|Uruguai

Novamente questionado o posicionamento dos militares uruguaios sobre a ditadura

Com o 20 de Maio à porta, familiares de desaparecidos e Instituição Nacional de Direitos Humanos (INDH) abordam o «silêncio» dos militares sobre a repressão na ditadura (1973-1985).

Milhares de pessoas participaram na 24.ª Marcha do Silêncio, em Montevideu
Créditos / radiouruguay.uy

O presidente da INDH do Uruguai, Wilder Tayler, defendeu que «militares subalternos silenciam elementos sobre os detidos desaparecidos na ditadura por temerem perder as reformas».

Tayler referiu-se a esse «obstáculo» para a principal tarefa do organismo – dar com o paradeiro de cerca de 200 vítimas da ditadura no país – os desaparecidos –, no âmbito da operação Condor apoiada pelos Estados Unidos contra opositores de esquerda em vários regimes na América do Sul.

Em declarações ao programa «Mejor hablar», da rádio M24, Tayler afirmou que a estrutura das Forças Armadas está repleta de gente (de guardas a enfermeiros e a choferes) que se encontrava perto dos detidos desaparecidos.

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Familiares de desaparecidos no Uruguai exigem fim da impunidade

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos acusa as Forças Armadas de ocultar informação sobre atrocidades cometidas na ditadura (1973-85), ao apresentar novos documentos.

A associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos denuncia a impunidade dos militares que perdura no Uruguai e afirma que existe um poder paralelo ao democrático, o dos «generais que amparam a tortura e os crimes da ditadura»
Créditos / Prensa Latina

Um coronel preso por crimes na ditadura do Uruguai admitiu ter matado e torturado, e confirmou um voo clandestino com prisioneiros na Argentina que estavam desaparecidos, segundo documentos oficiais divulgados na sexta-feira passada.

«Tive de matar e matei e não me arrependo. Tive de torturar e torturei», disse o coronel reformado Gilberto Vázquez num Tribunal de Honra militar em 2006 e cujas actas foram agora reveladas, informa a agência AFP. «Perco muitas noites de sono ao lembrar-me dos tipos que matei à paulada, mas não me arrependo», acrescentou Vázquez, que foi condenado, há 14 anos, pelo homicídio de 28 uruguaios capturados em 1976 na Argentina.

Os autos do processo foram obtidos pela organização Mães e Familiares de Presos Uruguaios Desaparecidos, que os disponibilizou ao Senado. Entretanto, o organismo teve acesso a um segundo pacote de documentos, na sequência de um pedido efectuado ao Ministério da Defesa, deferido pelo ministro da tutela.

Neste segundo pacote, aparece uma carta de Gilberto Vázquez em que este admite ter sido felicitado por altas patentes militares por ter «executado numerosas pessoas, sequestrado e oprimido em vários países», revelaram representantes do organismo, esta terça-feira, numa conferência de imprensa em Montevideu.

Por isso, os Familiares dos Presos Desaparecidos pediram ao sistema político que dê «sinais claros» de que «os militares devem prestar contas à Justiça».

«Os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares»

O Tribunal de Honra Militar declarou Gilberto Vázquez culpado «por ter ofendido a honra [das Forças Armadas]», mas «não por todas as atrocidades que confessou no tribunal e na carta assinada», disse o porta-voz da associação, Ignacio Errandonea.

«Onde está a honra dos generais? A resposta do comando foi que se comunicaria oportunamente, quando a sua obrigação era denunciar imediatamente à Justiça. Estes generais continuam a esconder os factos à Justiça e hoje continuam a reclamar porque estes crimes caducaram porque passou muito tempo e são velhinhos», denunciou o dirigente.


Errandonea destacou que as Forças Armadas queriam combater estes documentos e que a «Justiça deve investigar tudo, a fundo». «Entendemos que o mais grave de tudo o que foi revelado nestes processos é o ocultamento, por parte das Forças Armadas, de todos os crimes que cometeram, o continuar a esconder os nossos familiares, porque, hoje em dia, os nossos familiares continuam a ser sequestrados pelos militares», frisou Errandonea, citado por La Diaria.

O porta-voz denunciou que, desde o fim da ditadura, houve sempre um poder paralelo ao democrático e que «os generais de agora continuam a amparar a impunidade e os crimes da ditadura».

Por seu lado, Elena Zaffaroni, outra dirigente da associação, lamentando a impunidade dos militares, que perdura e «nos envergonha», sublinhou a persistência da denúncia, bem como a tomada de consciência crescente entre as gerações mais novas.

Convidou ainda todos a participar numa concentração, esta sexta-feira, às 18h00, na Praça Libertad, na capital uruguaia, «com as fotos dos nossos desaparecidos», pelo fim da impunidade, pela verdade e por justiça.

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«Sabia-se tudo e nos centros de detenção também, mas o que acontece é que são bastante impermeáveis ao fornecimento de informação, devido ao espírito de corpo, à ideologia ou ao receio da estrutura hierárquica», destacou, citado pela Prensa Latina.

Considerou que, se é bastante difícil pensar em procurar arquivos em todas as instalações do Estado, poder-se-ia pensar em procurá-los nas unidades militares onde houve bases do Órgão Coordenador de Operações Anti-subversivas (OCOA), o que «já limita bastante o raio».

No que respeita aos arquivos recentemente encontrados em instalações militares, que foram entregues ao organismo pelo presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, e pelo ministro da Defesa, Javier García, disse que não trazem elementos que possam alterar o curso das investigações sobre detidos desaparecidos.

