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Cofina mais Media Capital - novos e perigosos tempos

Não estamos aqui perante um mero negócio, ou uma simples questão económica. A comunicação social, nunca é demais sublinhá-lo, funciona como o principal alimento das formas de pensar e de agir.

Redacção da TVI. Foto de arquivo
Redacção da TVI. Foto de arquivoCréditos / zapping-tv.com

A eventual compra da Media Capital, proprietária da TVI, pela Cofina, comandada por Paulo Fernandes, dona do Correio da Manhã e da CMTV, constituirá uma gravíssima alteração na já de si altamente preocupante situação da propriedade dos media em Portugal, caracterizada pela concentração num reduzido número de grupos económicos ligados ao grande capital, com larga participação da banca.

Não estamos aqui perante um mero negócio, ou uma simples questão económica. A comunicação social, nunca é demais sublinhá-lo, funciona como o principal alimento das formas de pensar e de agir, independentemente, em muitos casos, dos níveis de educação e cultura, até por vezes de presumidos níveis de politização.

E deve cada vez mais ter-se em conta que a influência ideológica dos media, potenciada pelas novas tecnologias da informação e da comunicação (também elas manobradas, e de que maneira, pelos interesses do grande capital) assume um papel muitas vezes subestimado ou mesmo interessadamente esquecido.

O novo conglomerado

O campo de actividades do novo conglomerado não se limita estritamente à comunicação e à informação propriamente ditas. Vejamos os principais activos em causa.

Media Capital:

TVI, TVI24, TVI Ficção, TVI Reality, TVI África, TVI Internacional, Rádio Comercial, M80, Rádio Cidade, Smooth FM, Vodafone FM1, www.maisfutebol.iol.pt, iol.pt, Plural Entertainment (produtora, nomeadamente, de telenovelas), Empresa de Meios Audiovisuais, Empresa Portuguesa de Cenários.

Cofina:

CMTV, Correio da Manhã, Record, Jornal de Negócios, Destak, Sábado, Máxima, TV Guia, mundouniversitario.pt, www.flash.pt, passatempos.xl.pt. E também a VASP-distribuição de Publicações, SA (33,33%), pertencendo os outros dois terços, em partes iguais, a dois grandes grupos do sector – a Impresa (de Francisco Balsemão) e a Global (dos chineses – de Macau – da KNJ).

A VASP dedica-se a «distribuir e comercializar publicações jornalísticas e editoriais, mediação de jogos sociais da Santa Casa da Misericórdia, comercialização e distribuição de produtos de saúde e farmacêuticos, prestação de todos os serviços de pagamento permitidos por Lei às instituições de pagamento, distribuição, comercialização e fornecimento de outros bens e serviços», e ainda ao «exercício de qualquer outra actividade comercial ou industrial de qualquer natureza».

«Uma decisão favorável à compra da Media Capital pela Cofina colocaria ostensivamente em causa – dado o perfil editorial, nomeadamente, da entidade compradora e o poder de intervenção do novo grupo resultante – a diversidade, isenção e pluralismo, desde logo nos campos político e social, assim como na defesa da promoção da educação, da cultura e da cidadania»

Segundo noticiou há semanas o Jornal Económico (JE), «o grupo que nascer da fusão entre a Cofina e a Media Capital será o principal player nos media em Portugal, com um volume de negócios anual combinado superior a 270 milhões de euros (contra 170 milhões da Impresa, dona da SIC e do Expresso) e presença em todos os segmentos: imprensa diária generalista, económica e desportiva, revistas, televisão, rádio e produção de conteúdos de ficção e entretenimento».

Diz a mesma notícia: «Ao que o JE apurou, a expectativa da Cofina é que, se a fusão avançar, os reguladores não obriguem a vender algumas das marcas dos dois grupos, por questões de concorrência. Se assim fosse, a SIC não poderia manter a SIC Notícias e outros canais», argumentou uma das fontes contactadas pelo JE, referindo «a possibilidade de o regulador impor como "remédio" a venda de activos da Cofina ou da Media Capital, bem como a possibilidade de estas alienações se tornarem necessárias para financiar a própria operação».

