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Corrupção não se combate com «gritaria» ou seguindo ondas e «casos»

Num debate extenso, com 25 projectos apresentados, a tónica variou entre aqueles que intervieram toldados pela espuma dos dias, e os que procuraram defender iniciativas sólidas para este problema.

Campus da Justiça
Créditos / Pontos de Vista

Foi a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que deu início ao debate com um enunciado de questões de princípio sobre a importância de um Estado democrático combater a corrupção.

A debate foram um total de 25 projectos, entre os quais, quatro propostas de lei do Governo que concretizam a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção). Todos acabaram por descer sem votação à respectiva comissão parlamentar, o que indicia que o tema só voltará a debate e votação na próxima legislatura.

Pelo BE, o deputado José Manuel Pureza valorizou algumas das partes do projecto governativo, mas criticou a ausência de uma iniciativa sobre enriquecimento ilícito, grande prioridade do partido nesta matéria, e que foi uma crítica partilhada por várias bancadas. Em resposta, Van Dunem afirmou que foi por «cortesia institucional» que o Governo não avançou com esta matéria, porque entendeu que deve ser o Parlamento a tratar esta questão.

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A corrupção não se combate com demagogia

A promiscuidade e subordinação do poder político ao económico criam condições para o florescimento da corrupção. Esta é uma luta que só se trava com um significativo reforço de meios técnicos e humanos.

Fachada do edifício da Procuradoria-geral da República, em Lisboa. Foto de arquivo
CréditosAntónio Cotrim / LUSA

Os números impressivos, relativos a 2020, do relatório do Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), instituição que trabalha junto ao Tribunal de Contas, trazem, uma vez mais, a questão do combate à corrupção ao debate público.

As conclusões do estudo merecem, por um lado, uma análise profunda e, por outro, colocam a exigência de fazer este debate colocando em cima da mesa que este combate só se trava, de forma séria, com um significativo reforço de meios.

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Combate à corrupção, uma exigência do regime democrático

O combate à corrupção tem estado ausente das prioridades dos sucessivos governos, como é comprovado pelo incumprimento das repetidas promessas de reforço das condições e meios que esse combate exige.

Palácio da Justiça, Porto, Portugal. Foto de arquivo
CréditosManuel V. Botelho / CC BY-SA 4.0

A sucessão de casos de corrupção e de criminalidade económico-financeira não deixa de ser surpreendente mesmo para quem tem a noção clara do seu carácter sistémico inerente à economia capitalista, que decorre do tráfico de influências, dos grandes negócios, do branqueamento de capitais, da grande fuga ao fisco.

A criminalidade económica e financeira, decorrente da promiscuidade e subordinação do poder político ao poder económico e traduzida em escândalos de dimensão gigantesca, envolvendo os responsáveis por instituições financeiras em tráfico de influências, em negócios ruinosos para o Estado em benefício de interesses privados, em branqueamento de capitais e em fuga ao fisco, assume um carácter sistémico.

«Estão cada vez mais claros, aos olhos de todos, os perniciosos efeitos para a economia e o país da promiscuidade entre o poder político e os grandes negócios, num quadro em que um crescente número de investigações judiciais batem à porta de muitos dos protagonistas de uma vasta rede de interesses com ligação aos partidos – PS, PSD e CDS-PP – que há mais de quarenta anos se têm sucedido no poder»

O fenómeno da corrupção manifesta-se através de diversas práticas, como sejam o tráfico de influências e a participação económica em negócio, a viciação fraudulenta de procedimentos de contratação pública, a combinação de adjudicações de serviços e empreitadas de obras públicas, a extorsão por parte de funcionário que exige uma contrapartida para a prática de um acto, o favorecimento através do fornecimento de informação privilegiada, a celebração de contratos com cláusulas ruinosas para o interesse do Estado, entre muitas outras práticas.

Estão cada vez mais claros, aos olhos de todos, os perniciosos efeitos para a economia e o país da promiscuidade entre o poder político e os grandes negócios, num quadro em que um crescente número de investigações judiciais batem à porta de muitos dos protagonistas de uma vasta rede de interesses com ligação aos partidos – PS, PSD e CDS-PP – que há mais de quarenta anos se têm sucedido no poder.

Mesmo reconhecendo o impacto negativo e amplificador que têm, diariamente, a abertura de telejornais, os grandes títulos de jornais e revistas e o carácter incendiário das redes sociais acerca dos escândalos da corrupção, das fraudes fiscais e doutros crimes graves, ou dos processos que se levantam desses casos, o facto é que esse tipo de criminalidade atingiu nos últimos anos uma dimensão alarmante, a provar que na realidade a impunidade continua.

A situação é tanto mais alarmante quanto é real a consciência do impacto negativo em termos do desenvolvimento da economia nacional. E ainda, mais importante, as consequências negativas que minam os fundamentos do regime democrático.

«Mesmo reconhecendo o impacto negativo e amplificador que têm, diariamente, a abertura de telejornais, os grandes títulos de jornais e revistas e o carácter incendiário das redes sociais acerca dos escândalos da corrupção, das fraudes fiscais e doutros crimes graves, ou dos processos que se levantam desses casos, o facto é que esse tipo de criminalidade atingiu nos últimos anos uma dimensão alarmante, a provar que na realidade a impunidade continua»

E tanto mais preocupante quanto a consciência de que é maior a distância que vai entre a detecção dos crimes e a eventual punição dos seus responsáveis, o que contraria a tese muito difundida pelo poder de que a impunidade acabou. E se é certo que «Portugal não é um país de corruptos», o certo é que a corrupção atingiu patamares muito elevados, que abrangem todos os sectores da sociedade, e que é urgente atacar.

A realidade que todos os portugueses vêem e sentem, no que respeita à criminalidade económica, é que são diminutos os êxitos face à dimensão e alastramento do fenómeno da corrupção e do crime económico. Para lá da retórica do «fim da impunidade», o que ressalta é a morosidade dos grandes processos criminais, que se vão arrastando pelos tribunais durante anos a fio, sobretudo aqueles que envolvem gente com poder, e que, fruto de um conjunto complexo de factores, de incidentes processuais, de violações constantes do segredo de justiça, de pressões e influências de toda a ordem, quase sempre acabam sem que justiça seja feita, sem que se apurem responsabilidades pelos crimes cometidos, sem que os seus autores sejam punidos.

O que não só contribui para o descrédito na Justiça, como faz crescer o sentimento de que, a manter-se a incapacidade do sistema judicial em combater mais eficazmente o crime económico, o fenómeno da corrupção se tornará inatacável.

O que se explica pela crónica carência de meios de toda a ordem ao dispor da investigação criminal, pela inadequação da legislação criminal mas, sobretudo, pela influência e conivência dos partidos da política de direita na protecção dos interesses que servem.

Não há combate à corrupção sem reforço dos meios

O combate sério, efectivo e empenhado, contra a corrupção tem estado obviamente ausente, e assim continua, das prioridades dos sucessivos governos, como é comprovado pelo incumprimento das repetidas promessas de reforço das condições e meios que esse combate exige.

A começar no terreno basilar da investigação criminal, persiste, desde há muito, uma enorme carência dos mais elementares meios materiais e humanos, hoje a principal dificuldade que se coloca no trabalho diário do Ministério Público (MP) e da Polícia Judiciária (PJ), sobretudo quanto aos processos de maior complexidade. É notória a deterioração da situação operacional da PJ, fruto do abandono e da política de subalternização a que tem sido votada ao longo dos anos.

É por isso de inteira justiça realçar o facto de que os poucos avanços que se vislumbram no panorama actual do combate ao crime, em particular o crime económico, se ficam a dever ao trabalho esforçado, à coragem e à exigência que a generalidade dos procuradores, investigadores e juízes põe no desempenho das suas funções em termos de independência e isenção.

Perigosos expedientes e falsas soluções

Confrontados com o fracasso do combate à alta criminalidade económica e financeira, não falta quem se aventure na proposta de medidas e soluções, muitas fora do quadro constitucional e legal, que supostamente resolveriam todos os problemas. Propostas que vão desde a delação premiada, a criminalização dos jornalistas, os metadados, os tribunais especiais, o controlo do Ministério Público, até às alterações da Constituição da República. Vejamos.