Familiares de desaparecidos também reclamam informação militar

Um representante da associação Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos durante a ditadura (1973-1985) sublinhou, no passado fim-de-semana, a falta de respostas do governo às iniciativas propostas com vista ao esclarecimento daquela etapa da história recente do país.

Há aproximadamente um ano, a associação pediu ao executivo que começasse a procurar no Comando da Região Militar Um um arquivo do OCOA, de modo a esclarecer questões sobre os desaparecidos.

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Justiça italiana condena 24 envolvidos na Operação Condor

Entre os condenados figuram políticos, ex-chefes de Estado e militares ligados ao assassinato, tortura e desaparecimento de italianos no Chile, Peru, Uruguai e Bolívia nos anos 70 e 80.

Milhares de pessoas na Marcha do Silêncio, em Montevideu CréditosSarah Yanez-Richards / EPA

A Justiça italiana condenou, esta segunda-feira, a prisão perpétua 24 envolvidos na Operação Condor. Entre os condenados estão ex-chefes de Estado, ministros e figuras destacadas dos serviços militares e de segurança de Bolívia, Chile, Peru e Uruguai, acusados de sequestrar e assassinar 23 cidadãos de origem italiana que viviam em países sul-americanos nas décadas de 1970 e 1980, informa a Agência Brasil.

A chamada Operação Condor foi uma estratégia político-militar da CIA em coordenação com ditaduras do Cone Sul, levada a cabo nos anos 70 e 80 do século passado com o propósito de coordenar a repressão sobre a oposição a essas ditaduras – no Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai – e eliminar os adversários políticos (dirigentes de partidos de esquerda, sindicalistas, manifestantes, entre outros).

Com a decisão ontem tomada, o Tribunal de Apelação de Roma alterou a sentença de primeira instância, proferida em 2017, de acordo com a qual oito réus eram condenados a prisão perpétua e 19 eram absolvidos, por delitos prescritos.

O processo teve início há 20 anos, em 1999, com a denúncia, formulada em Itália, de familiares de desaparecidos. Inicialmente, a investigação incluía 140 pessoas, mas problemas burocráticos ligados à morte de muitos dos suspeitos reduziram o número de réus, refere a Agência Brasil.

Um dos condenados é o ex-militar uruguaio Jorge Néstor Troccoli, que foi o único a comparecer ao julgamento, uma vez que também tem nacionalidade italiana e reside no país transalpino desde 2007, quando fugiu do Uruguai, depois de ter confessado o seu envolvimento em torturas.


Troccoli, chefe do serviço de inteligência do Corpo de Fuzileiros Navais do Uruguai, foi acusado de ligação ao aparelho de repressão argentino, com o qual executava o planeamento de assassinatos. Em Abril deste ano, o governo uruguaio enviou à Justiça italiana informações de acordo com as quais Troccoli teria participado na organização de um voo que levou ao desaparecimento de 22 uruguaios.

Em primeira instância foram condenadas a pena perpétua o ditador boliviano Luis García Meza, falecido em Abril de 2018, e o seu ministro do Interior, Luis Arce Gómez. Também o antigo presidente peruano Francisco Morales Bermúdez, o seu primeiro-ministro, Pedro Richter Prada, falecido em Julho de 2017, o ex-militar peruano Germán Ruiz. Ainda os chilenos Hernán Ramírez e Rafael Ahumada Valderrama, e o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros uruguaio Juan Carlos Blanco.

A estes, juntam-se agora os ex-militares chilenos Pedro Octavio Espinoza Bravo, Daniel Aguirre Mora, Carlos Luco Astroza, Orlando Moreno Vásquez e Manuel Abraham Vásquez Chauan, indica o Resumen Latinoamericano.

Foram também condenados os ex-militares uruguaios José Ricardo Arab, José Nino Gavazzo, Juan Carlos Larcebeau, Pedro Antonio Mato, Luis Alfredo Maurente, Ricardo José Medina, Ernesto Avelino Ramas Pereira, José Sande Lima, Jorge Alberto Silveira, Ernesto Soca e Gilberto Vázquez.

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O familiar defendeu que ali existia informação, na medida em que o OCOA centralizava todas as operações de repressão de outras unidades, por vezes policiais, principalmente em Montevideu e Canelones.

De acordo com o semanário Brecha, o silêncio presidencial ao pedido feito pelo familiar pode ficar a dever-se às reacções que provocou nos diversos níveis das Forças Armadas.

«O problema da documentação sobre o terrorismo de Estado é tão hermético como um pacto de silêncio dos oficiais envolvidos», disse, acrescentando que o governo, mesmo com vontade de avançar, «não tem, pelo menos agora, força suficiente para derrubar muros».

A 20 de Maio, 26.ª Marcha do Silêncio

Em contexto de pandemia de Covid-19, a 26.ª edição da Marcha do Silêncio, que se realizou pela primeira vez em 1996, assume um formato mais virtual, mas também com «corredores» nas ruas de Montevideu, e tem como lema «Onde estão? Não ao silêncio nem à impunidade. Memória, Verdade e Justiça».

Organizada pela associação Mães e Familiares de Uruguaios Detidos e Desaparecidos, a Marcha do Silêncio também se realiza noutros pontos do país austral e evoca os assassinatos, perpetrados a 20 de Maio de 1976 em Buenos Aires, do senador da Frente Ampla Zelmar Michelini, do deputado do Partido Nacional Héctor Gutiérrez Ruiz e de Rosario Barredo e William Whitelaw, bem como o desaparecimento do comunista Manuel Liberoff, a 19 de Maio de 1976, também na capital argentina.

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