Na terça-feira, centenas de residentes da Indira Colony, em conjunto com representantes de partidos de esquerda na Índia, realizaram um protesto contra a demolição anunciada das suas casas, frente à residência do ministro-chefe de Déli.
A este propósito, o portal deshabhimani.com refere que se trata do mais recente protesto dos que têm tido lugar na capital e por todo o país contra «a política urbana agressiva do governo do BJP [partido de Narendra Modi]».
Apesar das críticas generalizadas a esta política, o governo central, liderado pelo BJP, e os estados onde esse partido governa têm levado por diante demolições em grande escala, muitas vezes sem aviso ou sem alternativas para os moradores, refere o portal, sublinhando que tais demolições atingem de forma desproporcional os pobres e violam os seus direitos constitucionais.
Demolições e o direito à cidade
Num texto de opinião que o Newsclick divulgou este mês – «Politics of Demolitions and Right to City» (política de demolições e direito à cidade) –, Shirin Akhter e C. Saratchand, professores da Universidade de Déli, abordam esta vaga de demolições em meses recentes, um período em que «os bulldozers se tornaram uma visão comum na paisagem urbana da Índia, […] como agentes do projecto neoliberal».
Em vários pontos do país, afirmam, «uma nova ordem urbana está a ser imposta impunemente pela ordem neofascista: uma ordem onde a "legalidade" é invocada selectivamente, onde o interesse público é uma máscara e onde a própria existência dos trabalhadores pobres é criminalizada».
Aos autores, não escapa o apoio da imprensa ao serviço do regime («Godi Media») a esta vaga de demolições transformada num espectáculo, nem a natureza profundamente sectária que a caracteriza.
«Em vários estados, como Déli, Gujarate e Uttar Pradesh, os governos estaduais liderados pelo Partido Bharatiya Janata [BJP] têm realizado campanhas de demolição com um vigor sem precedentes, muitas vezes visando localidades informais de maioria muçulmana ou locais com significado cultural e religioso», afirmam.
Demolições, acumulação de capital e gentrificação
No entanto, «a alienação geográfica dos muçulmanos» não serve por si só de justificação à «urbanidade neofascista», no entender dos dois autores, que encaram um ataque mais amplo aos trabalhadores, visando impulsionar a acumulação de capital.
Num subcapítulo intitulado «Cidades sem cidadãos: política económica de deslocação», sublinham a necessidade de ver as demolições para além do acto físico de remoção, de modo a não «ignorar as suas implicações mais profundas».
Em seu entender, trata-se de «um instrumento estrutural que alimenta a desigualdade e aumenta a precariedade de três formas interligadas»: quebrar a economia informal inserida nos bairros para enriquecer os monopólios de distribuição digital; expandir a precariedade e reduzir os salários dos trabalhadores deslocados à força, sem abrigo e sem emprego, promovendo uma «corrida para o fundo do poço»; gentrificar os espaços «limpos» de pobres, onde aparecem apartamentos de luxo, condomínios fechados e espaços de escritórios, num processo ligado à acumulação de capital.
A luta pelo direito à cidade
Neste contexto, Akhter e Saratchand destacam a luta e a resistência populares contra a «ordem urbana neofascista», onde os moradores se estão a organizar contra os despejos, a realizar manifestações e a levar casos a tribunal, reclamando o seu «direito à cidade» e denunciando a falta de avisos e a ausência de planos de reabilitação, bem como o facto de serem alvos selectivos.
Os autores enfatizam a necessidade de uma política alternativa à imposta pela actual ordem neoliberal e neofascista, no cerne da qual deve estar a reabilitação e a requalificação dos bairros onde vivem os trabalhadores e as camadas mais pobres.
A implementação de políticas públicas de habitação visa elevar a qualidade de vida dos trabalhadores, nomeadamente ao manter a proximidade destes aos empregos, às escolas e aos hospitais.
O objectivo das políticas públicas de habitação e de reabilitação é também o de «evitar a criação de guetos nas periferias que agravam a marginalização», criando empregos e afirmando a habitação como um direito.
Para os autores, é esta política alternativa, em conjunto com a resistência popular, que será capaz de fazer frente a uma «urbanidade neofascista» que procura correr com os trabalhadores para espaços marginais, longe das «cidades gentrificadas para o capital».
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