A delação premiada consiste num regime em que a colaboração do arguido e a sua contribuição para o sucesso da investigação criminal e para a descoberta ou condenação de outros arguidos lhe traz benefícios. Esta solução de justiça à americana, vem sendo defendida por alguns sectores da justiça e também pela direita, da JSD à líder do CDS e também ao PAN.

O MP «negoceia» a confissão do arguido, com a contrapartida de fazer um depoimento a incriminar outro ou outros. Ou seja, a colaboração do arguido nada tem de espontâneo, ela só existe porque tem por objectivo ver a pena reduzida ou mesmo perdoada. No fim, não se traduz em menos corrupção.

Trata-se de delação pura, quantas vezes forjada, como aconteceu na Operação Lava Jato, no Brasil, e que levou à condenação do presidente Lula da Silva.

Esta prática leva a que a centralidade passe a ser a negociação de bastidores, nos gabinetes, permitindo toda a espécie de pressões, de chantagem e até mesmo de corrupção, o que em nada dignificaria a justiça. E criando, por outro lado, mais incerteza e insegurança jurídica para o direito e para os cidadãos.

É uma prática que não tem tradição em Portugal, não tem consagração no nosso direito penal e sobretudo choca com os alicerces do Direito português. Além do mais, o Código Penal já prevê institutos como a suspensão provisória do processo, ou a «dispensa ou atenuação de pena» em casos de corrupção ou de recebimento indevido de vantagens.

É um facto reconhecido por todos que as constantes violações do segredo de justiça resultam sempre na perturbação da investigação criminal, para além de poder prejudicar a imagem e os direitos das pessoas envolvidas no processo, designadamente o arguido.

Daí a permanente controvérsia sobre a matéria, com insistentes opiniões que vão dos que defendem a publicidade em todos os processos na fase de inquérito, pela alegada inutilidade do segredo de justiça, desse modo escancarando os factos, as provas e os passos do próprio processo, até àqueles, como o presidente do PSD e outros, que entendem resolver o problema através da criminalização dos jornalistas e órgãos de comunicação social que divulguem a informação.

As fugas de informação ao segredo de justiça constituem crime previsto e punido pelo Código Penal. E, ao contrário da ideia corrente, os jornalistas podem ser condenados pelo crime de violação de segredo de justiça. Por isso, essa criminalização já existe. Se um processo ou acto processual se encontra coberto pelo segredo de justiça, é proibido também aos jornalistas e meios de comunicação social a divulgação do seu teor.

O que se constata, na prática, a ver pelas pouquíssimas condenações, é a insuficiente, quando não inexistência, da parte do MP, de uma verdadeira e cabal investigação desse crime.

Mas, o problema crucial relativamente à violação do segredo de justiça está em saber em que medida é que ela pode ser evitada, dê ou não origem a notícia na comunicação social. O foco tem que ser colocado não no «mensageiro», mas em quem violar o segredo e utilizar aquela informação para prejudicar o inquérito criminal.

Aliás, há muito que foram aprovadas medidas do PCP que ajudariam a minorar ou resolver o problema, nomeadamente o registo de todas as pessoas que têm acesso às peças processuais, para que seja possível fazer o controlo mais eficaz sobre quem tem acesso a uma informação, para se saber como ela é utilizada. Medidas que tardam em ser efectivadas.

Defender os direitos dos cidadãos

A Lei dos metadados, aprovada pela Assembleia da República e que previa o acesso a dados de telecomunicações e internet pelos agentes dos Serviços de Informações, foi pela segunda vez chumbada pelo Tribunal Constitucional.

Trata-se de uma importante vitória sobre uma lei do bloco central, que alargava os poderes dos diversos serviços de informações, e constituía uma devassa da vida privada dos cidadãos portugueses, em grave violação das liberdades democráticas.

«se é certo que «Portugal não é um país de corruptos», o certo é que a corrupção atingiu patamares muito elevados, que abrangem todos os sectores da sociedade, e que é urgente atacar»

A proposta de lei do Governo, aprovada na anterior legislatura, teve os votos favoráveis do PSD, PS e CDS, e os votos contra do PCP, do PEV e do BE, e a abstenção do PAN, sendo posteriormente promulgada pelo Presidente da República, apesar dos apelos para a fiscalização preventiva.

O Tribunal Constitucional considerou que violava a Lei Fundamental o acesso àquele tipo de informações – acesso a dados de tráfego, como a hora, duração e números dos telefonemas – fora do âmbito do processo criminal, quer pela equiparação de dados de localização [de aparelhos] aos dados de tráfego [de comunicações], quer pelo entendimento do próprio TC de que há «uma distinção radical entre informações e investigação criminal, o que impede os oficiais de informações de intervirem no processo penal», uma vez que se trata de «efeitos de prevenção» e não de «investigação».

A reivindicação e proposta da criação de tribunais especiais apareceu nos últimos tempos como a panaceia para o combate a certo tipo de criminalidade. Curiosamente vinda de sectores políticos diferentes, da direita ao BE, do PAN ao PS. Vemos a líder do Bloco de Esquerda a propor tribunais especiais para julgar crimes de violência doméstica, secundada pelo líder do PS e pelo Bastonário dos advogados e, por outro lado, vemos o líder do PAN a defender tribunais especiais para a corrupção. Todos sabendo, e defendendo, que isso implica «mexer» na Constituição.

Não está em causa a gravidade dos crimes, que a todos indignam, e o alarme social que provocam, como é o caso dos crimes de violência doméstica. Mas a experiência demonstra que não é com este tipo de medidas de endurecimento das penas que se combate a criminalidade. Pelo contrário.

Propostas populistas, caminhos perigosos

Aquelas propostas trazem consigo ideias perigosas, verdadeiras fugas para a frente, que procuram contornar a falta de capacidade de resposta do sistema judicial, passando por cima não apenas dos princípios básicos das nossas leis penais, mas tripudiando sobre a própria Constituição de Abril. Ideias que vêm de trás, que vão fazendo caminho, que procuram apoio na opinião pública influenciada pelo populismo mediático e que servem objectivamente a ideologia e as políticas de direita e extrema-direita.

Foi assim com o retrocesso que resultou da revisão de 2001 da Constituição da República Portuguesa em termos de direitos liberdades e garantias – desde a adesão ao Tribunal Penal Internacional, à matéria da extradição de cidadãos portugueses, até à eliminação do carácter absoluto da violação do domicílio durante a noite.

Vem sendo assim com o reforço, crescente, da vigilância sobre os cidadãos, indistintamente, a vigilância electrónica, o acesso aos metadados, etc.

«O combate sério, efectivo e empenhado, contra a corrupção tem estado obviamente ausente, e assim continua, das prioridades dos sucessivos governos, como é comprovado pelo incumprimento das repetidas promessas de reforço das condições e meios que esse combate exige»

É assim com as propostas de endurecimento das penas e até a proibição da pena suspensa em certos casos, exercendo pressão sobre o sistema judicial, chamado a resolver, para mais sem as condições necessárias, problemas sociais graves que foram e são criados a montante, na sociedade, e a que o sistema político não responde. E pressão sobre os tribunais correndo o risco de substituir um julgamento independente e justo por julgamentos com garantias diminuídas, com condenação antecipada e, no pior dos cenários, sem direito a recurso para tribunal superior.

Diz a nossa Constituição que «(…) é proibida a existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes» (art.º 209, n.º 4).

Não devemos esquecer a razão principal pela qual os deputados constituintes quiseram aprovar essa norma. A razão para a sua existência na nossa Constituição baseia-se na experiência dos tribunais plenários do tempo do fascismo, criados para julgamento dos crimes políticos, em que as penas estavam previamente decididas pela polícia política – a PIDE.

Não pode ser este o caminho.

Defender a autonomia do Ministério Público e a independência do Poder Judicial

As tentativas de controlo do Ministério Público vêm de há muito, sempre ligadas aos problemas da corrupção. Os partidos da política de direita, PS, PSD e CDS-PP, nunca esconderam a intenção de «pôr na ordem» o Ministério Público e de impor por via legal o controle político desta magistratura, pondo em causa a sua autonomia constitucional.

«Combater a corrupção passa também por uma mudança das políticas que criam o caldo de cultura favorável a essa criminalidade. Ela é indissociável da promiscuidade existente entre a política e os grandes interesses económicos e da subordinação do poder político ao poder económico»

E essa sanha contra o Ministério Público acentuou-se no debate político, no final da última sessão legislativa, num momento decisivo do processo de discussão do Estatuto dos Magistrados do MP.

