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Alfabetização: «Se não fosse vocês, eu não estaria aqui lendo esta carta»

Com o método cubano «Sim, Eu Posso», a primeira turma de alfabetização de jovens e adultos em Porto Alegre (Sul do Brasil) começou a ser formada em Janeiro. No sábado, houve festa de fim de curso.

A educadora Alexia Nunes (ao centro) com os seus formandos Natália dos Reis Souza e Altino Vieira Padilha, em Porto Alegre CréditosJorge Leão / Brasil de Fato

«Porto Alegre, dia 1º de agosto de 2025. Venho através dessas poucas palavras para agradecer a todos que participaram do projeto Sim, Eu Posso. Se não fosse vocês, eu não estaria aqui lendo esta carta», declarou, emocionada, a vendedora Natália dos Reis Souza, de 57 anos, durante a cerimónia de formatura, realizada este sábado.

Moradora na Vila Pedreira há 40 anos, Natália integrou a primeira turma de alfabetização de jovens e adultos de Porto Alegre com o método cubano «Sim, Eu Posso», que começou a trabalhar em Janeiro deste ano, indica o Brasil de Fato.

Com ela, estava o também formando Altino Vieira Padilha, que relembrou a importância desta conquista: «Esse projeto é muito importante para mim, porque eu não sabia ler e escrever. Uma colega minha me convidou pra estudar. Eu disse que estava muito velho. Ela respondeu: ‘Não, cara, não tem idade pra aprender’. Aí comecei.»

«Foi muito importante pra mim», reforçou Padilha, que mostrou vontade de, agora, fazer um curso de computador, depois de ter passado por momentos de desânimo.

«Às vezes pensava que não ia aprender, mas algo dizia: não desista. Hoje estudo aqui de tarde e também lá, à noite. É muito importante pra gente aprender a ler e escrever. Antes, eu tinha que pedir pra minha irmã ou pro meu sobrinho ler as coisas, e eles não queriam. Me sentia mal. Agora eu insisto. Insisto porque sei que posso», afirmou.

A organização desta primeira turma foi realizada pelo Fórum Social das Periferias com a Associação Cultural José Martí do RS, e implementada conjuntamente com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Associação dos Moradores Força Maior da Vila Pedreira, o Levante Popular da Juventude, a Organização Olufé, a Esperançar, entre outros parceiros.

Alfabetização transforma vidas e fortalece comunidades

Para a educadora Alexia Nunes, estudante de Pedagogia e voluntária no projecto desde a sua concepção, a alfabetização transforma vidas. «Participo do projeto desde o início, lá na ideia de trazer ele pra Pedreira, pertinho da minha vila, a Barracão. Isso me fez refletir sobre a importância da alfabetização. Minha bisa não é alfabetizada e tentei trazê-la, mas ela acha que já passou o tempo», disse ao Brasil de Fato.

Em 2024, o Brasil registava 9,1 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais, uma taxa de 5,3%, segundo divulgou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre os idosos (60 anos ou mais), o índice nacional é de 14,9%, mostrando que o desafio persiste. O Rio Grande do Sul destaca-se com um dos melhores resultados do país: 2,4% de analfabetismo entre a população com mais de 15 anos.

«Olhando o seu Altino e a dona Natália, vejo que nunca é tarde. Sempre é tempo de estudar. Ver eles comemorando cada frase escrita mostra isso. O método é eficaz. Com acolhimento e atenção, eles vão longe. O seu Altino, por exemplo, conseguiu pular de turma na escola regular no fim do ano passado», disse Nunes.

Na mesma linha, o educador Alexandre Cordeiro reforçou a potência do método e o impacto colectivo da iniciativa. «O "Sim, Eu Posso!" é maravilhoso. A gente conseguiu implantar aqui na Associação Força Maior da Pedreira. Eu mesmo não conhecia, fui me formar e fazer o curso sobre ele. Somos pessoas da comunidade, conhecemos a realidade de quem não teve oportunidade de se alfabetizar na infância», declarou.

Cordeiro explicou ainda que o método parte da realidade dos alunos e utiliza uma abordagem que associa letras a números para facilitar a aprendizagem. «Começamos com dois alunos e conseguimos expandir para mais três associações, com quase 30 alunos hoje. E estamos levando para outros espaços, inclusive o presídio, onde trabalho com nove senhoras e abrimos uma turma de reforço. É contagiante», disse.

Método eficaz e compromisso com a educação popular

O método de ensino «Yo sí Puedo» (Sim, eu posso) foi criado por um grupo de pedagogos cubanos, liderados por Leonela Inés Relys Díaz, que desenvolveram uma campanha de alfabetização pela rádio no Haiti em 2001, e que posteriormente o adaptaram a diferentes realidades sociais e línguas.

Com este método, foram alfabetizadas quase 11 milhões de pessoas em mais de 30 países. Pioneiro na implementação do método no Brasil, o MST estima que mais de 100 mil pessoas tenham sido alfabetizadas através do «Sim, Eu Posso!» no país sul-americano.

A este propósito, Juliane Soares Ribeiro, militante do MST e do Coletivo Estadual de Educação, sublinhou que o «Sim, Eu Posso!» é uma ferramenta potente para enfrentar o analfabetismo no Brasil.

«Tenho participado do acompanhamento das turmas aqui no Rio Grande do Sul, e a gente sabe que, em nível nacional, ainda temos um número expressivo de pessoas que não tiveram acesso à escolarização. Nesse sentido, estamos empenhados em espraiar o método "Sim, Eu Posso!" por diferentes territórios, tanto nos da reforma agrária quanto nos espaços urbanos», afirmou.

Soares destacou a experiência desenvolvida nas periferias de Porto Alegre, que já conta com quatro turmas activas, bem como a eficácia do método, que alfabetiza em quatro a cinco meses.

«Hoje tivemos a prova disso ao ver nossos educandos lendo suas cartas. É muito motivador e emocionante perceber a potencialidade desse trabalho coletivo, que envolve diversas pessoas, associações e educadores, construindo um mundo mais justo e solidário, com a educação popular ocupando um lugar de destaque», frisou.

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