Com um investimento global de 157 milhões de euros, o documento da Estratégia Local de Habitação (ELH) - Eixo 1, inserido no programa 1.º Direito, prevê satisfazer as necessidades de uma larga fatia da população deste concelho do distrito de Lisboa, mediante a concretização do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Foi, aliás, depois de o presidente da Câmara de Loures ter reivindicado a integração da habitação no PRR, e de esta ter sido atendida, que a autarquia trabalhou na adaptação da estratégia, que em Dezembro de 2020 estava já muito adiantada, para chegar ao «maior programa que o Município vai ter nos próximos anos», defende o vereador da Habitação, Gonçalo Caroço.
A ELH, aprovada no início deste mês pela autarquia, foi ratificada pela Assembleia Municipal de Loures no passado dia 15, com a abstenção de PS, PSD e CDS-PP, e votos a favor da CDU, BE e PAN. A estimativa do Município é que as medidas previstas no documento cheguem a cerca de 10 mil pessoas, cujos rendimentos do agregado familiar não sejam superiores a 4 IAS (Indexante dos Apoios Sociais), valor que ronda os 1700 euros.
Segundo dados de 2019, este valor representa cerca de 70% dos agregados do concelho. Neste momento, constata Gonçalo Caroço, «poderá haver ainda mais pessoas abrangidas», ou seja, abaixo do limiar dos 4 IAS.
O responsável congratula-se pelo facto de as medidas consideradas na ELH possibilitarem uma resposta «muito mais robusta» em termos de habitação. «Vai permitir-nos trabalhar a área do arrendamento apoiado, que é o que está previsto para a componente do 1.º Direito, mas passar a ter também uma resposta muito maior no que diz respeito ao apoio ao arrendamento e também à venda a custos controlados», realça.
«Aquilo que vamos conseguir fazer é dar resposta às situações das pessoas sem-abrigo e também de centros de acolhimento de pessoas vítimas de violência doméstica, vamos trabalhar para que os proprietários privados que tenham necessidade de fazer obras de reabilitação no seu edificado possam também ser apoiados pela Câmara, no sentido de instruir as suas candidaturas para o IHRU, que apoiará também o financiamento para essas obras dependendo da condição económica de cada um». A este apoio poderão vir a candidatar-se cerca de 1250 famílias.
A par destas medidas, a proposta de mais de 150 milhões de euros, com um horizonte temporal de concretização de cinco anos, prevê a recuperação de 1324 fogos municipais, com um investimento total de 25,5 milhões de euros e a edificação de 850 fogos – com vista a realojar as famílias residentes em núcleos de habitação precária, num investimento de 126,6 milhões de euros.
Por outro lado, o Município negociou com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) a possibilidade de apoiar 200 agregados familiares que vivem em Áreas Insusceptíveis de Reconversão Urbanística (AIRU) para compra ou construção de nova habitação e melhorar as condições habitacionais de 54 famílias a residir em património habitacional do IHRU, em condições de insalubridade e insegurança.
«Já investimos vários milhões de euros na recuperação do edificado»
Gonçalo Caroço afiança que a habitação tem sido uma das prioridades do trabalho desenvolvido pelo Executivo da CDU no Município de Loures, tendo em conta o crescimento de solicitações por parte de muitas famílias, que, não bastasse a especulação imobiliária, se vêem agora a braços com a perda total ou parcial de rendimentos.
Com cerca de 2400 fogos de habitação pública, a situação que lá se vivia há alguns anos era de «abandono». «Quando iniciámos funções na Câmara deparámo-nos com uma situação de abandono nos nossos bairros municipais, na medida em que não tinham qualquer intervenção física há anos, e mesmo os técnicos municipais, que deveriam estar a acompanhar as pessoas, os bairros, foram retirados dessas funções», recorda.
Há algum tempo que a Bela Vista, em Setúbal, e a Quinta do Mocho, em Loures, deixaram de ser presença assídua nos noticiários... por más razões. O AbrilAbril foi saber porquê. Hoje falamos da Quinta do Mocho. Partimos para esta reportagem através de uma pesquisa que nos devolveu uma parte da revolução operada num dos mais mediáticos bairros de Sacavém. Nas conversas, notícias e reportagens realizadas sobre a Quinta do Mocho, a arte urbana surge inevitavelmente, a par dos nomes dos vários artistas de gabarito nacional e internacional que, ao longo dos últimos três anos, têm alimentado este bairro de cor. Mas, se para muitos esta é a grande transformação que o município de Loures tem vindo a promover em associação com os moradores, de dentro dizem-nos que mais significativa foi a mudança comportamental de quem lá vive. Kedy Santos, natural de São Tomé e Príncipe, reside há cerca de 15 anos na urbanização municipal Terraços da Ponte, mais conhecida por Quinta do Mocho, e é dele a frase que intitula esta parte do trabalho. Corroborando a célebre afirmação de Nina Simone («liberdade para mim é não ter medo»), Kedy, um dos guias responsáveis pelas muitas visitas à Galeria de Arte Pública (GAP) que a autarquia promove, assume que o mais importante feito operado no Mocho foi o desaparecimento do medo. Um medo que existia dentro e fora do bairro. «Tínhamos medo de qualquer pessoa que não era africana. Achávamos que ou era polícia ou eram pessoas da Segurança Social ou alguém que vinha cobrar algo que nós tínhamos que pagar», confessa. Por outro lado, havia o medo por parte de quem olhava de fora e não percebia mais do que um «bairro problemático». Depois de anos consecutivos abandonados à sua sorte, e sem conhecer verdadeiramente o sentido do verbo participar, muitos dos bairros de habitação pública estavam «com uma urgência enorme» de intervenção por parte do município. Quem o diz é a vereadora da Coesão Social e Habitação da Câmara Municipal de Loures, Maria Eugénia Coelho. Além de confirmar que este era um bairro «completamente fechado sobre si próprio» e de reconhecer que há ainda muito por fazer, admite que «o passo de gigante foi conseguido». «Quando tomámos posse, tínhamos consciência de que era uma urgência chegar aos bairros e criar formas de actuação. Precisávamos de criar formas de retomar a confiança da população na Câmara e de perceberem que aquilo que nós queríamos e precisávamos de fazer nos bairros exigia a participação efectiva da população, porque esse é o nosso tipo de intervenção», frisa. A forma encontrada pelo município para quebrar o gelo na Quinta do Mocho foi realizar aí a segunda edição do festival «O Bairro i o Mundo», em Outubro de 2014. Com o propósito de «mostrar o bairro ao mundo e trazer o mundo ao bairro», a primeira edição tinha acontecido um ano antes na Quinta da Fonte, em conjunto com o Teatro IBISCO (Inter Bairros para a Inclusão Social e Cultura do Optimismo). A parceria foi renovada para a edição realizada na Quinta do Mocho. O dado novo é que, na preparação do festival, a autarquia implementou as primeiras assembleias comunitárias no bairro a fim de conhecer os objectivos dos moradores