PS e PSD apresentaram na legislatura passada propostas, que não foram aprovadas, visando a alteração da composição do Conselho Superior do Ministério Público, órgão de gestão do MP que designa os magistrados para funções de direcção nos altos cargos da estrutura. Em ambos os casos, PS e PSD estiveram apostados em diminuir a representatividade dos magistrados com assento naquele órgão, dando prevalência aos elementos designados pelo poder político.

No dia em que o Ministério Público dependesse do Poder Executivo, não poderiam os cidadãos ficar descansados. A partir daí, passaria o Governo a mandar nas investigações, escolhendo os processos que iriam ou não a julgamento. Com a corrupção que grassa no País e estando ela normalmente associada ao poder, o resultado seria previsível.

O respeito absoluto pela autonomia do MP e pela independência do Poder Judicial, que a Constituição consagra, é condição indispensável para travar com êxito o combate à alta criminalidade e à corrupção, que põem em causa a credibilidade da justiça e degradam o regime democrático.

As políticas e as medidas necessárias

Sabemos que a corrupção não se combate apenas na frente judiciária. Combater a corrupção passa também por uma mudança das políticas que criam o caldo de cultura favorável a essa criminalidade. Ela é indissociável da promiscuidade existente entre a política e os grandes interesses económicos e da subordinação do poder político ao poder económico, que criam as condições para o florescimento das práticas da corrupção e dos crimes económicos. Sabemos também que alguns falam muito de transparência, inventam mais organismos, mais burocracia, mas fogem a dotar quem tem a competência para travar esse combate dos meios para o poder fazer.

«No dia em que o Ministério Público dependesse do Poder Executivo, não poderiam os cidadãos ficar descansados. A partir daí, passaria o Governo a mandar nas investigações, escolhendo os processos que iriam ou não a julgamento. Com a corrupção que grassa no País e estando ela normalmente associada ao poder, o resultado seria previsível»

Interessa também, por outro lado, e porque a experiência processual aconselha, proceder à avaliação de algumas matérias, sobre eventuais alterações e melhorias a introduzir no processo penal. Matérias importantes, e que estão longe de ser consensuais, como sejam, entre outras, a questão controversa dos chamados megaprocessos, suas vantagens e desvantagens; medidas que, sem prejuízo de garantias, procurem diminuir a muito longa duração dos processos nas suas diversas fases; o papel e a situação do Tribunal Central de Investigação Criminal; a manutenção ou não da fase da instrução; as cartas rogatórias enviadas ao estrangeiro e os injustificáveis tempos de resposta; a discrepância entre os meios da defesa e da acusação na fase do julgamento.

Importante, igualmente, o aperfeiçoamento do quadro legal existente no sentido de uma real criminalização do enriquecimento injustificado e do combate sem equívocos aos offshore.

Mas, no plano do judiciário, não podemos deixar de insistir no «discurso dos meios». Com efeito, é público e notório que no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, só para referir o departamento donde partem e onde decorrem as investigações do grande crime económico, não existem as condições mínimas para uma resposta mais pronta e eficaz na luta anti-corrupção.

A exigência, justa, de maior celeridade das investigações criminais, mesmo quando depende apenas das diligências feitas no nosso país, tem de ser acompanhada da emergência do reforço do quadro de procuradores, da disponibilidade permanente de peritos e de apoio técnico especializado e outro. Sem esquecer a Polícia Judiciária, os homens e mulheres que nela trabalham, cuja importante contribuição e papel de polícia da justiça têm vindo a ser continuadamente desvalorizados (com que objectivo?), a ver pela gritante exiguidade do seu quadro de inspectores.

O combate firme e eficaz à corrupção tem de ser um combate de sempre do regime democrático.

Não ignorando avanços positivos, é condição necessária para uma viragem consistente neste combate, uma política de efectiva dotação dos meios humanos e materiais afectos à investigação criminal, para além do respeito absoluto pela autonomia do Ministério Público nas investigações.

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Entre as conclusões do documento, pode ler-se, entre outras coisas, que apenas 1,3% das queixas resultam em condenações, que são as autarquias que estão no topo das denúncias (mais de 50%), e que, neste momento, estão apenas dez processos abertos em tribunal.

Das 763 comunicações que recebeu dos tribunais, o CPC revela que a esmagadora maioria dos casos, 738, são relativas a processos crime. Destes, mais de metade (427) dizem respeito a corrupção, mas também há casos de peculato, abuso de poder e participação económica em negócio.

Segundo o balanço do CPC, quase 54% das denúncias culminaram em despachos de arquivamento, que o conselho entende que se deve «à ausência de indícios ou elementos probatórios» e a dificuldades na realização da investigação criminal para a recolha de indícios e provas.

Um combate que exige políticas e meios efectivos, não demagogia

Esta é uma matéria que não tem sido prioridade de sucessivos governos, o que se comprova pelo incumprimento das repetidas promessas de reforço das condições e meios que esse combate exige. E é a democracia que paga a factura destas opções políticas.

Desde logo, no âmbito da investigação criminal é estrutural a carência de meios materiais e humanos, o que se traduz num dos principais entraves ao trabalho do Ministério Público (MP) e da Polícia Judiciária (PJ), nomeadamente nos processos mais complexos.

Mesmo os poucos avanços que se registaram nos últimos anos no combate a estes crimes, em particular ao crime económico, devem-se ao trabalho e dedicação de procuradores, investigadores e juízes, que desempenham as suas funções com meios aquém do necessário.

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«Combate à corrupção faz-se com investimento», alerta António Ventinhas

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público denuncia a falta de meios da Polícia Judiciária e a tentativa de controlo político em resposta a um relatório divulgado esta terça-feira. 

CréditosAndré Pereira / Agência Lusa

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) concorda com um relatório divulgado hoje, que indica que o combate à corrupção em Portugal estagnou, e aponta a diferença entre o discurso oficial e a prática.

O documento refere que o combate à corrupção em Portugal estagnou e justifica com a manutenção de escândalos públicos de falta de ética e com alegadas tentativas de controlo político dos conselhos superiores da Magistratura e Ministério Público (MP).

Sobre estas tentativas de controlo político, António Ventinhas recorda que o sindicato a que preside já o reconheceu no Parlamento e diz que, com a revisão do estatuto dos magistrados, isso volta a estar em causa. «Há uma tentativa de controlo político e já o manifestámos na Assembleia da República. Quer o PS quer o PSD têm essa intenção», denuncia.

Em Dezembro, discordando das alterações ao Estatuto do MP propostas por PS e PSD, relativas à composição do Conselho Superior do Ministério Público, o SMMP acusou «os representantes dos grupos parlamentares do PS e do PSD» de pretenderem o controlo político do MP, podendo «escolher todos os procuradores que integram as estruturas de investigação criminal mais relevantes como o DCIAP e os DIAP distritais, departamentos onde se efectua a investigação da criminalidade económico-financeira».

Discurso oficial desfasado da realidade

O presidente do SMMP aponta ainda a falta de meios, por exemplo, da Polícia Judiciária (PJ), salientando que «está completamente depauperada de inspectores e já há processos de combate à corrupção, muitos deles muito relevantes, que estão parados na PJ por falta de inspectores suficientes para realizar o combate à corrupção».

A situação, admite António Ventinhas, «também tem uma leitura política». «Se durante vários anos a PJ não admitiu inspectores e, sucessivamente, se foram reformando outros, isso mostra que não houve uma aposta» a este nível, afirmou o responsável, sublinhando que também os magistrados do Ministério Público [MP] são em número insuficiente.

Para o presidente do sindicato «seria necessário maior investimento e maior aposta no combate à corrupção», salientando que, «apesar do discurso oficial, não existe uma verdadeira aposta, pois continua a fazer-se o trabalho pelos mínimos em termos de investimento».


Com Agência Lusa

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Só pode haver a tão desejada celeridade nas investigações criminais, com um urgente reforço do quadro de procuradores, da disponibilidade permanente de peritos e de apoio técnico especializado, com mais, e mais valorizados, inspectores da PJ. É este o ponto chave para que ocorra uma viragem consistente na luta contra contra a corrupção: a implementação de uma política de efectiva dotação dos meios humanos e materiais afectos à investigação criminal, associada ao respeito absoluto pela autonomia do Ministério Público nas suas investigações.

