|Manuel Gouveia

Concurso da assistência em escala: é até destruírem todo o sector aéreo nacional

A decisão é tão grave, e tão potenciadora de perturbar o normal funcionamento dos aeroportos afectados, que vem acompanhada de uma recomendação, aceite pelo governo, de só se efectivar daqui a um ano.

Soube-se anteontem que a SPDH/Menzies perdeu o concurso para as licenças da assistência em escala (também conhecida pelo anglicismo handling) para uma outra multinacional, esta espanhola e pertencente à Ibéria.

Este é mais um passo no longo caminho de liberalização deste sector, imposto a partir da União Europeia e executado pelos partidos rendidos ao neoliberalismo e às multinacionais: PS, PSD, IL e CH.

A decisão é tão grave, e tão potenciadora de perturbar o normal funcionamento dos aeroportos afectados, que vem acompanhada de uma recomendação, aceite pelo governo, de só se efectivar daqui a um ano, para a transição ser «preparada».

O objectivo da UE (e das multinacionais que nela mais ordenam) é transparente desde o dia em que impôs a Portugal (e alguém aceitou) que a assistência em escala deixasse de ser um sector, lucrativo, da TAP, e fosse liberalizado. O objectivo era duplo: colocar o sector totalmente nas mãos das multinacionais (a Vinci e a Menzies já dominam o essencial do sector), e desenvolver um mecanismo de pressão sobre a força de trabalho (duas empresas a concorrer uma com a outra apresentando preços cada vez mais baixos obtidos à custa do aumento da exploração e concursos de x em x anos para manter todas as relações precárias e sujeitas a serem destruídas se o preço da força de trabalho crescer).

«O objectivo da UE (e das multinacionais que nela mais ordenam) é transparente desde o dia em que impôs a Portugal (e alguém aceitou) que a assistência em escala deixasse de ser um sector, lucrativo, da TAP, e fosse liberalizado.»

Graças à liberalização, o sector tem passado os últimos 20 anos em crise, falências sobre falências, despedimentos colectivos, aumento da precariedade, algumas vezes perturbando a operação aérea, e sempre perturbando e precarizando a vida de quem trabalha no sector. Recordar que a SPDH foi privatizada três vezes e três vezes foi quase destruída.

A concretização desta decisão (que pode e deve ser revertida) iria destruir a SPDH, onde a TAP ainda detém uma parte do capital, e liquidar a empresa em Portugal que detém a maior capacidade e mais conhecimento acumulado. Desvaloriza-se a TAP e destrói-se a SPDH (mais de 4000 trabalhadores). Mais um prego no caixão do sector aéreo nacional.

É isto o liberalismo: o país vende e destrói as suas empresas, destrói emprego qualificado e estável, e fica a pagar rendas a multinacionais que cá operam x anos a tentar pagar o mínimo possível e depois se vão embora, sendo substituídas por outras.

E depois queixam-se que o país anda para trás. Porque será?

Nada disto é inevitável

Para dificultar a resistência é-nos sempre dito que estes processos são inevitáveis. Não são.

Quem optou por estes processos quis usar os mecanismos da concorrência para liquidar as empresas menores e tudo concentrar nas multinacionais, para aumentar a exploração e a precariedade de quem trabalha. Foi uma opção, com vencedores anunciados.

Aquilo que ganham as multinacionais perdem os Estados em soberania (e porque são cada vez mais dependentes são cada vez mais obedientes) e perdem os trabalhadores no preço da força de trabalho e na estabilidade das suas vidas.

A verdade é que nem as licenças da SPDH deviam ir a concurso (e a prova é que as da concorrente Portway/ANA/VINCI não vão, e bem), nem muito menos deviam ser decididas com base no preço (como o acidente do Elevador da Glória demonstrou, a liberalização mata, substituir trabalhadores qualificados por outros mais baratos é um passo para ter uma força de trabalho menor e mais mal qualificada e regras de segurança mais... flexíveis, ou seja, é um passo para o acidente, e sim, um avião pode cair por uma carga mal feita.)

Como travar isto?

Com a organização e luta dos que sempre perdem com estes processos: os trabalhadores.

Percebendo, novamente, que cada processo ataca um conjunto de trabalhadores, mas o conjunto dos processos ataca o conjunto dos trabalhadores. E reforçar a unidade a partir dessa premissa. Desde logo, a unidade sindical.

«Aquilo que ganham as multinacionais perdem os Estados em soberania (e porque são cada vez mais dependentes são cada vez mais obedientes) e perdem os trabalhadores no preço da força de trabalho e na estabilidade das suas vidas.»

(Re)descobrindo que é preciso reforçar a organização política dos trabalhadores, com tempo, com militância, com disponibilidade, e também com votos, para poder criar as condições para romper com este caminho.

Apontando a objectivos concretos imediatos – neste caso, reverter imediatamente o resultado deste concurso e proteger os milhares de postos de trabalho da SPDH – unindo em seu redor o muito que puder ser unido, sem esquecer que é preciso acabar com liberalização do sector aéreo, com as liberalizações e privatizações em geral, e colocar a política e a economia ao serviço dos trabalhadores e não daqueles que vivem de rendas e lucros.

É tempo de lutar. De agarrar o colega de trabalho pelo braço, e forjar a força e a unidade. 

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