para a iniciativa e perceber melhor de que forma poderiam participar. «Houve uma participação interessante», recorda a vereadora. «Primeiro, ainda com pouca confiança, mas com uma atitude por parte das pessoas que participaram nessas assembleias muito correcta, dizendo e assinalando os problemas que havia no bairro, as responsabilidades de cada um, não se pondo de fora de algumas dessas responsabilidades e, sobretudo, na vontade imensa de que era preciso transformar e que precisavam da ajuda da Câmara, mas também que estavam disponíveis para participar.» O festival haveria de ser o preâmbulo das alterações implementadas no bairro mas, sublinha Maria Eugénia Coelho, mais importante do que a sua realização foram as assembleias e as reuniões preparatórias. «Foi o início de uma relação», confessa. Ao longo de um fim-de-semana, a par de outras intervenções artísticas como o teatro, a música e a dança, seis artistas pintaram seis empenas. A intervenção, com um forte cunho social, captou a atenção das pessoas. Desde então, o fenómeno da arte urbana nunca mais parou e a Quinta do Mocho revelou-se destino preferido de muitos artistas que já inscreveram a sua assinatura em 74 empenas do bairro. Apesar da transformação do espaço público e da diminuição dos conflitos existentes entre os moradores, Kedy Santos, o voluntário que guia os visitantes nesta galeria criada ao ar livre e um dos elementos da banda «Império Suburbano», criada no âmbito do Projecto Esperança na Quinta do Mocho, não esquece o muito que ainda está por fazer no bairro, embora admita que os moradores «sentem que a Câmara encontrou uma ferramenta para os libertar de algum isolamento e de algum preconceito». A par do medo e do estigma, revela que se quebrou «uma coisa que estava enraizada aqui e também no exterior». Pela experiência absorvida nas visitas guiadas ao bairro, conta-nos que as pessoas ficam surpreendidas pela arte estampada nos prédios, mas não apenas. «Quando termina cada visita, o que eu mais oiço é que são pessoas que vivem aqui perto, mas tinham medo, e quando integram a visita ficam estupefactas pela normalidade e tranquilidade que encontram actualmente no bairro, [...] e as pessoas reflectem isso mais para nós». «Nesse sentido», acrescenta, «são as coisas que mais nos fazem ver a importância do trabalho realizado aqui». Licenciado em engenharia química e líder da Academia Ubuntu, Kedy nota, no entanto, que «normalmente as pessoas só gostam de ver a mudança física» e «têm mais dificuldade em descobrir a mudança comportamental, emocional ou até mesmo racional e sentimental», que são, reconhece, «mudanças muito mais significativas, que são estas que nós temos». Revela que as pessoas do bairro se tornaram mais confiantes e abertas ao exterior. Além de perderem o medo de novos visitantes, os habitantes do Mocho começaram a lidar com naturalidade com as máquinas fotográficas e câmaras de filmar que ali entram para retratar a arte que se cola às suas habitações. A par da transformação física, a vereadora concorda que as obras de arte «afixadas» nas empenas permitiram uma alteração do sentimento que os moradores tinham em relação a si próprios. «A galeria está por detrás da identificação das pessoas com a estrutura da Câmara, que tem procurado resolver alguns problemas, mas claro que tem muito trabalho ainda por fazer.» kedy santos «A Câmara, juntamente com as pessoas, transformou a imagem que havia.» «Dos próprios», explica a seguir, «que tinham a sua auto-estima muito em baixo», mas também da restante comunidade que, ao visitar a galeria, «ajuda também a derrubar este estigma de que é um bairro perigoso, de que é um bairro que era composto por marginais e por bandidos». «Não é verdade, não é verdade de facto. São pessoas normais, com ansiedades e expectativas em relação ao futuro», realça. Kedy Santos entende que os problemas não se erradicam facilmente de um dia para o outro, embora reconheça que o processo estabelecido para restituir alguma normalidade tenha resultado na diminuição dos conflitos, tanto entre as pessoas do bairro, como destas com o exterior. Ao mesmo tempo diz que a «hostilidade» da polícia para com os moradores tem vindo a diminuir. Admite que as pessoas vivem agora uma paz «muito significativa» e que essa tem sido uma das «armas» das pessoas do bairro, que tem contrastado com a ideia de que este era um bairro de conflitos e de violência. Tal como na Bela Vista, em Setúbal, onde a participação popular foi considerada a chave do sucesso atingido até agora pelo programa «Nosso Bairro, Nossa Cidade», também na Quinta do Mocho a participação dos moradores foi fundamental para ultrapassar alguns dos problemas existentes. Maria Eugénia Coelho frisa que a intervenção social da autarquia implica a participação activa das pessoas. E isto é algo que os moradores percepcionam. Além das alterações sentidas no quotidiano, Kedy Santos revela que a estratégia seguida pelo actual Executivo tem ajudado a aproximar as pessoas, incentivando-as a acreditar e a participar. Sublinha que existe menos burocracia para se chegar à resolução dos problemas e que isso tem ajudado a «quebrar alguma distância» entre a população e o município. Neste sentido salienta que, antes de decidir sobre qualquer situação, a autarquia «tende a ouvir as pessoas, fazendo assembleias comunitárias». «Sempre que ocorre alguma necessidade, a Câmara tende a proceder desta forma e isto também ajuda as pessoas a aproximarem-se mais», acrescenta. Kedy revela-nos que, ao longo de anos, as pessoas do bairro criaram uma ideia de que, por mais que participem ou opinem, algumas vezes sentem que as suas opiniões não são válidas e que, por isso, optam por nunca se fazer valer em questões de dever cívico. Salienta, no entanto, que «já há uma participação muito mais activa de muita gente, em muitas situações», até porque os resultados dessa participação têm-se feito notar. Desde o dia 1 de Julho de 2015 que apanhar o autocarro para a Quinta do Mocho é uma realidade. A necessidade de se cumprir este direito fundamental foi discutida numa assembleia comunitária participada pelos moradores do bairro, em conjunto com o município e a Rodoviária de Lisboa (RL), onde se percebeu que a carreira n.