Não será com demagogia relacionada a falsos expedientes, fora do quadro constitucional e legal, que estes problemas se resolvem. Aliás, alguns partidos e personalidades vão embandeirando, nos últimos anos, ideias como a delação premiada, a criminalização dos jornalistas, os metadados, os tribunais especiais, o controlo do Ministério Público, e até alterações à Constituição da República Portuguesa, mas, na realidade, qualquer uma destas questões não toca nas causas subjacentes, nem dá ferramentas adequadas à luta contra este fenómeno, apenas o promovem, assim como dão força a ideias populistas e reaccionárias.

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Carlos Peixoto, do PSD, foi a um dos pontos centrais da problemática, referindo que «não há boas leis se não houver meios e recursos para a investigação criminal», todavia sem fazer mea culpa sobre as pesadas responsabilidades que o seu partido tem no que toca à falta de investimento necessário, enquanto foi governo. Por outro lado, o social-democrata deu ainda palco a laivos de populismo enunciando diversos «casos», e misturando a temática da corrupção com a existência de órgãos de informação públicos e até com as despesas previstas em torno das comemorações dos 50.º aniversário do 25 de Abril.

Da parte do PEV, José Luís Ferreira, destacou os seus projectos que defendem o fim dos vistos gold e um combate sério aos offshores, que afirma estarem profundamente ligados à grande criminalidade financeira. Da parte do PAN, Nelson Silva deu particular ênfase à protecção dos denunciantes.

António Filipe, do PCP, frisou a intervenção sistemática do seu partido para resolver os problemas legislativos, mas sobretudo no que respeita aos meios disponíveis na investigação. Para ilustrar isto, fez uma citação de um projecto do partido de 1994, que acusava o governo de então (PSD/Cavaco Silva) de não atribuir à investigação os meios necessários, nomeadamente ao Ministério Público (MP) e à Polícia Judiciária (PJ). E fez um histórico de propostas apresentadas ao longo dos últimos anos para reforçar este combate à corrupção, e que foram sendo sucessivamente chumbadas por PS, CDS-PP ou PSD.

Como maior novidade, o comunista relembrou o projecto recentemente aprovado que visa a proibição do recurso do Estado à arbitragem. Os comunistas criticam estes litígios que envolvem processos de avultadas quantias de dinheiro e grandes grupos económicos, e cujos árbitros e decisões não se conhecem e nem sequer são passíveis de recurso.

António Filipe criticou ainda aqueles que procuram envolver esta discussão em «gritaria», na percepção das redes sociais ou em casos mediatizados.

Outra das questões discutidas, que surgiu quer em propostas do Governo, quer em iniciativas de PSD, CDS-PP e Ch, é a abordagem a mecanismos que vão no sentido da delação premiada, nomeadamente através da negociação de penas com os arguidos. Ora, este é um rumo que contraria o princípio da legalidade, porque abre a porta a possíveis colaborações de arguidos através de contrapartidas, e que não se traduz, por si, em menos corrupção.

A premência do combate à corrupção

Pese embora seja uma temática que é discutida no espaço público há várias décadas, este debate ocorre num tempo em que já existe legislação penal com aspectos positivos que permitem punir quem comete delitos como a corrupção e outros.

Não obstante, são várias as vozes que procuram ecoar visões populistas de que Portugal é «um país de corruptos». Ora, mesmo com as grandes dificuldades em termos de meios técnicos e humanos com que, nomeadamente a PJ e o MP, se confrontam, têm sido «levados à barra» responsáveis políticos e altos quadros do sector económico e financeiro.

Trata-se sim de um problema que existe e para o qual é necessário encontrar soluções, nomeamente no que respeita aos recursos investigativos.

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Juiz de instrução arrasa acusação da «Operação Marquês»

Mais de seis anos depois, José Sócrates e outros arguidos não serão julgados pelos maiores crimes. O Ministério Público ainda pode recorrer, mas a Justiça e a morosidade processual voltam à ordem do dia.

CréditosMário Cruz / Pool / Agência Lusa

O juiz de instrução, Ivo Rosa, decidiu esta sexta-feira que não serão julgados os principais crimes que levaram o Ministério Público a acusar diversos políticos, gestores e outros envolvidos em grandes negócios. Para fundamentar a sua decisão quanto a José Sócrates, o juiz invocou a prescrição de crimes de corrupção passiva de titular de cargo político e a falta de elementos probatórios quanto a outros.

Ivo Rosa resumiu a decisão no final da sessão, após uma intervenção de quase três horas: José Sócrates e Carlos Santos Silva irão a julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos, Ricardo Salgado será julgado por três crimes de abuso de confiança e Armando Vara por um crime de branqueamento de capitais. Diversos arguidos, entre os quais Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, José Paulo de Sousa e Sofia Fava, não irão a julgamento.

Na sua declaração, o juiz foi especialmente duro quanto aos elementos que sustentaram a acusação. O procurador Rosário Teixeira anunciou que o Ministério Público vai recorrer da decisão instrutória.

A Justiça para o ser tem de ser célere

Os contornos deste caso revelam, por um lado, que é necessário um diagnóstico sobre quais os factores que justificam a morosidade em processos desta natureza. Por outro, ficam expostas debilidades do sistema penal português, que também ferem a democracia.

Recorde-se que António Piçarra, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, 48 horas antes de ser conhecida esta decisão, dizia que é «insustentável» que a fase de instrução criminal dure «dois ou três anos» e que a mesma se traduza num «pré-julgamento», quando não é essa a sua função.

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O combate à corrupção exige reforço de meios

A aprovação de um estatuto do denunciante não pode ser porta aberta para a violação de direitos fundamentais, nem pode ser confundida com mecanismos inconstitucionais semelhantes à delação premiada.

Créditos / A Comarca de Arganil

Diversos casos mediáticos têm trazido à discussão pública quer a premência do combate à corrupção, quer os mecanismos que devem ser adoptados para tornar esse combate eficaz.

A esse propósito, a ministra da Justiça avançou esta quarta-feira a intenção de vir transpor a directiva da União Europeia (UE) para a lei nacional sobre o estatuto do denunciante, medida que está integrada num «pacote anti-corrupção».

Também o PAN anunciou que irá apresentar um projecto de lei com vista à protecção de denunciantes que exponham crimes de corrupção, branqueamento de capitais ou abuso de poder.

Sobre esta matéria, em declarações à TSF, José Manuel Pureza, do BE, referiu que «é urgente» tratar esta matéria, mas sem permitir que se venha a premiar a «prática de crimes para trazer à superfície o que quer que seja». O bloquista sinalizou a complexidade da matéria, que «joga com direitos fundamentais das pessoas».

António Filipe, deputado do PCP, clarificou ao mesmo órgão que «não pode haver uma solução abstracta para todos os casos» e que, em matéria de direitos e liberdades, tem de ser salvaguardada a «privacidade das comunicações». Deste modo, os comunistas entendem que não se pode abrir completamente a porta a uma «total devassa da vida privada», mas sim criar critérios legais para definir que só serão «tornados públicos factos em que seja notório um interesse público prevalecente».

A corrupção tem estado na ordem do dia, com inúmeros exemplos de criminalidade económica e financeira, decorrentes da promiscuidade e subordinação do poder político ao poder económico, traduzida em escândalos de dimensão gigantesca. Ao mesmo tempo, ficam expostos os efeitos nefastos para a economia e o País deste tipo de situações.

Não obstante, o combate à corrupção tem estado ausente das prioridades dos sucessivos governos, como se comprova pelo incumprimento das repetidas promessas de reforço das condições e meios necessários para o fazer.


O combate à corrupção exige assim um efectivo reforço dos meios humanos e materiais desde logo na investigação criminal, para que o Ministério Público (MP) e a Polícia Judiciária consigam ter capacidade operacional para todo o tipo de casos, incluindo os processos de maior complexidade.

Ao mesmo tempo, muitas têm sido as propostas apresentadas que, sob a pretensa intenção de combater a corrupção, abrem a porta à violação de direitos fundamentais ou visam, na prática, promover alterações à Constituição da República.

É o caso da chamada delação premiada, que se traduz num verdadeiro negócio entre o MP e o arguido, para incriminar outro ou outros, ficando este com uma pena atenuada. Estas propostas implicam a subversão de princípios como a busca da verdade material e a imparcialidade do nosso direito penal.

