É já de Março a resposta do Governo a uma pergunta do Grupo Parlamentar do PCP sobre os processos em tribunais arbitrais que envolvem a cobrança da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR). A voragem eleitoral retirou espaço ao tratamento daquela resposta, cuja importância justifica que se volte agora ao tema. Afinal, estamos perante um desvio do erário público de uma verba entre os 300 milhões e os 5 mil milhões de euros.
Antes de mais, recordar a essência da questão: em 2022, um tribunal europeu declarou ilegal (por uma questão de forma) a cobrança da CSR (criada para ajudar a pagar as parcerias público-privado do sector rodoviário); o governo do PS mudou essa forma e a CSR continua a ser cobrada; um conjunto de gasolineiras (que tinham cobrado a CSR aos consumidores e entregue esse imposto cobrado ao Estado) foram a um «tribunal» arbitral e exigiram que lhes fosse devolvido o imposto pago ao Estado entre 2019 e 2022; os «tribunais» arbitrais deram-lhes razão e condenaram o Estado a devolver o imposto a essas gasolineiras.
Reparem no absurdo: o Estado devolve o imposto a quem não o pagou! Quem paga a CSR é o consumidor, as gasolineiras recebem-na e entregam-na ao Estado. E agora o Estado devolveria às gasolineiras que ficam com ele depois de pagar aos advogados o seu dízimo.
Isto é uma fraude, como bem caracterizou o PCP. E, na sua resposta de Março, o Ministério das Finanças não podia ser mais claro na demonstração da sua cumplicidade de fundo com o processo: «Por último, relativamente aos processos arbitrais sobre a CSR, a Autoridade Tributária (AT) invocou, em todos os processos, a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, tendo existido processos nos quais a referida excepção procedeu. As decisões arbitrais desfavoráveis à AT foram objecto de impugnação para o Tribunal Central Administrativo sul, na qual foi invocada, designadamente, a incompetência dos tribunais arbitrais em razão desta matéria. Até à presente data, o único acordão proferido pelo referido tribunal, julgou no sentido da improcedência da impugnação, considerando que os tribunais arbitrais têm competência em razão da matéria.»
«Reparem no absurdo: o Estado devolve o imposto a quem não o pagou! Quem paga a CSR é o consumidor, as gasolineiras recebem-na e entregam-na ao Estado. E agora o Estado devolveria às gasolineiras que ficam com ele depois de pagar aos advogados o seu dízimo.»
Ou seja, as gasolineiras pedem a um «tribunal» arbitral que lhes seja devolvido um imposto que não pagaram, que simplesmente cobraram aos clientes e entregaram ao Estado. O «tribunal» arbitral dá-lhes razão. O Estado recorre dessa decisão para os tribunais a sério, mas a única coisa que estes podem julgar é se o «tribunal» arbitral pode ou não julgar a causa. E como pode, o Governo perde e nós pagamos.
E o Governo não faz nada para mudar a lei, para impedir que este tipo de decisões continue a ser julgada em «tribunais» arbitrais, antes pelo contrário: PS, PSD, IL e CH têm-se unido para chumbar todas as iniciativas apresentadas na Assembleia da República para retirar este poder aos «tribunais» arbitrais.
No fundo, o Governo finge não querer pagar, segue um caminho onde vai ser «obrigado» a pagar, e pagará lavando as suas mãos, como Pilatos, com a desculpa de que fez o que podia.
A resposta do Governo também ajuda a caracterizar os valores em causa: «Existem hoje 399 pedidos de pronúncia arbitral, no valor de 271,8 milhões de euros.» Este é o valor mínimo em causa, a que há que somar todas as decisões já tomadas e «impugnadas» («202 impugnações judiciais, no valor global de 80,1 milhões de euros»).
Mas, como diz o Ministério das Finanças, «nos anos de 2021 e 2022, a receita da contribuição de serviço rodoviário (CSR) ascendeu, respectivamente, a 649 milhões de euros e 697,7 milhões de euros», e estão em causa mais 2 anos (2019 e 2020), a verba que pode ser reclamada ascende a 2,5 mil milhões. Mas existe o risco, com este tipo de «justiça», dessa verba ter que ser paga em dobro: já há empresas de transportes, que de facto pagaram a CSR às gasolineiras, a reclamar do Estado a devolução da CSR paga. O que por completo absurdo pode fazer o Estado devolver duas vezes o que só recebeu uma vez, e coloca o valor máximo deste saque ao Estado em 5 mil milhões.
Este caso serve ainda para comprovar como até uma simples gasolineira precisa de recorrer a um bom advogado. São assim muito injustas as insinuações de que nada justificava a despesa de uma determinada gasolineira com os serviços de advocacia de Luís Montenegro. Claro que sobra a questão se um primeiro-ministro que recebe avultadas avenças de uma gasolineira é o homem indicado para liderar a resistência a este verdadeiro assalto das gasolineiras ao Estado.
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