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Uruguai: o terror da ditadura plasmado num mapa interactivo

A busca de memória e verdade tem no portal Sitios de la Memoria Uruguay uma das suas trincheiras. Um recurso didáctico, construído à base de militância, com informação sobre vítimas, verdugos e processos.

Milhares de pessoas participaram na 24.ª Marcha do Silêncio, em Montevideu
Milhares de pessoas participaram na 24.ª Marcha do Silêncio, em Maio de 2019, em Montevideu Créditos / radiouruguay.uy

A punição dos verdugos da última ditadura, no Uruguai, continua a ser um processo lento e parcial, afirma o diário argentino Página 12 na sua edição de ontem. No entanto, a busca de memória e verdade foi criando os seus próprios caminhos, à força de militância.

Um deles plasmou-se no portal Sitios de Memoria Uruguay, onde se pode encontrar um mapa interactivo do país repleto de informação sobre cada lugar onde o terrorismo de Estado deixou a sua marca. «O objectivo do projecto é identificar, visibilizar, ligar e disponibilizar a informação sobre os locais a partir de onde se organizaram e cometeram crimes contra a humanidade», informa a página.

Território minado

Num primeiro momento foram alfinetes num mapa de papel. Esse foi o gérmen do Sitios de Memoria Uruguay, segundo contam ao Página 12 os criadores da página. Estava-se em 2018, no governo do recentemente falecido Tabaré Vázquez. O Congresso uruguaio tinha aprovado uma lei que possibilitava a criação de espaços da memória no país.

«Nessa altura começámos a pensar uma página que concretizasse a possibilidade de um mapeamento e uma geo-referenciação, incorporando informação significativa sobre as lutas por Memória, Verdade e Justiça», refere a investigadora Mariana Risso.

Uma vez traçado o plano, era preciso reunir os materiais. «Existiam muitas fontes dispersas que tinham sistematizado cada uma por seu lado a informação sobre cárceres de presos políticos, centros de detenção clandestinos, uma delas, muito importante, levada a cabo pela central sindical PIT-CNT. Aquilo que fizemos foi incorporar todas essas fontes num espaço interactivo», comenta Rodrigo Barbajo, líder da parte informática do projecto. A página viu a luz pela primeira vez a 1 de Outubro do ano passado.

Os alfinetes digitalizaram-se e agora aparecem como pontos coloridos num mapa virtual. «Uma pessoa pode procurar o seu bairro e descobrir que a poucos quarteirões da sua casa existiu um Centro Clandestino de Detenção e Tortura. Nós localizámos mais de 140 no mapa, quando apenas uns 40 estão identificados no seu lugar físico», conta María Eugenia Sotelo, outra das responsáveis do projecto.

Além disso, pode-se aceder ao ficheiro completo dos 176 uruguaios que continuam desaparecidos, bem como dos 192 que foram assassinados pela violência estatal no Uruguai, na Argentina e noutros países da região. «A maior parte das detenções e desaparecimentos de pessoas de nacionalidade uruguaia deu-se no contexto do Plano Condor, e desapareceram na Argentina», refere Risso. Em breve, o site publicará um apartado especial para as vítimas da acção repressiva coordenada pelas ditaduras do continente.

Outra característica do terrorismo de Estado uruguaio é que muitas das suas vítimas tiveram de atravessar períodos de prisão e torturas prolongados. «Isto fez com que a Amnistia Internacional informasse em 1978 que o Uruguai era o país com mais presos políticos por habitante. Aqui, houve pessoas que estiveram 12 ou 14 anos presas», diz Sotelo. Um deles foi o ex-presidente José «Pepe» Mujica, que, com outros dirigentes do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, sofreu tormentos físicos e psicológicos durante 13 anos.

Barreiras contra a verdade

Recolher a informação de fontes tão diversas era e é o grande desafio. Trata-se de informação que na maioria dos casos não está sistematizada. O Uruguai enfrentou múltiplas barreiras para começar a conhecer a verdade sobre os crimes cometidos pela ditadura liderada por Juan María Bordaberry em 1973, bem como sobre a acção ilegal do Estado durante o período que antecedeu o golpe.


«Os entraves judiciais foram sistemáticos e persistentes, apoiados em todos os governos, mais fortemente no período anterior à chegada da Frente Ampla ao poder», aponta Risso. Depois do regresso à democracia, em 1985, os militares uruguaios conseguiram a sua amnistia com a «Ley de Caducidad de la Pretensión Punitiva del Estado», aprovada em 1986 sob ameaça de um novo levantamento militar. «É uma lei sinistra porque ainda obrigava o Poder Judicial a perguntar ao Poder Executivo se podia julgar determinado crime contra a humanidade», defende a investigadora. Houve dois plebiscitos no Uruguai que tentaram acabar com esta lei. O de 1989 teve 42,4% dos votos, e o de 2009 alcançou 47,7%. Ou seja, nenhum conseguiu passar a barreira dos 50% para deitar abaixo a lei.

No entanto, em 2005, durante a primeira presidência de Vázquez, deu-se um primeiro passo para começar a julgar os militares. «O presidente permitiu que se investigassem os desaparecimentos forçados. Depois, em 2011, aprovaram-se leis que na prática acabam por revogar a "Ley de Caducidad"», diz Risso.

Desde 2011, teve início uma enorme reactivação de processos por tortura e prisão prolongada. Até à data, houve 281 processos no Uruguai e foram indiciados e/ou condenados 46 verdugos. Destes, 32 faziam parte das Forças Armadas. Só dois membros do governo civil da ditadura foram condenados. Um deles foi Bordaberry, condenado a 30 anos de prisão. Esteve preso desde 2006 até morrer, em 2011. A lista completa dos processos está disponível na página.

Nos últimos anos, no Uruguai, começou a ganhar maior visibilidade uma retórica militarista. Guido Mannini Ríos, ex-comandante em chefe do Exército, aparece à cabeça deste movimento que nega as atrocidades cometidas durante a ditadura. O seu partido, Cabildo Abierto, integra a Coalición Multicolor que levou à presidência Luis Lacalle Pou, em 2019. «É algo que, se sempre existiu, agora tem uma representação parlamentar muito forte, e no Poder Executivo. O horror tenta sistematicamente ser negado, como uma forma de que os seus executantes possam continuar a ter apoio político-social», defende Risso.

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