Recorde-se ainda a recente proposta de lei de acesso a metadados que o Tribunal Constitucional veio declarar inconstitucional por considerar que o acesso a informações – como dados de tráfego, horas, duração e números dos telefonemas – fora do âmbito do processo criminal teria «efeitos de prevenção» e não de «investigação».

Outra ideia que visa exclusivamente abrir a porta à subversão da Constituição da República é a proposta da criação de tribunais especiais.

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Só seis anos e quase cinco meses depois da detenção de José Sócrates se verificou uma decisão, ainda da fase instrutória. A fase de julgamento que se segue poderá durar mais um par de anos até ser conhecida uma decisão final.

Deste modo, para além de todas as questões associadas à dificuldade de prova de crimes económicos, de corrupção e outros, que exigem mais meios e se revestem de grande complexidade, fica clara que uma demora de vários anos só para se chegar à decisão instrutória, só lesa a Justiça.

Na realidade, a morosidade processual para além de pôr em causa a própria prática da Justiça, mina a confiança dos cidadãos e dá azo à solidificação de projectos populistas e anti-democráticos.

Processo moroso e complexo abre debate sobre a situação da Justiça

Recorde-se que teve início em 2011 a investigação da qual veio a resultar a constituição como arguidos de José Sócrates, antigo primeiro-ministro, e mais 27 pessoas, por diversos crimes de corrupção, branqueamento de capitais, peculato, entre outros.

O inquérito, que passou a visar Sócrates, começou em Julho de 2013, mas só a 20 de Novembro de 2014 ocorreram as primeiras detenções, nomeadamente de Carlos Santos Silva.

No dia seguinte, José Sócrates foi detido no aeroporto de Lisboa, depois de ter chegado de Paris, naquela que constituiu uma página a história do País, tendo um ex-chefe de governo sido detido para interrogatório judicial.

Três dias depois era decretada a sua prisão preventiva pelo Tribunal Central de Instrução, a qual foi cumprida na cadeia de Évora, tendo Sócrates o número de recluso 44. Desde logo, o arguido classificou de «absurdas, injustas e infundadas» todas as suspeitas, que considera terem motivações puramente políticas.

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O Polvo – algumas considerações sobre casos de corrupção em Portugal

Casos que têm origem nas privatizações, na submissão a imposições externas e na crescente subordinação do poder político ao poder económico, de que o «bloco central de interesses» foi motor.

Ricardo Salgado ficou conhecido como «dono disto tudo»
CréditosJosé Sena Goulão / Agência Lusa

1.Mais uma acha para a fogueira da corrupção

O mais recente caso envolvendo o ex-ministro Manuel Pinho, o BES, a EDP e também o ex-ministro António Mexia, terá desejavelmente um curso de investigação e processos judiciais dela decorrentes, mas não podem deixar de ser apreciadas no plano político. As rendas, que foram sendo permitidas à EDP por aquele ex-governante, poderão ser mais um caso da corrupção de membros de governos pelo poder económico1.

Como noutros casos, os comunistas referem que é indissociável do processo de privatizações, da submissão às imposições externas, da recuperação do poder monopolista e da sua relação com a crescente subordinação do poder político ao poder económico.

O escândalo BES/GES foi de resto exemplo flagrante dessa circunstância, tendo então o PCP denunciado que ex-responsáveis políticos e governativos como Manuel Pinho ou Miguel Frasquilho foram, sob diferentes formas, financiados pelo Grupo Espírito Santo. Manuel Pinho será ouvido na Assembleia da República. Mas desejável seria que estaavaliasse de forma mais abrangente o conjunto de ligações entre sucessivos governos e as principais empresas e grupos económicos, em diferentes sectores, desde logo o da energia mas também banca, correios, telecomunicações, saúde ou transportes.

2. A corrupção e outros comportamentos associados são fenómenos universais, com milénios de história mas desenvolvendo-se particularmente com o capitalismo e nas suas fases mais recentes. 
Atinge em primeiro lugar, dirigentes da administração pública, diplomatas, políticos nacionais e locais, ministros, primeiros-ministros e até chefes de Estado. Mas a grande maioria do dinheiro vai parar aos bolsos de dirigentes de empresas públicas, entre os quais se contam também os gestores.

3. A corrupção atinge também o sector privado, sendo aí menor a transparência e a capacidade de escrutínio. Mas continuando a ter, como o caso GES/BES, do BPN, do BCP revelam, o desprezo pelos interesses muitos clientes que veem perdidas volumosas quantias que, entretanto, têm sido permitidas sacar a grandes accionistas.

4. O jornal Público, em 2014, a partir de 427 casos analisados, em que dirigentes e gestores públicos eram 80% dos casos, o objectivo mais frequente era a concessão de contratos por parte de entidades estatais e em mais de metade dos casos o suborno partiu de executivos de topo, embora frequentemente através de intermediários. Em segundo lugar na lista dos mais subornados, totalizando 11% dos casos, mas apenas 1% dos montantes, surgiam funcionários alfandegários.

A OCDE, de que Portugal faz parte, debruçou-se sobre casos de subornos que foram feitos, ou tentados, com o objectivo de obter facilidades de negócio junto do sector público de cada país.

Uma vez que a análise tem como base investigações judiciais concluídas, muitos subornos, nomeadamente os de pequena dimensão, não estão incluídos nas estatísticas.

Segundo a PGR, verificou-se que o número de inquéritos registados por crime de corrupção aumentou 37,7% e de abuso de poder 33%.
Privatizações, concessões, contratos, parcerias público-privadas são as situações contratuais em que mais se registam as irregularidades.

5. As situações de corrupção em alguns dirigentes de organismos do Estado, gestores de empresas públicas e membros de governos, ou pessoas ou gabinetes contratados para assessorarem esses «negócios», podem surgir na identificação das «necessidades» em estudos prévios, estudos prévios à elaboração de cadernos de encargos e mesmo na sua redacção, fornecimento de informação privilegiada a potenciais concorrentes no início do processo contratual de empreitadas de obras públicas e de aquisição de bens e serviços.

Mas também junto de membros de comissões de análise de propostas. E posteriormente na Fiscalização ou Acompanhamento do cumprimento de cláusulas dos contratos (manutenção de equipamentos, verificação dos parâmetros definidos para certos índices de desempenho,etc.).

6. Acontecendo ainda que o aparelho do Estado está despojado de técnicos e serviços jurídicos próprios para poderem acompanhar todos os procedimentos referidos, enquanto os contratados dispõem de escritórios de advogados bem remunerados (que se fazem cobrar bem de pareceres e ainda são analistas políticos nos media). E que o sistema judicial, em particular, carece de mais técnicos e formação específica ao nível de agentes policiais, procuradores e juízes. 

«Menos Estado, melhor Estado» é uma consigna dos mais poderosos que querem o Estado para os servir mas sem capacidade para corrigir os seus comportamentos criminosos. Desta forma o Estado «vê-se obrigado» a contratar escritórios de advogados, consultores diversos, incluindo do sistema financeiro, alguns dos quais trabalham para seu próprio interesse e recorrendo a meios das instituições a que pertencem.

Escritórios e consultores que ao longo dos anos vão acumulando know-how obtido de organismos oficiais, acabando por nessas contratações pelo Estado, emitirem estudos e pareceres que vão beneficiar outros interessados aquando da realização dos concursos.

Alguns dos casos de corrupção mais conhecidos

Como não integro nenhum sistema de informações do Estado nem integro nenhuma comissão parlamentar de inquérito, as notas que se seguem são retiradas da abordagem na Assembleia da República e na imprensa dos casos citados. Algumas das considerações pessoais são também fruto de experiência de contacto com algumas destas realidades há alguns anos atrás.

7. Caso BPN 

O banco, fundado e levado à ruína por ex-governantes do PSD, que o dirigiram com irregularidades diversas que incluíram distribuir favores financeiros a destacados militantes do partido, traduziu-se numa burla ao erário público de 7 mil milhões de euros. Este processo autonomizou-se doutro em que nascera – a Operação Furação (ver adiante). O seu presidente, Oliveira Costa, em Maio de 2017 foi condenado a 14 anos de prisão efectiva por abuso de confiança, burla qualificada, falsificação de documentos, infidelidade, aquisição ilícita de ações e de fraude fiscal. Foram condenados a penas não tão pesadas mais 11 réus.

