a permanecer todo esse tempo nessa habitação, podendo, naturalmente, encontrar uma outra solução para a sua vida».
Dez anos não é nada excessivo, considera o deputado comunista. O direito ao arrendamento nas gerações anteriores era considerado, naturalmente, como sendo «quase vitalício»: «as pessoas tinham a sua habitação, tinham lá as suas coisas, faziam, com o consentimento do senhorio, as benfeitorias necessárias nas suas casas e não havia problema nenhum».
Uma frente de ataque que tem, necessariamente, de pôr os lucros da banca a sustentar os custos
Interrogado sobre como pensa o PCP pôr os lucros da banca a sustentar a procura de habitação, António Filipe reafirma a necessidade de garantir a protecção de «quem deixa de ter condições para pagar» o crédito à habitação, independentemente do motivo. A solução, defende, não pode ser a mais fácil para as instituições bancárias: não pode ser «o que o mercado ditar»,
O PCP, explica, «tem vindo a propor medidas no sentido de evitar, tanto quanto possível, a perda da casa. Seja através de mecanismos de renegociação (como o aumento da duração do contrato, esticando o prazo) ou com moratórias que permitam às pessoas refazer a sua vida».
«É uma questão de vontade política que os governos, de facto, não têm tido», lamenta o deputado comunista. Para o PCP, é necessário construir um «equilíbrio entre aquilo que são os lucros obtidos pelos bancos com o seu negócio, que são os empréstimos para a compra de casas», recorrendo aos lucros milionários da banca, por via do aumento das taxas de juros, como forma «de compensar as famílias», reduzindo os encargos com os créditos à habitação.
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