º 300 era a que melhor servia a população. Vai daí, a empresa alterou o percurso do autocarro que liga Lisboa (Campo Grande) a Sacavém (Loures), e surgiram duas novas estações na Quinta do Mocho: uma na Alameda das Comunidades, junto ao Centro de Saúde, e outra na Avenida Amílcar Cabral, depois da rotunda da Casa da Cultura de Sacavém. Apesar da necessidade de haver mais carreiras e horários diferentes, para a população, que apenas conseguia aceder ao autocarro nos limites do bairro, este foi um passo importante. O medo, de que Kedy Santos nos falava no início da conversa, afastava também a possibilidade de apanhar táxi no bairro ou ir para casa neste meio de transporte, uma vez que os taxistas não ousavam entrar naquele território. Até 2015, sensivelmente, quem quisesse ir para a Quinta do Mocho tinha que ficar na Courela do Foguete, um bairro a cerca de um quilómetro de distância. Recentemente foi realizada outra assembleia que, além de solucionar o problema dos transportes, contribuiu para trabalhar a vertente do emprego. Em parceria com o município, a RL, que está a recrutar motoristas para os seus autocarros, deslocou-se à Quinta do Mocho para apresentar aos moradores a possibilidade de se candidatarem a esses empregos, criando algumas facilidades no acesso aos concursos. A perspectiva, acrescenta a vereadora, é a de que os trabalhadores recrutados no bairro posssam trabalhar em qualquer carreira, embora admita que o objectivo da Rodoviária «era que as carreiras que passassem aqui, nomeadamente na Quinta da Fonte, pudessem ter pessoas do bairro porque lhes garantia uma maior segurança no próprio transporte». Adianta que, se forem pessoas do bairro, relacionadas com quem frequenta aquele transporte, «aí as coisas correm melhor». Nas assembleias comunitárias realizadas em 2014 fez-se o levantamento do conjunto de problemas que os bairros tinham. Uma parte dos edifícios fazia parte desse bolo, com as partes comuns a necessitarem de uma intervenção de fundo. Isto porque, denuncia Maria Eugénia Coelho, o orçamento da Câmara para a conservação e manutenção dos seus edifícios, anteriormente, era «uma vergonha». Logo, havia necessidade de uma «intervenção séria, que tinha deixado de ser feita» pela autarquia. A par do projecto de arte urbana, que já saltou os limites do bairro graças ao Loures Arte Pública, o actual Executivo estabeleceu na Quinta do Mocho uma intervenção do ponto de vista físico, a começar pelas portas de entrada dos prédios. «O que interessa uma porta?», interroga-se Maria Eugénia Coelho. «Isto parece que não tem muita importância, mas uma porta num prédio restitui também a privacidade das pessoas que ali vivem», frisa. Naturalmente, o processo foi participado pelos moradores que, enquanto a autarquia colocava as portas, levantavam tintas, rolos e pincéis para pintar e recuperar as partes comuns. «Uns já o fizeram, outros estão a fazer, temos que ir acompanhando isso», afirma a vereadora. Entre o que falta melhorar, Kedy Santos reflecte precisamente sobre o aspecto da reabilitação, a par do saneamento e dos esgotos. Adianta que há ainda algumas casas «que estão destruídas por força do tempo e do mau cuidado de alguns moradores», mas frisa questões de saneamento que ainda precisam de ser resolvidas. «Neste momento encontram-se algumas com questões de inundação terrível, escondem ratazanas e mosquitos que causam outros efeitos brutais», alerta. A vereadora corrobora a necessidade de uma «intervenção forte» no edificado e aproveita para revelar iniciativas em curso. «Temos algumas candidaturas a programas financiados que nos vão permitir ter uma intervenção nalguns bairros muito forte, de outra forma seria difícil, e nós temos sempre que trabalhar com a população no sentido de lhes dar ferramentas para criarem os projectos da sua vida». Além da requalificação das habitações, Kedy Santos justifica a necessidade de espaços de lazer com o facto deste ser um bairro habitado por pessoas de diferentes comunidades, essencialmente angolana, são-tomense e guineense, mas com traços comuns. Desde logo, no gosto por revisitar tradições ao som de músicas. «Por vezes não se encontram espaços que agreguem estas pessoas e isso é um dos problemas graves aqui porque já resultaram em muitos problemas no passado que acabaram em conflitos, mas só surgiram pela ausência de uma estrutura física que pudesse colmatar esta ausência de espaço», explica. Outro aspecto a gerar procupação entre os moradores passa pelos parques e jardins que, segundo Kedy, «não estão de todo na melhor forma para dar às pessoas um ponto de lazer», e assim permitirem levar as pessoas à rua de «forma digna». «Temos muitas crianças, temos muitas creches e só temos um parque infantil para um universo de quase mil crianças. Isto é um problema que tem de se resolver», salienta. Maria Eugénia Coelho reconhece que ainda existe muito trabalho pela frente, nomeadamente com os mais jovens e em parceria com as escolas. Acrescenta que durante o actual mandato foi construído um «conjunto muito alargado de turmas de alfabetização, na Quinta da Fonte», dedicado a jovens que não concluiram a escolaridade. «Não foi específico para os jovens deste bairro mas para os jovens de toda a Sacavém, que apanham muitos daqui.» Admite que é uma área a aprofundar mas afiança, optimista, que «isto é uma bola de neve. Quando as coisas começam a correr bem, parece que atraem coisas boas». Regressando ao tema da arte urbana, que motivou a exposição do bairro ao mundo e revolucionou a vida de quem lá vive, Kedy Santos afirma que sendo importante, tem o condão de chamar ainda mais a atenção para as situações que têm de ser melhoradas. «Sabemos que as coisas não são fáceis, e nós não somos os únicos no concelho com problemas, mas neste momento tem de haver uma coerência e uma igualdade de circunstâncias na resolução destes problemas para que todos consigamos encontrar um bom porto», conclui. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Local
«Havia um medo que se quebrou»
«O passo de gigante foi conseguido»
Assembleias comunitárias, o «início de uma relação»
Arte urbana contraria isolamento
A paz é uma arma
Proximidade e confiança
Coisas «simples» como apanhar táxi ou autocarro
Um passado de desleixo
Levar as pessoas à rua de uma forma digna
Contribui para uma boa ideia
A política seguida até então foi alterada «por completo», reforça o vereador. «Já investimos vários milhões de euros na recuperação do edificado, ainda nesta semana [a entrevista ocorreu na semana de 12 a 16 de Abril] mais uma decisão de recuperação de mais um bairro, o Bairro de Santo António, e também constituímos novas equipas de acompanhamento dos nossos arrendatários de forma a conseguir dar uma resposta adequada às necessidades».
O eleito revela que estão também a ser consolidadas respostas comunitárias com equipas de bairro, constituídas há cerca de dois anos. «A nossa ideia seria que as pessoas pudessem deslocar-se aos recursos técnicos para colocar problemas do bairro que fosse necessário resolver».
A pandemia veio trocar as voltas ao projecto, mas Gonçalo Caroço admite que o trabalho feito já está a dar resultados. «Já conseguimos ter um controle muito maior dos nossos fogos: de quem lá está e da necessidade do pagamento da renda, porque isso também é muito importante», e também nesta área, acrescenta, «estamos a conseguir diminuir em muito a nova dívida gerada, ano após ano».
Mais de 150 famílias realojadas em 4 anos
Outra questão que tem pautado a actuação do Município têm sido os realojamentos. «Ao longo do mandato fizemos realojamentos em vários bairros, em particular no Bairro da Torre, onde encontrámos várias dezenas de pessoas a viver em barracas», afirma o vereador. Neste momento, o trabalho está quase terminado, «havendo ainda três pessoas» por realojar nesse bairro.