8.Caso BCP

Entre 1999 e 2007, o banco falseou as contas e escondeu a actividade de dezenas de off-shores controladas por testas-de-ferro e usadas para comprar acções próprias. O buraco rondou os 600 milhões de euros e o banco foi um dos maiores destinatários do empréstimo da troika a Portugal, ao ficar com 3 mil milhões da linha de apoio à banca.

Em Maio de 2007 realizou-se a assembleia geral do BCP que levaria ao afastamento de Jardim Gonçalves da liderança do grupo. Esse afastamento tinha o patrocínio do investidor Joe Berardo; de João Rendeiro, fundador do Banco Privado Português; de Nuno Vasconcelos e Rafael Mora, da Ongoing; de António Mexia, líder da EDP; de Carlos Santos Ferreira, líder da Caixa Geral de Depósitos, e ainda de outros empresários que estavam contra o modelo de negociação do presidente do conselho superior do banco. A maioria destes esteve envolvida em outros casos de corrupção.

Os banqueiros foram multados por manipulação de mercado. Em 2013, um tribunal condenou nove ex-administradores do BCP a multas num total de mais de quatro milhões de euros, confirmando a condenação prévia do regulador da bolsa.

O tribunal não conseguiu que a multa a Jardim Gonçalves fosse retirada da pensão milionária que passou auferir quando saiu do banco. E acresce que o ex-banqueiro só paga contribuição extraordinária de solidariedade (CES) sobre um terço de cerca de 170 mil euros de reforma mensal…

A prescrição em Março de 2014 das penalizações aplicadas a Jardim Gonçalves e a outros banqueiros do BCP pelo Banco de Portugal tornou-se num escândalo de grande envergadura, atendendo a que as responsabilidades acabaram por cair sobre os contribuintes.

9. O processo Monte Branco

Na imprensa do mês passado era dado como certo que o Ministério Público (MP) iria concluir a acusação do processo Monte Branco até às férias judiciais de 2018, sendo que muitos dos mais de 40 visados iriam pagar ao Estado os impostos que lhe tinham subtraído, tendo, por isso, sido suspensos provisoriamente os respectivos processos.

O principal arguido, Francisco Canas, que chegou a estar detido, faleceu há mais de um ano. O prazo para a produção do despacho de acusação teve que ser acelerado para que não prescrevessem os crimes.

Este processo, decorrente de uma investigação iniciada em 2011, conduziu a uma das maiores redes de branqueamento de capitais e fraude fiscal até então detectadas em Portugal, que tinha como base a loja de câmbios Montenegro Chaves, de Francisco Canas, na Baixa de Lisboa, e antigos gestores da UBS, que constituíram a sociedade Akoya.

Francisco Canas usaria as suas contas no BPN e no BCP para, através de um sistema de compensação de verbas, fazer chegar o dinheiro dos clientes à Suíça e vice-versa. Na loja de câmbios havia inclusivamente uma lista cifrada dos clientes.

Entre os clientes da loja de Canas estavam o antigo líder parlamentar do PSD Duarte Lima, o ex-presidente do Benfica Manuel Vilarinho e José Carlos Gonçalves, um construtor civil. A investigação esteve paralisada a partir do momento em que o procurador Rosário Teixeira e a restante equipa de investigação passaram a estar concentrados na Operação Marquês, que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates. 

Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia eram os principais sócios da Akoya. O ex-presidente do BES/Angola, Álvaro Sobrinho, e o antigo homem-forte da ESCOM, Hélder Bataglia, eram os principais accionistas da Akoya: cada um detinha 22,5% do capital. Michel Canals tinha 20%, José Pinto, considerado recente braço-direito de Sobrinho, tinha 15%, tal como Nicolas Figueiredo. À advogada Ana Bruno cabiam os restantes 5%. A sociedade gestora de fortunas terá entretanto sido dissolvida no seguimento do processo judicial em Portugal.

Ricardo Salgado era outro dos clientes da Akoya e o seu gestor de conta era Nicolas Figueiredo, mas deve, para já, ficar de fora da acusação do Monte Branco, já que parte dos crimes estão em investigação no caso do Universo GES.

Em 2012, os ex-gestores da UBS, Michel Canals, José Pinto e Nicolas Figueiredo foram detidos numa operação conduzida pelo DCIAP, no Porto, quando iam participar num torneio de golfe. 

Quatro primos direitos de José Sócrates estiveram sob escuta e foram alvo de buscas domiciliárias no caso Monte Branco em Outubro de 2015 — dias depois de o ex-primeiro-ministro ter sido libertado da prisão domiciliária a que tinha sido sujeito no âmbito da Operação Marquês. Estavam em causa suspeitas da alegada prática dos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais por parte da família Pinto de Sousa. Mais tarde, toda esta prova foi transmitida à Operação Marquês devido às suspeitas do MP de que Santos Silva seria um testa-de-ferro de José Sócrates.

10.Operação Furacão

A investigação detectou um esquema de colocação de verbas fora do país, em off-shores, por intermédio de bancos e outras instituições financeiras, através de facturação falsa relativa a prestação de serviços inexistentes. Com esta actuação, seriam aumentados de forma artificiosa os custos das sociedades nacionais, com a consequente diminuição dos proveitos a incluir nas declarações de imposto, em sede de IRC.

Em Março de 2016, dez anos depois do início da investigação, já tinham sido recuperados dos 43 iniciais acusados pelo MP (indivíduos e empresas), 146 milhões de euros, com suspensão provisórias dos processos.

O grupo Mota-Engil beneficiou da suspensão provisória de processo depois de ter pago cerca de 6 milhões de euros em impostos em falta. Aos primeiros promotores da fraude não foi oferecida a possibilidade de, através da regularização fiscal, poder ser conferida a suspensão provisória do processo. Deste processo nasceu um outro, o caso BPN.

11.Parcerias Público Privadas (PPP)

As PPP constituíram uma operação de transferência de capitais, de grande envergadura, para os maiores grupos privados da finança e construção. Foram realizadas a pretexto do Estado não ter dinheiro e não poder recorrer à banca, enquanto os privados o podiam fazer. As PPP eram, assim, estabelecidas com consórcios que em geral integravam, pelo menos, um operador financeiro e uma empresa de construção. O objecto do contrato podia ser a construção e manutenção de uma infra-estrutura,  mas podia incluir a sua exploração e a de serviços complementares necessários a essas infra-estruturas. Não geraram, até agora, a criminalização de envolvidos.

As PPP existem para auto-estradas, hospitais, prisões e segurança, transportes ferroviários e pesam muito nos encargos para o Estado, que em 2016 foram 1703 milhões de euros. Aguarda-se que o Ministério Público venha a incriminar três membros do governo José Sócrates envolvidos em alegadas irregularidades nas PPP para 11 auto-estradas.

12.O processo Face Oculta

Quando, em Junho de 2009, a Polícia Judiciária (PJ) de Aveiro estava a investigar uma rede alargada de corrupção e tráfico de influências, tendo como protagonista um industrial de sucata, Manuel Godinho, chegou a indícios de subornos do empresário a políticos e gestores para ser favorecido em concursos públicos.

Um ano depois da Relação do Porto ter mantido as condenações, e três anos e sete meses após decisão de 1.ª instância, a decisão final não tem fim à vista. Há recursos de Armando Vara e do pai e filho Penedos ainda pendentes.

A sentença de primeira instância do Processo Face Oculta foi inédita por condenar um ex-vice-presidente do BCP (Armando Vara), um ex-presidente da empresa Rede Eléctrica Nacional (José Penedos) e o seu filho (Paulo Penedos), além de um ex-administrador do Grupo EDP (Paiva Nunes) e um conjunto alargado de funcionários da Refer a pesadas penas de prisão efectivas. Mas esse acontecimento verificou-se a 5 de Setembro de 2014. Desde então os autos do Face Oculta continuam longe de transitar em julgado.

O Tribunal da Relação do Porto confirmou, a 5 de Abril de 2017, uma boa parte das condenações dos arguidos condenados pelo Tribunal da Comarca do Baixo Vouga, nomeadamente de Manuel Godinho, o famoso sucateiro que geria o Grupo O2, de Armando Vara e de Paulo Penedos.