Acrescentava o JE: «É neste contexto que a empresa que o director do Correio da Manhã, Octávio Ribeiro, criou no ano passado, juntamente com outros jornalistas seniores do grupo Cofina, é vista no mercado como potencial compradora da Presslivre, a subholding dona do CM e da CMTV, no âmbito de uma operação que seria financiada por um investidor externo».

«Um autêntico doce»

Foi no início deste ano que vieram a público na imprensa as manifestações de interesse da Cofina no negócio. Mas as notícias então surgidas não constituíram propriamente uma surpresa para quem acompanhava a evolução no sector, estreitamente ligada à política de recuperação capitalista, também nos media, protagonizada pelos governos de direita nomeadamente a partir do final da década de 80.

Paulo Fernandes2, rei do eucalipto e da pasta de papel3, teve o mérito de avançar mais depressa do que outros. Interrogado há década e meia (ver Elsa Costa e Silva, Os Donos da Notícia, Porto Editora, 2004, pp. 167-174) acerca das razões que o tinham levado a alargar as suas actividades da indústria para os media, disse:

«Porque o sector dos media é mais muito mais atractivo que o sector da indústria. A indústria é um sector muito mais globalizado e competitivo, com margens muito mais apertadas que o sector de serviços. O sector dos serviços é um sector em crescimento, porque as pessoas têm cada vez mais interesse pela leitura, pelos tempos livres. Também porque o investimento em publicidade tem tendência a crescer mais que o produto, enquanto que nos produtos industriais há uma tendência para a deslocalização, para a produção em sítios mais marginais, que têm os custos de produção muito mais baixos, o que torna as margens nesses produtos menos interessantes. (…). Acho que é mais fácil criar valor nos serviços do que na indústria. Os media foram uma oportunidade que nos apareceu, é um sector bastante atraente porque exige muito menos investimento de reposição. Nos media é possível crescer facilmente sem grandes investimentos. Nos media, tal como nós fazemos aqui na imprensa. Nós estamos na cadeia de mais valor acrescentado, que é a criação de conteúdos. Não temos nem gráfica nem distribuidora».

A imprensa é rentável?

«A imprensa é muito rentável, escandalosamente rentável. O pior é que há pessoas que não sabem fazer imprensa e têm tendência para generalizar a situação deles para a situação do negócio. O negócio é francamente bom. Para quem vem de indústrias e de negócios com margens apertadas e onde é sempre preciso estar a controlar custos, este negócio é um autêntico doce».

«A operação não é criticável por constituir uma alteração à identidade programática das duas empresas, mas precisamente por significar um reforço das características, princípios e linhas orientadoras das duas operadoras, nomeadamente da dominante»

Referindo-se à compra do Correio da Manhã, por cerca de 50 milhões de euros, em 2000, afirmava: «Foi um excelente negócio, mesmo tendo em conta o preço que se pagou. Foi um preço alto, porque estávamos na altura em que os media estavam inflacionados, mas as melhorias que conseguimos obter na gestão superaram as nossas expectativas em relação à avaliação que tínhamos feito».

Ainda Paulo Fernandes, franco e claro:

«Nós vivemos numa sociedade concorrencial, capitalista, que premeia os que são mais competitivos e mais capazes e os que são menos eficientes vão sair do mercado. (...) O mercado é que tem de encontrar a sua solução».

Conclusão

Uma decisão favorável à compra da Media Capital pela Cofina colocaria ostensivamente em causa – dado o perfil editorial, nomeadamente, da entidade compradora e o poder de intervenção do novo grupo resultante – a diversidade, isenção e pluralismo, desde logo nos campos político e social, assim como na defesa da promoção da educação, da cultura e da cidadania.

A operação não é criticável por constituir uma alteração à identidade programática das duas empresas, mas precisamente por significar um reforço das características, princípios e linhas orientadoras das duas operadoras, nomeadamente da dominante.

A estranha e criticável recente decisão favorável ao negócio por parte da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC)4 – apesar do voto contra, que se regista e saúda, do vice-presidente, Mário Mesquita5 – não encerra o assunto. Cabe agora a palavra à Autoridade da Concorrência.

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