A política de realojamentos estendeu-se aos bairros do Talude e do Paiol. Só ao longo deste mandato foram realojados mais de 150 agregados, nos quais o vereador contabiliza entre 450 a 600 pessoas, praticamente só com verbas da Câmara. «Foram meia dúzia de casas disponibilizadas pelo IHRU, mas tudo o resto foi às custas da Câmara Municipal de Loures», constata, salientando que a resposta pública daquele Instituto «é quase nula».
Neste sentido, Gonçalo Caroço afirma que a ELH vai passar também por uma mensagem ao Governo de que os problemas da habitação «não se resolvem apenas com medidas dos municípios».
«Não é possível resolver os problemas da habitação no nosso país, nem nas áreas metropolitanas em particular, sem que haja medidas do Governo muito concretas para pôr fim à especulação imobiliária, para revogar de vez a «lei Cristas», que continua a pôr uma espada no pescoço dos arrendatários, para uma aposta determinada e com grande força e velocidade na habitação pública», sublinha.
Sendo a questão da habitação um problema transversal, o Município reivindica o aumento da resposta pública a vários níveis, e não apenas para as camadas mais baixas da população, a quem se dirige a vulgarmente chamada «habitação social». É por aqui, acredita Gonçalo Caroço, que se faz o combate à especulação imobiliária.
Os partidos decidem, esta tarde no Parlamento, o futuro da proposta do PCP que determina o prolongamento de moratórias nos créditos bancários, com o intuito de ajudar famílias e pequenas empresas. Debate-se esta quarta-feira, na Assembleia da República, a iniciativa do grupo parlamentar do PCP que pretende prorrogar as moratórias sobre os créditos. Em declarações à imprensa, o comunista Duarte Alves, explicou que esta medida é «urgente», porque, «no momento actual, não é possível para muitas famílias e empresas» retomarem o cumprimento assíduo das prestações devidas, porque a situação social e económica ainda é de crise. O deputado alerta que as moratórias são um passo «ainda insuficiente», e devem ser acompanhadas de «medidas de retoma do emprego, de salvaguarda de salários e do cumprimento das medidas sociais que o Governo» insiste em não concretizar de forma plena. «Só com normalidade na vida é possível o início da normalidade no pagamento das prestações», remata Duarte Alves. O projecto do PCP prevê ainda que, quem está a beneficiar das moratórias privadas, possa ter um prazo mais alargado para transitar para as moratórias públicas. Os agentes económicos estão em alerta com o fim à vista das moratórias que protegem 46 mil milhões de euros em empréstimos bancários. Portugal é o terceiro país da UE com mais créditos nesta situação. As moratórias dos créditos foram aprovadas com o intuito de proteger a economia e as pessoas que ficaram afectadas pelos efeitos das medidas restritivas de combate à pandemia da Covid-19. Existem moratórias privadas, que foram disponibilizadas de forma voluntária pelos bancos, e públicas, que foram criadas pelo Governo. Se, por um lado, as moratórias têm vantagens para os clientes, que são aliviados do pagamento imediato das prestações, também os bancos ficam libertos da obrigação de contabilizar os créditos em incumprimento como malparados. Saiu recentemente o estudo da Nova SBE, «Portugal, Balanço Social 2020», sobre os efeitos da pandemia. Falamos com economistas, sindicalistas e políticos sobre as formas de combater a crise. Cheila tem 33 anos, trabalhou como bartender em vários bares. Desde o fim do Verão passado que está em casa. «A pandemia obrigou a fechar tudo. O abre não abre, as restrições de funcionamento por motivos de saúde levaram quase todo o sector às cordas. Muitos provavelmente não vão conseguir abrir depois deste segundo confinamento». Os apoios do Estado incidiram sobretudo no lay-off e os outros são muito limitados. Paulo é proprietário de um bar em Lisboa que explora com o seu filho e encontra-se na mesma situação, «por todo e por junto os apoios que me deram, quase num ano, não ultrapassaram os 200 euros.» Em casa, Cheila vai esperando que a pandemia passe para voltar a trabalhar. «Não desisti de ter um espaço meu e de trabalhar, mas para já estou a gastar as economias que amealhei para sobreviver», diz. Stefan é instrutor de artes marciais na Pontinha. O confinamento obrigou-o repetidamente a encerrar provisoriamente o ginásio em que dá treinos e teve o efeito de um tsunami na sua vida. «Este abre e fecha ao longo do ano e os receios de contágio levaram as pessoas a desistir de treinar e a descontinuar os pagamentos. Não há apoios para nós que continuamos a ter que sustentar a família e pagar as rendas. E este é um tipo de actividade que, por muitas aulas zoom que possamos fazer, não nos permite funcionar e ganhar devidamente». Cheila, Paulo e Stefan são três exemplos das muitas pessoas que perderam rendimentos no ano de 2020. Os economistas e cientistas sociais têm a nítida percepção que a crise parou muita gente e que há um crescimento significativo das desigualdades, mas ainda não há dados fidedignos que façam o retrato desta tempestade. Na semana passada, a Universidade Nova lançou o estudo «Portugal, Balanço Social 2020» em que se trabalham e analisam muitos dos dados e estudos parcelares que saíram sobre o crescimento da pobreza e das desigualdades no nosso País, com o intuito de «traçar um retrato socioeconómico das famílias portuguesas, com ênfase nas situações de privação e, quando possível, no acesso às respostas sociais existentes em Portugal». A professora da Nova SBE Susana Peralta é uma das coordenadoras do estudo. «O relatório, que se chama “Portugal, Balanço Social 2020”, tem uma caracterização bastante cuidada da situação em Portugal. Fizemos esse trabalho com as limitações existentes, porque só é possível fazer uma caracterização dessas passado um ou dois anos, que é quando aparecem os dados representativos daquele período. Nós analisamos os dados do INE que nos permitem fazer uma caracterização representativa e cuidada daquilo que é a situação das famílias em 2019. Mas depois fomos à procura de todas as fontes de informação possíveis, com que tentámos fazer um possível retrato de 2020», assinala Susana Peralta ao AbrilAbril. O estudo demonstra os impactos da pandemia a vários níveis. O efeito que teve a nível da saúde, «em Abril de 2020 foram apenas realizadas 182 cirurgias, face a 13 000 em Abril de 2019», e que essas restrições no campo da saúde não foram iguais para todos. «A pandemia afectou particularmente a saúde (…) dos mais pobres, dos menos escolarizados e dos desempregados». Segundo o relatório, os efeitos da pandemia agravaram também os problemas de desigualdade no ensino, «com o encerramento das escolas, as aulas presenciais foram substituídas pelo ensino à distância. Esta substituição afectou de uma forma mais negativa os alunos das famílias mais pobres», esclarece o documento, que explica que no ano lectivo de 2017/2018, «apenas 62% dos alunos com apoio dos Serviços da Acção Social Escolar (SASE) tinham computador e 52% tinham acesso à internet, o que compara a uma taxa de 71% de acesso à internet e computadores para os alunos sem SASE.» Do ponto de vista do emprego, verificou-se que «as condições no