José Penedos e Paiva Nunes viram as suas penas reduzidas para três anos e três meses para o primeiro e quatro anos de prisão efectiva para o segundo. Mas só um ano depois é que os últimos recursos dos principais arguidos vão subir para as instâncias superiores. Para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no caso de Godinho, e para o Tribunal Constitucional, no caso dos restantes.

13.A privatização da água e saneamento ao nível de autarquias

Realizada por algumas dezenas de câmaras municipais, esta privatização tornou-se um sorvedouro de recursos municipais e aumentou a factura do que os consumidores consumiam, mesmo quando a água não pingava, deixando na mão de privados a capacidade de lucrar com o que é um bem público por excelência.

14.O BPP-Banco Privado Português

Este banco foi arruinado pela má gestão dos administradores, que transferiam as perdas dos seus investimentos para as carteiras dos clientes. Um ano antes de falir, o banco pagou milhões em dividendos a accionistas como Balsemão, Saviotti e o próprio João Rendeiro.

No Tribunal da Concorrência o Ministério Público pediu pena de prisão efectiva entre sete e nove anos para João Rendeiro, e uma pena de prisão efectiva entre seis e oito anos para os ex-administradores Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital.

João Rendeiro foi condenado a pagar uma multa de 1,5 milhões de euros e Salvador Fezas Vital, antigo administrador do BPP, uma coima de 700 mil euros. Tanto Rendeiro como Fezas Vital alegaram não terem os necessários recursos financeiros para o efeito. Paul Guichard multado em 1 milhão de euros fugiu para o Brasil e não terá bens penhoráveis em Portugal.

15.Como o Santander comeu o Totta

A privatização do banco Totta & Açores em 1989 deu origem a uma grande polémica sobre a passagem da banca nacional para mãos espanholas. Champalimaud, pouco antes indemnizado pelo Estado pela anterior nacionalização, ficou com o banco apelando à protecção dos empresários nacionais… antes de o vender ao Santander! E quem mexeu os cordelinhos deste negócio do lado do Estado acabou por aparecer depois do lado do banqueiro.

16.O caso Portucale
Este caso esteve relacionado com a autorização do abate de 2600 sobreiros para urbanização em Reserva Ecológica Nacional, A construção seria feita na Herdade da Vargem Fresca, zona de Benavente, numa antiga propriedade da Companhia das Lezírias que aquela empresa adquiriu em 1993.

Este caso prende-se com um despacho assinado, no governo de Santana Lopes, por Luís Nobre Guedes (ministro CDS), Carlos Costa Neves (ministro  PSD) e Telmo Correia (ministro do Turismo) dias antes da dissolução da Assembleia da República e da convocação das eleições legislativas de 2005, e que permitiu à Portucale arrancar com um projecto turístico-imobiliário no terreno. Foram a julgamento o dirigente do CDS Abel Pinheiro, três quadros superiores do BES, vários membros da Direcção-Geral das Florestas mais dez réus, que em Abril de 2012 acabariam por ser absolvidos.

17.A venda do prédio dos CTT em Coimbra

A história do prédio dos CTT de Coimbra, que em 2003 foi vendido duas vezes no mesmo dia, deu origem a uma investigação à gestão de Rui Horta e Costa (PSD), nomeada pelo Governo Durão/Portas. O inquérito ficou três anos na gaveta. Vários protagonistas foram acusados de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais, administração danosa, falsificação de documentos ou participação económica em negócio.

O rasto da corrupção nos CTT também passou pelo BPN e abriu um buraco de 13,5 milhões nas contas da empresa pública. Horta e Costa viria a sair dos CTT por ter sido constituído arguido da Operação Marquês (José Sócrates). Os investigadores do caso CTT suspeitaram ter sido entregue aos ex-administradores Rui Horta e Costa e Manuel Baptista um milhão de euros, que teria passado pelo BPN rumo a paraísos fiscais.

O prédio foi vendido em 20 de Março de 2003 à empresa Demagre por 14,8 milhões de euros e, no mesmo dia, foi revendido à ESAF – Espírito Santo Fundos de Investimento, por 20 milhões de euros. No julgamento em 2013 os acusados foram ilibados.

18.O caso da TDT

No caso da Televisão Digital Terrestre (TDT), a Portugal Telecom, através da PT Comunicações, foi a única candidata ao concurso para a licença da TDT. Criou-se assim uma curiosa situação de monopólio, já que a PT, que possuía a Meo, não tinha qualquer interesse no sucesso da Televisão Digital Terrestre. Milhares de pessoas perderam acesso à TV e muitos tiveram de pagar para ver os mesmos quatro canais que já viam.

O afastamento de alguns jornalistas indiciava ser um dos objectivos da operação. A Altice comprou a PT e o serviço público degradou-se. O grupo Altice, que comprou a PT Portugal há dois anos, anunciaria depois que tinha chegado a acordo com a espanhola Prisa para a compra da Media Capital, dona da TVI, numa operação que avaliava a empresa em 440 milhões de euros.

A Comissão de Trabalhadores da televisão e rádio públicas defendeu então que, a concretizar-se a compra da TVI pela Altice, teria de ser revisto o modelo de distribuição de TDT, cujo negócio teria significado uma transferência em massa de capital dos contribuintes portugueses para uma empresa que explorou um monopólio estatal, tornando o seu negócio mais lucrativo, que explicaria por que é que o sinal de televisão digital terrestre seria deficiente em zonas de fraca penetração de televisão por assinatura. Esta operação não foi, até ao momento, motivo de intervenção judicial.

19.O caso dos vistos Gold 

Irregularidades em torno do programa de vistos de residência, os chamados «Vistos Gold», destinados a investidores estrangeiros, estão na base das acusações. Em julgamento a decorrer, o ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, assim como o ex-responsável do Serviço de Estrangeiros de Fronteiras António Figueiredo enfrentam acusações de favorecimento e lavagem de capitais, tendo o MP pedido para o primeiro cinco anos de prisão e para o segundo até oito anos. 

20.O Caso Grupo Espírito Santo (GES/BES)

Ricardo Salgado pelas ramificações do seu grupo económico e a capacidade dele influenciar o poder político e actos de gestão criminosos de outras empresas, ficou conhecido como o «dono disto tudo».
Em Dezembro de 2012, Salgado testemunhou pelo facto de ser cliente da Akoya, a sociedade de gestão de fortunas que está no centro da investigação Monte Branco, a que nos referimos atrás.

Em Julho de 2014, Ricardo Salgado foi detido para prestar declarações perante o juiz Carlos Alexandre. A detenção realizou-se no âmbito do caso Monte Branco, por fuga ao fisco e branqueamento de capitais. Nesta data, Salgado foi constituído arguido devido, nomeadamente, aos 14 milhões de euros recebidos das mãos do construtor José Guilherme, para sociedades off-shore, que Salgado justificou como sendo um presente que respondia a um favor que lhe tinha feito… O pagamento de uma caução de 3 milhões de euros foi uma das medidas de coacção aplicadas a Ricardo Salgado, depois do ex-presidente do Banco Espírito Santo ter sido interrogado no Tribunal Central de Instrução Criminal.

Ricardo Salgado foi declarando aos jornalistas que não havia burlas, que não havia caso… Novas revelações, porém iriam continuar a surgir envolvendo empresas, algumas das quais estratégicas como a PT.

Em Julho de 2014, Salgado fez uso do Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT III, uma vez que já tinha havido antes outros dois, ainda que com características diferentes). E isto quando em 2012 a Compagnie Financiére Espírito Santo SA, empresa financeira do universo do grupo Espírito Santo Financial Group (ESFG), desaconselhou clientes milionários com contas na Suíça a aderirem à amnistia fiscal de 2012, ao mesmo tempo que Ricardo Salgado aderia à amnistia fiscal para legalizar o dinheiro que tinha lá fora…

Foram vários os casos relacionados com o BES, que se avolumaram em anos anteriores, que levaram à queda da gestão do banco e à crise posterior no Grupo Espírito Santo.

Os trabalhos da Comissão de Inquérito ao caso BES/GES, proposta pelo PCP, que terminaram em Junho de 2015, permitiram pôr em evidência a natureza predatória e os critérios de funcionamento da banca e dos grupos monopolistas, o carácter ficcional da «regulação», bem como a indispensabilidade do controlo público da banca, enquanto condição para uma política de desenvolvimento económico soberano do país.

