Foi publicado (25 de Setembro) o Relatório da UTAP sobre as PPP em 2024. Os números são os de sempre – mais mil milhões desviados para o bolso de meia dúzia de capitalistas. Tem sido assim nos últimos 20 anos, mais centena de milhão, menos centena de milhão. A cada ano, a troco de (quase) nada, saem mil milhões para meia dúzia de capitalistas por via das PPP.
Este tipo de roubo, realizado à vista de todos, continua porque (1) não é denunciado por quem o deveria denunciar e (2) porque as atenções do povo são desviadas para questões laterais (tipo Rendimento Mínimo) ou para o circo mediático, para a luta em torno de coisa nenhuma, desde deputados beijoqueiros a comissões de inquérito por tudo e, principalmente, por nada. Um ilusionista só precisa de um momento de distracção para fazer o truque das cartas: na vida real, o nosso povo é mergulhado numa cacofonia imensa, e ainda por cima deprimente, gritos de «corrupção», «chega», «isto tem de acabar», tudo misturado com doses massivas de crimes, catástrofes, guerras, e uns pozinhos da boa e velha calhandrice. Enquanto uma classe de discretos ilusionistas vai transferindo recursos públicos para o seu bolso e de quem lhe pagou o fatinho.
Mais 1391 milhões para as PPP Rodoviárias:
Em 2024 saíram mais 1391 milhões para os bolsos dos concessionários privados das PPP rodoviárias. Até foi um pouco menos que em 2023 (tinham sido 1442 milhões). Mas o que importa destacar é que mais uma vez estamos perante um investimento quase nulo, isto é quase tudo é saque directo. Estes 1391 milhões resultam daquilo que o Estado efectivamente pagou (1030 milhões) e daquilo que o Estado também pagou mas foi amortizado por receitas de portagens recebidas (362 milhões). Os encargos líquidos podem ter sido de 1030 milhões, mas importa perceber que para o povo português os encargos reais incluem as despesas com portagens nessas auto-estradas concessionadas.
Importa todos termos noção que as despesas com as actuais PPP vão cair a pique como se pode ver no quadro seguinte ( apresentado pela UTAP na discussão do OE para este ano). A partir de 2028 as despesas com as actuais PPP ficam muito reduzidas e a partir de 2035 praticamente acabam. Isto porque acabam os contratos de PPP rodoviárias existentes.
Ou seja, se nada for feito, as despesas com PPP cairão a pique e o Estado terá mais mil milhões de euros por ano para utilizar. Óptimo, não? Bem, depende da perspectiva. Depende sempre da perspectiva. Para Pires de Lima e os outros CEO das concessionárias é um pesadelo. Lá se vão os bónus milionários. Para todos os grandes accionistas da Brisa e das diversas concessionárias é também um pesadelo: lá se acabam os dividendos fáceis, lá se desvalorizam as empresas (que sem concessões valem zero).
Sobre isso o Relatório da UTAP informa-nos que a anterior Comissão Negociadora da Concessão da Brisa foi demitida e foi nomeada uma nova. O que nos dá um reflexo da verdadeira luta que se trava neste dossier das PPP rodoviárias: renegociar os contratos, arranjar forma de prolongar o saque.
Se visitarmos o Despacho n.º 15154/2024 que nomeia esta segunda comissão negociadora, veremos o vasto leque de questões a negociar – acertos, reequilíbrios financeiros, alargamentos de via, novos investimentos a realizar, novas acessibilidades, novas ligações à rede rodoviária envolvente – enfim, um sortido variado de possibilidades, tudo para prolongar as actuais concessões a troco de alguma coisa (Pires de Lima precisa da nossa vara de porcos e tem uns magníficos chouriços para nos oferecer).
«Um ilusionista só precisa de um momento de distracção para fazer o truque das cartas: na vida real, o nosso povo é mergulhado numa cacofonia imensa, e ainda por cima deprimente, gritos de "corrupção", "chega", "isto tem de acabar", tudo misturado com doses massivas de crimes, catástrofes, guerras, e uns pozinhos da boa e velha calhandrice.»
E isto levanta também questões evidentes de transparência e de combate à corrupção. Se uma empresa pública quer comprar um parafuso para um comboio, tem que encostar o comboio até ter o visto prévio do Tribunal de Contas e o acordo do ministro da tutela, e ainda precisa de lançar concurso «intergaláctico» para lhe venderem o parafuso. Já a continuação do pagamento anual de mil milhões de euros a empresas privadas é negociado em comissões ou grupos de trabalho, sem um verdadeiro escrutínio ou controlo democrático, com as conclusões a serem construídas para nos explicar o quanto nós precisamos daquele chouriço.
E isto não tem nada a ver com a seriedade das pessoas. Sendo todas sérias isto está errado, entre outras coisas porque basta que alguém não o seja para o descalabro ser total.
O Decreto-Lei 87-A/2022
Desde 2023 surge nas contas das PPP rodoviárias uma nova despesa, intitulada «Decreto-Lei 87-A/2022». Tem a ver com a redução das portagens nas ex-SCUT. Custaram ao Orçamento do Estado (OE) qualquer coisa como 25 milhões em 2023 e 37 milhões em 2024, isto em cima dos pagamentos que já se faziam.
A redução do preço a pagar trouxe um aumento dos utentes. Como é normal. Para o privado é um ganha-ganha. Tudo financiado pelo OE.
Se o Estado não renovar estas concessões, pode acabar com as portagens e ainda poupar dinheiro, até porque é o Estado que está a pagar as portagens. Assim de simples. E deixando as estradas nacionais também mais simples – sem pórticos, sem multas derivadas do esquecimento de uma portagem – e com uma melhor rentabilização dos investimentos (se se investe em auto-estradas é para as usar, não para as ver quase desertas enquanto os carros usam a rede não portajada). Mas, claro, acabava-se o saque que enche os bolsos de uns poucos.
Concluindo
No próximo ano, ou já mesmo no próximo OE, deverão começar a aparecer títulos na comunicação social deste género: «Despesas com PPP reduzem-se significativamente». Mas fica já o alerta: não são as despesas que se reduzem, não há aqui qualquer tipo de melhoria da eficiência, simplesmente alguns contratos de PPP chegam ao fim.
As despesas com as PPP rodoviárias, se nada for feito, vão começar a reduzir-se muito até terminarem, em 2035. Para perceber a evolução, não importará tanto comparar a despesa de um ano com a despesa do ano anterior, mas também, e cada vez mais, a despesa de um determinado ano com a que está hoje prevista para esse ano, antes de renegociações ou prolongamento de contratos. Porque o assalto está, hoje, a ser renegociado, nas costas do povo português.
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