mercado de trabalho alteraram-se profundamente em resposta à pandemia. Dependendo dos sectores, as medidas de confinamento fizeram aumentar a prevalência do teletrabalho, ou levaram ao encerramento das empresas», afirma o documento, contabilizando que «no final de Abril de 2020, o número de trabalhadores em lay-off simplificado era de 1,2 milhões, o que compara com cerca de 70 mil no final de Março». Susana Peralta sublinha ao outro dado importante: «os sectores mais afectados pela crise são aqueles que as pessoas não puderam fazer a migração para o teletrabalho e têm comparativamente os salários mais baixos». Um resultado que confere com outro dado presente nas conclusões do relatório: «estudos não representativos mostram que as pessoas que se identificam com os mais pobres são as que reportam maior perda de rendimento». O título de uma recente entrevista de Susana Peralta ao jornal i, em que supostamente defenderia que era preciso taxar «a burguesia do teletrabalho», levantou uma tempestade nas redes sociais. A economista nega a simplificação, mas reafirma que são precisos recursos para combater o crescimento da pobreza e das desigualdades, e que cabe ao Estado a escolha política de onde ir buscar esse dinheiro. «Eu nunca disse que é para cobrarem apenas às pessoas que estão em teletrabalho. Aquela fórmula da “burguesia do teletrabalho” é uma imagem e pretende transmitir que houve uma determinada “tecnologia” de escapar a esta crise. Tal como a crise anterior tinha a fuga do biscate e do pequeno trabalho, e da emigração; nesta crise, o teletrabalho foi a escapatória», argumenta, acrescentando que «isso protege mais as pessoas com maior rendimento e com maior nível digital. E não faz nenhum sentido que essas pessoas não possam contribuir mais para as que perderam quase tudo». Para a economista, a escolha política não pode prescindir de taxar a totalidade dos rendimentos. Não nega a necessidade de conseguir que o capital pague a sua parte, mas relembra que há uma urgência em conseguir já os recursos necessários para combater os efeitos da crise. «Estamos neste momento numa situação de emergência social, e perante isto há duas formas de agir: ou o Governo se endivida e depois pensa, com tempo, num potencial imposto sobre a riqueza para poder ir buscar recursos aos mais ricos, que não têm estado a contribuir a sua justa parte. Ou usamos agora a máquina que temos para ir buscar dinheiro, que é a máquina dos impostos sobre o rendimento. E aí inclui-se o trabalho e capital, em sede de IRS e também de IRC», explica. É essa reforma sempre adiada de taxar devidamente o capital, que o professor auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais João Rodrigues afirma, ao AbrilAbril, ser cada vez mais necessária. Para isso é preciso conhecimento social e acção política. «O problema da esquerda é que conhece razoavelmente a pobreza, mas muito mal a riqueza para saber como são as formas mais eficientes de a taxar», ironiza. O investigador do CES sublinha a necessidade de uma política justa que possa minimizar os efeitos da crise pandémica. «Vivemos numa sociedade brutalmente desigual, em que há ricos a aforrar e a ver os seus activos valorizarem à boleia da política monetária europeia, que não tem tido direcção orçamental no sentido de aumentar o investimento público e, no fundo, acaba sobretudo por valorizar os activos financeiros. Tudo isto fazendo com que as desigualdades de riqueza estejam a crescer», afirma, juntando que para além de tudo isso, os sucessivos governos têm sido alérgicos a taxar a riqueza e o capital. «O PCP e o BE insistem e bem que é necessário o englobamento de todos os rendimentos, em pé de igualdade, para efeitos de IRS. Para além disso, é preciso pensar na criação de outras formas de impostos que possam onerar aqueles que têm muito património», defende o economista de Coimbra. O deputado comunista Bruno Dias está de acordo: «temos de ter um sistema fiscal que consiga ajudar a redistribuir a riqueza. Neste momento, os estudos internacionais demonstram que há um forte crescimento das desigualdades e da pobreza. Mesmo que só daqui a alguns anos seja possível quantificar o impacto da pandemia na pobreza e desigualdades em Portugal, é indesmentível que ela se tem acentuado». O deputado sublinha, ao AbrilAbril, propostas feitas pelo PCP para atalhar alguns aspectos mais gravosos desta crise, como a falência de muitas micro, pequenas e médias empresas e a defesa dos rendimentos de quem trabalha. Realça ter-se conseguido que, ao contrário do que aconteceu no primeiro confinamento, o lay-off seja igual ao salário do trabalhador, e a importância de garantir que os apoios cheguem atempadamente às pequenas empresas. «Uma coisa é disponibilizar e assegurar uma verba significativa para as micro e pequenas e médias empresas e outra coisa é mostrar o dinheiro e de facto ele chegar a essas empresas. Os apoios são comunicados com pompa e circunstância, mas depois verificou-se que as verbas não chegavam às empresas por dificuldades tremendas de acesso às linhas de apoio e por um conjunto muito grande e crescente de exigências burocráticas. Nós conseguimos aprovar uma medida de não discriminação para as micro, pequenas e médias empresas que permite que mais gente possa ter acesso a esses apoios, infelizmente ainda persistem muitos bloqueios para que se apoiem devidamente as pessoas», alerta. Por seu lado, a dirigente da CGTP-IN Andrea Araújo sublinha, em declarações ao AbrilAbril, a incidência da crise pandémica nas condições de vida de quem trabalhar e a necessidade de haver uma política que aumente os apoios sociais, e que se concentre, sobretudo, na defesa dos postos de trabalho. «As consequências, desta crise, para os trabalhadores e para as suas famílias ainda não estão totalmente calculadas. Mas, por aquilo que conhecemos, podemos dizer que as remunerações de muitos trabalhadores reduziram-se no ano 2020. De acordo com o relatório sobre salários da OIT, Portugal foi, dos 28 países europeus estudados, daqueles em que ocorreram as maiores perdas salariais no segundo trimestre de 2020». Para a sindicalista, a resposta governamental falhou nas prioridades: «desde o início que houve uma clara desproporção entre as medidas anunciadas para as empresas e as medidas tomadas para apoiar os trabalhadores e as famílias, com a agravante de se ter verificado, no que diz respeito às grandes empresas, um grande favorecimento em relação às micro e pequenas empresas. A CGTP-IN defendeu que era preciso actuar para preservar os postos de trabalho. O Governo deveria ter proibido todos os despedimentos e não o fez, o que levou a que nos primeiros meses fossem despedidos milhares de trabalhadores que se viram a braços com uma situação muito complicada, até porque mais de metade desses trabalhadores nem sequer tinha direito a prestações e apoios sociais. Tinha sido fundamental que o Estado exigisse às empresas que está a apoiar que não fizesse despedimentos». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Tendo em conta que está estipulado que, no final deste mês, termina o prazo das moratórias a créditos bancários relativos à compra de habitação, as instituições estão já a pressionar os devedores para que estes avaliem se terão dificuldades em pagar as prestações a partir do próximo dia 1 de Abril. O objectivo é de que estas instituições financeiras evitem um aumento do crédito malparado. Estima-se que esteja em causa a protecção, por via deste mecanismo das moratórias, de um total de sete mil milhões de euros em créditos privados, dos quais quatro mil milhões de euros são relativos empréstimos à compra de casa. A isto acresce que, no final de Junho, termina o prazo das moratórias privadas nos créditos ao consumo e outros fins, cujo montante protegido ascende três mil milhões de euros. E ainda o facto de que, no fim do mês de Setembro, acaba o prazo das moratórias públicas, que protegem 39 mil milhões de euros. Não obstante, a decisão sobre o seu eventual prolongamento depende da Autoridade Bancária Europeia (EBA), e esta ainda não se pronunciou sobre a questão. Ora, esta matéria é crucial para Portugal, que está em terceiro lugar na União Europeia (UE) entre os estados com um maior volume de moratórias concedidas, seguindo-se ao Chipre e à Hungria. Carlos Farinha Rodrigues, do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), é um dos maiores especialistas na investigação da pobreza e das desigualdades em Portugal. Em conversa com o AbrilAbril sublinha que é preciso ir além das políticas sociais e envolver todas as políticas públicas no combate a esses flagelos. Usamos certas metodologias e certos dados para avaliar oficialmente a pobreza. E esses dados geralmente têm um leque temporal de um ou dois anos. O Instituto Nacional de Estatística (INE) libertou, há pouco tempo, os dados mais recentes sobre a pobreza, mas esses números referem-se a 2019. O que esses indicadores mostravam era que a tendência decrescente das desigualdades e da pobreza se mantinham. Os dados de 2019, em muitos sectores, são os melhores dos últimos anos, alguns até os melhores desde que há estatísticas. Agora todos nós temos a sensação que isso não corresponde à situação actual. Temos um conjunto de indicadores indirectos e não oficiais que nos permitem dizer que, indiscutivelmente, a desigualdade e a pobreza estão a aumentar durante a pandemia. Nós temos indicadores do recurso às instituições de solidariedade social, como a Caritas e o Banco Alimentar, que evidenciam um aumento da pobreza e da procura crescente a estas instituições. Por outro lado, em termos de desigualdades, basta vermos que esta crise não está a atingir de igual forma todos os sectores: por exemplo, os funcionários públicos e os pensionistas não têm sofrido cortes em termos de rendimento, mas há outros sectores que viram praticamente os seus rendimentos destruídos. Por isso, apesar de não haver dados oficiais, não tenho dúvidas em afirmar que a pobreza e as desigualdades aumentaram muito com a pandemia. Conhecendo as relações entre pobreza e desemprego é possível prever que isso se verifique, apesar de parte dos impactos negativos ter sido absorvido pelas políticas públicas. Claro que sim. Assistimos, a nível europeu e nos países desenvolvidos, a uma desvalorização progressiva do factor trabalho. Em Portugal, mesmo num período em que houve uma diminuição das desigualdades até 2019, vê-se que mesmo assim a parte do trabalho nos rendimentos tem vindo a diminuir. Há outro aspecto importante, há hoje formas de precarização novas do trabalho que levam à desvalorização dos salários, como é o caso da uberização em vários sectores da economia. Neste momento ainda estamos muito ocupados com as medidas de emergência para acudir às consequências sociais da pandemia. Mas a partir daqui, temos de pensar num modelo de recuperação económica que seja inclusiva e que não deixe ninguém de fora. Em crises anteriores, em que houve austeridade, corte de salários e aumento de impostos, vimos que um dos factores que servia de amortecimento a esta perda acentuada de rendimentos foi novas formas informais de trabalho. O que aconteceu nesta pandemia é que parou tudo e esses sectores foram fortemente afectados. «Um dos desafios que temos de conseguir é trazer essas pessoas para o mercado trabalho normal, dando-lhe direitos e deveres» Há ainda um aspecto adicional que é extremamente negativo, é que são sectores que têm uma relação muito frágil com o mercado de trabalho ou simplesmente inexistente, e como consequência disso não têm sistemas de protecção social. Um dos desafios que temos de conseguir é trazer essas pessoas para o mercado trabalho normal, dando-lhe direitos e deveres. Assegurando que têm as suas contrapartidas. Há um segundo aspecto, que acho muito importante, que é as mutações que estão a existir no mercado de trabalho. Essas mudanças não começaram hoje, vinham de antes da pandemia, mas o que esta fez foi acelerar de uma forma radical certas formas que eram atípicas de trabalho. Se há dois anos me perguntassem o que eu achava do teletrabalho, eu não teria dúvidas em dizer que era algo que iria crescer na nossa economia, mas nunca me passaria pela cabeça que, em pouco tempo, seria maioritária em determinados sectores. É preciso perceber estas novas formas emergentes do mercado de trabalho, e elas exigem políticas públicas que tenham a flexibilidade suficiente para não deixar essas pessoas de fora. Estas novas formas de trabalho têm de ser regulamentadas em termos de protecção social e em sede fiscal. O que acontece, é que estas novas formas têm conseguido fugir às suas contrapartidas em termos de impostos. Há que garantir direitos e deveres a todos os que participam no mercado de trabalho e impedir a existência de abusos. Muitos dos problemas que decorrem da uberização passam pela inactividade das políticas públicas ou não impedirem determinadas situações. Não estando regulamentadas, não impedem as formas abusivas de trabalho. Isso exige uma resposta em várias partes. Sou da opinião que as políticas sociais são fundamentais para responder a situações de crise e de empobrecimento de determinados sectores da população. Acho que temos muito que fazer ao nível das políticas sociais. É preciso dizer que as políticas sociais só por si não resolvem o problema da pobreza ou das desigualdades de uma forma estrutural. Isto implica a actuação das políticas públicas no seu todo, englobando as políticas económicas. Se queremos combater estruturalmente as desigualdades temos de ir às fontes, e isso implica políticas públicas que não são só políticas sociais. É preciso reconhecer a importância das políticas sociais, mas saber que elas só por si não conseguem resolver todos os desequilíbrios. «as políticas sociais só por si não resolvem o problema da pobreza ou das desigualdades de uma forma estrutural» As políticas económicas devem promover o crescimento inclusivo e defender o trabalho nas suas várias formas. Uma segunda questão refere-se à forma como a nossa arquitectura de protecção social tem sido construída, e aí podemos ver duas coisas, a crise que estamos a passar demonstrou a importância das políticas públicas. A crise da Covid-19 fez com que largos sectores da população e do pensamento económico, que tinham barafustado contra o Estado Social, vão agora, durante algum tempo, estar calados. Se não fosse o Estado Social e as políticas públicas as consequências