No primeiro processo de contra-ordenação do Banco de Portugal contra os antigos presidente e administradores do Banco e Grupo Espírito Santo, 18 arguidos (15 singulares e três colectivos), as contra-ordenações aplicadas estão a ser objecto de recursos pelo ex-presidente do BES, Ricardo Salgado (quatro milhões de euros), e ao ex-administrador Amílcar Morais Pires (600 mil euros).

Há uma segunda acusação proferida contra 18 arguidos — relativa ao financiamento do BES ao BESA (Banco Espírito Santo Angola) — e espera-se que existam, pelo menos, mais três grandes processos de contra-ordenação relacionados com o colapso do BES, tantos quantas as auditorias forenses realizadas pela Deloitte para o Banco de Portugal.

A Espírito Santo Enterprise era a empresa mais secreta do Grupo Espírito Santo (GES), e pode ter sido usada nos últimos anos para movimentar cerca de 300 milhões de euros.

Referindo-se à ES Enterprise, os círculos próximos de Ricardo Salgado explicam que o veículo era um meio para pagar bónus a colaboradores do GES que trabalhavam em várias sociedades. A explicação tem suscitado sorrisos e muitas dúvidas da parte de dirigentes do GES e do BES. José Manuel Espírito Santo, um dos membros do Conselho Superior do GES e da comissão executiva do BES, que garantiu aos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito que nunca tinha ouvido falar na ES Enterprise até o Público divulgar a sua existência, como eventual «saco azul» do GES. O mesmo disse o presidente do BESI, José Maria Ricciardi: «Nunca tinha ouvido falar da empresa».  

É deste saco azul que terão saído milhões de euros para o ministro da Economia de José Sócrates, Manuel Pinho. Este caso vai ser motivo de averiguações do Ministério Público e de inquirição parlamentar.

21.O caso Manuel Pinho

Jean-Luc Schneider, um suíço, alto quadro do Grupo Espírito Santo (GES) que apenas respondia perante Ricardo Salgado, terá involuntariamente acabado por tramar Manuel Pinho com os registos metódicos sobre todas as transferências que a Espírito Santo (ES) Enterprises fazia para membros da família Espírito Santo, administradores do BES e do GES, e para titulares de cargos políticos e de órgãos sociais de empresas participadas pelo grupo informalmente liderado por Ricardo Salgado.

De acordo com os registos que foram juntos aos autos do caso EDP no dia 24 de Abril de 2018, e consultados há dias, Manuel Pinho terá recebido um total de 2.110.672, 80 euros entre Julho de 2002 e Abril de 2014. Este caso ainda não foi objecto de intervenção do Ministério Publico.

Outros contratos do Estado, de diversas concessões de prestação de serviços públicos, têm sido ruinosas para o Estado, isto é, para os contribuintes. É caso da Lusoponte, do contrato com a Ascendi (parceira da Mota-Engil na gestão de SCUT), a parceria público-privada da SCUT da Costa da Prata, o contrato do SIRESP, etc.

Elucidativo foi também o caso da Parque Escolar. Enquanto o programa de remodelação lançado em 2007, na altura pelo Governo de José Sócrates, da Parque Escolar gastou cerca de 2.300 milhões de euros para reabilitar cerca de 150 escolas. Em média cada intervenção da Parque Escolar fixou-se nos 15 milhões de euros, o que compara com um milhão previsto neste novo programa.

Assim, o Público faz as contas: os 200 milhões agora previstos para 200 escolas só dariam para pagar 14 escolas com o valor médio registado pela Parque Escolar.

Não era nossa intenção com esta referência a alguns casos sermos exaustivos nas referências a contratos do Estado, a bancos e a criminosos individuais, que prejudicaram significativamente o erário público. Para além destes casos, outros existem.

No seu conjunto podemos detectar o designado «bloco central de interesses», o «centrão» constituído por PS, PSD e CDS que, além dos envolvimentos pessoais e redes de beneficiários, frequentemente se protegem uns aos outros, partilham lugares e fazem circular cadeiras de acesso a situações de poder (empresas, órgãos de poder, partidos que a ele acedem), dispondo todos de «casos em carteira» de conhecimento de irregularidades de outros.

Quando cada um se sente «picado», liberta um ou outro caso contra outros para a comunicação social, que são por esta apreciados, mesmo quando são apenas suspeitas ou indícios, por isso garantir audiências e vendas, com as quais atrai publicidade, assumindo-se como essenciais de uma certa «transparência» que a ajude a ilibar-se das práticas reiteradas de manipulação da opinião pública.

Conclusão

Nestes e noutros casos devem ser apuradas as responsabilidades, sendo inaceitável que escapem a esse escrutínio, julgamento e condenação os mais poderosos.

Estes e outros casos têm as suas origens nas privatizações, na submissão a imposições externas, na recuperação e reconversão do poder económico monopolista e na crescente subordinação do poder político ao poder económico, de que o «bloco central de interesses» foi motor.

É, pois, necessária uma avaliação mais abrangente, no plano político e no plano jurídico, que aborde o conjunto de ligações entre sucessivos governos e as principais empresas e grupos económicos, não apenas num sector mas também em sectores como a banca, correios, telecomunicações, energia, transportes, saúde mas também no mundo do futebol.

O apuramento dos grandes devedores dos bancos que têm sido apoiados pelo Estado, desencadeado pela iniciativa do PCP e que mereceu apoio da Comissão Parlamentar da Economia e Finanças, pode ser também um importante contributo para esclarecer procedimentos ao nível dos bancos esclarecedores de situações que envolvem também corrupção.

  • 1. in Publico, 1 de Maio de 2018
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Entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não dar provimento a três pedidos de habeas corpus que pediam a sua libertação automática.

Esta medida de coacção durou até 9 de Abril de 2015, momento a partir do qual José Sócrates passa a ficar em prisão domiciliária, sem pulseira electrónica. Em Outubro desse ano, o ex-primeiro-ministro foi libertado, ficando proibido de sair do País e de contactar com os restantes arguidos.

No dia 10 de Novembro de 2017 Sócrates é formalmente acusado da prática de 31 crimes pelo Ministério Público: três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.

A instrução, que começou no final do mês de Janeiro de 2019, viu as suas diligências terminarem a 2 de Julho de 2020. No dia seguinte, o juiz Ivo Rosa sublinha que é «humanamente impossível» decidir em dez dias quem vai e quem e não vai a julgamento neste caso que é «complexo» e «moroso», não revelando uma data para a decisão.

Para justificar estas declarações, elencou que, neste processo, estão acusados 28 arguidos (19 individuais e nove pessoas colectivas), a acusação tem 11 volumes com 5036 folhas, 14084 segmentos de factos e 189 crimes imputados aos arguidos. Explicou ainda que «esta acusação foi deduzida por sete procuradores, o relatório final do órgão de polícia criminal é composto por 18 volumes com 5959 folhas, elaborado por 18 inspectores tributários» e lembrou que existiam 15 requerimentos de abertura de instrução, num total de 1322 folhas, e um CD com 597 ficheiros.

Um caso judicial que ainda não acabou

Em consequência, só hoje, mais de dois anos depois, ficou conhecida a decisão instrutória, a qual se encontra sujeita a recurso por parte do Ministério Público.

Este processo judicial pode, por isso, estar ainda longe do seu fim. A decisão instrutória hoje conhecida não é definitiva quanto ao caso judicial.

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Recorde-se que, com o objectivo de procurar contribuir para superar este problema, foi aprovada no Orçamento do Estado para 2021, por iniciativa do PCP, uma norma que determina um investimento plurianual na investigação criminal, que importa ser executado pelo Governo.

Esta é uma matéria que não será dirimida a cavalo de ideias perigosas ou fugas para a frente, que procuram contornar a falta de capacidade de resposta do sistema judicial, e que arriscam passar por cima dos princípios básicos das leis penais e da Constituição. Aliás, facilmente se cruzam estas ideias, que procuram apoio na opinião pública, com parangonas do populismo mediático e que servem objectivamente a ideologia e as políticas de direita e extrema-direita.

Por outro lado, não só no plano judicial se trava esta batalha, que é indissociável da promiscuidade existente entre a política e os grandes interesses económicos e da subordinação do poder político ao poder económico, que criam as condições para o florescimento das práticas da corrupção e dos crimes económicos.

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