desta crise teriam sido trágicas. Se há uma diferença entre esta crise e a anterior (da Troika) é que, desta vez, houve uma atitude pró-activa das políticas públicas, tentando minorar os seus impactos, o que da outra vez não aconteceu, até pelo contrário. Não significa isso que as políticas que foram implementadas foram suficientes. Não foram. Mas de qualquer forma elas tentaram atenuar e, em alguns casos, terão conseguido adiar alguns dos piores desenvolvimentos. Agora, uma das características da nossa política social é que ela é muito fragmentada e devíamos ter políticas integradas que fossem mais eficientes no combate à pobreza e na afectação dos recursos. Temos uma miríade de políticas, a maioria delas com valores muito baixos que não permitem uma resposta eficaz. Nesse sentido, tenho defendido que precisamos de coordenar as políticas sociais dando-lhe consistência e integrando-as. Não podemos pensar que a política social vem só do Ministério da Segurança Social. É necessário que haja uma coordenação que tenham em conta a parte da Economia, Fiscalidade e Segurança Social. Em relação ao RSI, consiste numa medida que correspondia, há 20 anos, a uma nova forma de pensar as políticas sociais, conjugando os apoios financeiros às famílias com processos efectivos de inclusão social. Usando uma conhecida parábola: era preciso dar peixes porque as pessoas precisavam de comer, mas simultaneamente ensinar-lhes a pescar. Claramente, esta medida foi pensada com essas duas componentes e eu sempre defendi que se tirarmos esta componente de inclusão social, o RSI não passaria de um «subsidiozeco». O que aconteceu, é que ao longo dos anos houve vários ataques a esta medida, muitos deles da parte governamental, e a forma mais simples de combater este apoio social é desvalorizando esta segunda componente. E isso é feito de duas formas: ou deixando-a a navegar sem nenhum apoio efectivo ou dizendo que a inclusão na sociedade é a inclusão no mercado de trabalho. Aquilo que acontece é que para muitos isso será assim, mas para muitos outros isso passa sobretudo por outro tipo de medidas. Uma forma de valorizar esta medida é fazer com que ela se articule com outras políticas sociais dando-lhe meios. E também combater o estigma, que toda a direita e muitos governos fizeram, que foi associar esta medida a um apoio a quem supostamente não quer trabalhar ou, pior ainda, uma medida para os ciganos que não quereriam, alegadamente, trabalhar. Isso é desmentido pelos números e pela realidade, mas infelizmente esta ideia passou. Essa é uma questão que dava para estarmos quatro ou cinco dias a falar. Estamos a assistir ao desenvolvimento de sectores com a necessidade de utilização de menos recursos de trabalho. Mas a história mostra-nos que grande parte das inovações tecnológicas o que fizeram foi substituir certos tipos de trabalho por outros tipos de trabalho. Vejo com alguma desconfiança essa visão mais pessimista de perda abrupta do trabalho e do emprego. O que temos de perceber é que o trabalho vai existir de formas muito diferentes. Temos muita dificuldade em lidar com isso, tanto as políticas públicas, como até os sindicatos, não estão ainda preparados para isso. «Em vez de trabalharmos as mesmas horas e deitarmos parte dos trabalhadores para fora do mercado de trabalho, temos de trabalhar menos horas para que todos possam trabalhar» Nós temos de pugnar para que as novas formas signifiquem um reforço de direitos e não uma perda de direitos das pessoas que estão a trabalhar. Se olharmos para um horizonte de tempo maior, provavelmente as novas tecnologias vão permitir que trabalhemos menos horas por dia. Em vez de trabalharmos as mesmas horas e deitarmos parte dos trabalhadores para fora do mercado de trabalho, temos de trabalhar menos horas para que todos possam trabalhar. Temos de ter uma visão aberta para os novos desafios que as tecnologias nos colocam. Não poderemos parar a maré com um balde. É preciso uma transição que garanta que o surgimento dessas novas tecnologias seja acompanhado pelo reforço dos direitos das pessoas. Isso é essencial. Há um aspecto que ultimamente está na moda, a questão do Rendimento Básico Universal. Acompanhei isso desde os anos 90, quando estava em Inglaterra. Conheço alguns dos estudiosos e proponentes iniciais da ideia. Não tenho dúvidas que a formulação inicial era extremamente generosa. Agora o desenvolvimento que tem tido essa ideia leva-me a ter muitas reticências. Primeiro, grande parte dessas propostas tem implícito que isso substituiria o Estado Social. Acho que, como esta crise demonstrou, seria um gigantesco erro. Também tem exigências de financiamento que ainda ninguém é capaz ainda de quantificar. E esse é o outro problema. Terceiro, eu próprio tenho algumas questões éticas em relação a alguns dos princípios, como a ideia que todos nós devemos ter a liberdade de decidir se queremos trabalhar ou não trabalhar. É uma ideia atraente, mas é uma ideia perigosa. Parte de um conceito de liberdade que é exclusivamente individual. Para mim, a liberdade é algo que se constrói na relação com os outros. Acho que muitas pessoas que defendem o Rendimento Básico Universal acabam por defender a ideia que a sua liberdade é um valor supremo mesmo contra os outros. Claramente que aí não alinho. Um último aspecto, quando falamos no surgimento de novas formas de trabalho conjugado com o aparecimento de novas tecnologias, há um aspecto que é importante referir: tem de se pensar que muito do trabalho que é socialmente útil, não é valorizado pelo mercado e não é recompensado. Refiro-me a trabalhos como o de criar crianças, o doméstico e o de cuidar. Essa é uma fronteira que as políticas sociais têm de pensar em valorizar. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Recorde-se ainda que Portugal tem o prazo médio dos créditos moratórios mais elevado entre os estados-membros, situando-se nos 18 meses, contra uma média europeia de três a seis meses. Tendo em conta a complexidade do assunto e as repercussões no plano económico e social do País, o PCP agendou para o próximo dia 31 de Março uma discussão sobre esta matéria na Assembleia República. No conjunto de propostas em debate, estão medidas para reforçar os apoios às micro, pequenas e médias empresas, mas também o prolongamento e alargamento das moratórias bancárias. Os comunistas consideram que se vive um «momento em que a situação económica e social é ainda pior do que a que motivou a implementação destas moratórias», e alertam que «não estão criadas as condições para, em muitos casos, se iniciar a regularização dos créditos». Assim, o PCP propõe que as moratórias cujo período de carência termine no primeiro semestre de 2021 possam ser prorrogadas, nas mesmas condições, por mais seis meses, se assim for requerido pelo beneficiário. E também advogam que possam vir a ser criadas novas moratórias para créditos contraídos após o mês de Março de 2020. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Ainda não é certo que a medida passe mas, esta quarta-feira, o PSD, pela voz de Duarte Pacheco, anunciou viabiliza o projeto do PCP para prolongar as moratórias bancárias, ainda que tenha intenção de, na especialidade, limitar a sua duração ao período do estado de emergência e à concordância da Autoridade Bancária Europeia. Não obstante, a fundamentação dos sociais-democratas assenta na ideia de se defender a «estabilidade do sistema financeiro». Todavia, recorde-se, em audição parlamentar realizada ontem, Mário Centeno, governador do Banco de Portugal (BdP), recusa este cenário de prorrogação de moratórias e sugere que os bancos devem «trabalhar com os seus clientes», numa resposta «caso a caso». A concretizar-se esta sugestão do regulador, milhares de famílias e empresas ficariam desprotegidas perante uma negociação forçada por parte das instituições bancárias. Mário Centeno informou que as moratórias privadas do crédito à habitação recuaram 42%, num valor de 2,37 mil milhões de euros, até ao passado mês de Fevereiro. Ora, estes números revelam, por outro lado, que a maioria daqueles que beneficiaram até aqui das moratórias, ainda não estão em condições de prescindir delas, ou tê-las-iam levantado. O governador do BdP está ainda preocupado com o facto de que, na União Europeia, não estão previstas prorrogações de moratórias, defendendo que «Portugal não pode ficar isolado nesta dimensão». Mais uma vez, o regulador opta pela submissão ao que se passa no quadro comunitário, em detrimento de priviligiar respostas prementes à realidade e às dificuldades sociais e económicas vividas no País. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
Moratórias: «Só com normalidade na vida é possível pagar prestações»
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Prolongamento das moratórias bancárias em discussão
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Quando a pandemia ataca sobretudo quem trabalha
Uma crise que produz desigualdades
Buscar dinheiro a quem o tem
É preciso defender quem trabalha
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«As novas formas de trabalho têm de impedir a perda de direitos»
É possível dizer-se que existe um crescimento das desigualdades e da pobreza durante a pandemia?
Falou que havia sectores de trabalhadores que não foram tocados. Mas talvez mais desigual que isso tem sido o facto de, enquanto o trabalho continua a ser muito afectado pelas crises, haver valorizações dos activos de capital mesmo em plena crise, que não tem correspondido a igual valorização dos rendimentos de quem trabalha. Pode dizer-se que isso aumenta as desigualdades?
Como é que seria possível, em termos de políticas públicas, contrariar isso de uma forma estrutural e não apenas com subsídios sociais que são necessários para acudir as pessoas e as famílias a curto prazo?
Mas não são necessárias políticas públicas que regulamentem essas novas formas, como a uberização, e não permitam essa total precarização e exploração das pessoas? Políticas que tenham a coragem de contrariar estes gigantes das novas tecnologias que exploram milhões de pessoas sem assumir nenhuma relação e responsabilidade laboral em relação a elas?
Afirma muitas vezes que os apoios sociais, como o Rendimento Social de Inserção (RSI), são muito importantes e que infelizmente foram denegridos por parte da população. Diz ainda que o principal problema é que cumpram a sua função, o que significa que, num segundo momento, as pessoas conseguem refazer a sua vida e não ter a necessidade de receber ajudas sociais. O que falhou?
Uma pergunta final. Estamos num momento de desenvolvimento tecnológico em que há previsões, e já começa a verificar-se em alguns sectores, de uma diminuição do trabalho devido à automação e à inteligência artificial. Não terão de ser pensadas políticas sociais independentemente do trabalho? E estudadas formas de rendimentos mínimos universais? Se se concretizar, o que alguns prevêem, uma diminuição abruta e generalizada dos postos de trabalho?
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«A habitação é um bem social que as pessoas precisam e a resposta não pode ficar apenas na mão dos privados, da especulação, e haver apenas umas casas para respostas sociais, ficando toda a restante população que precisa de fora desse apoio», elucida. Razão pela qual, acrescenta, «temos todo este trabalho da estratégia e também esta pressão, junto do Governo e dos partidos, para que invertam políticas e para que a habitação esteja ao serviço das pessoas e da população».
Mas há ainda a negociação com os urbanizadores, para que parte das habitações que vierem a ser construídas possam estar também ao serviço da população a custos controlados.
O Município de Loures alerta igualmente para a necessidade de se rever a lei das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), por entender que dificulta a legalização destes bairros e, consequentemente, a sua recuperação. «Temos aqui também problemas relacionados com a nossa zona Norte, que é uma zona rural, que precisam de ser revistos pelo Governo e pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), de forma a podermos avançar com habitação para quem precisa nessas áreas», esclarece o vereador.
«O pão, a habitação»
Fruto da perda de rendimentos e do desemprego, em Abril havia cerca de 13 mil pessoas a receber apoio alimentar da rede social do Município, onde se incluem as instituições particulares de solidariedade social (IPSS). O número, admite Gonçalo Caroço, continua a crescer.
Apesar da crise decorrente da situação pandémica, PS e PSD chumbaram esta quarta-feira, na reunião da Câmara de Loures, uma proposta de apoio financeiro ao sector social e à economia local do concelho. Num comunicado enviado às redacções, a CDU critica a rejeição da proposta, que previa o apoio directo de 1,2 milhões de euros às instituições sociais do concelho de Loures, valor que estas estariam obrigadas a utilizar na aquisição de bens e serviços fornecidos pelas micro e pequenas empresas locais. O chumbo desta medida, reconhece a coligação PCP-PEV, «é um duro golpe» nas expectativas de muitas instituições, que «justamente pretendem que a Câmara Municipal mantenha e reforce o seu apoio num momento particularmente difícil para si e para as comunidades onde se inserem e desenvolvem o seu trabalho social». Ao mesmo tempo, sublinha que a actual crise económica e social exige a tomada de medidas de apoio extraordinário «que ajudem a mitigar os efeitos sociais já sentidos». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Local|
PS e PSD chumbam apoio ao sector social de Loures
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E, se por um lado falta pão para pôr na mesa, por outro, as famílias vêem-se a braços com enormes dificuldades para pagarem as suas rendas.
Mais uma vez suportado pelo orçamento da autarquia, está em curso um programa dedicado a aliviar as despesas de quem perdeu rendimentos à boleia da pandemia. As candidaturas a este programa de apoio ao arrendamento arrancaram em Abril e em Maio as pessoas começam a receber o apoio.
Gonçalo Caroço explica que, no mês que agora entra, voltará a haver candidaturas para este programa, que é de quatro meses. Ao fim dos quatro meses haverá mais dois para novas candidaturas. Entretanto, afirma, «estamos também a trabalhar para programas de apoio aos jovens e às vítimas de violência doméstica».
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