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As greves gerais «são sempre à sexta-feira»?

Em 11 greves gerais realizadas no nosso país, só uma foi à sexta-feira. A primeira, em 1982.

CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

O título é da CNN, «Patrões reagem: "Até estranhamos que não tenham marcado a greve geral para sexta-feira, como é habitual"» a frase é de Ana Vieira, secretária-geral da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal. Mas não é verdade. 

A importância de demonstrar a falsidade desta mentira é porque é fácil fazê-lo. Não exige aturadas investigações, um conhecimento aprofundado da realidade económica e social do País ou conhecimentos mínimos seja do que for. Basta ir à Internet, usar o motor de busca, listar as greves gerais realizadas em Portugal desde 1974, e verificar o dia do calendário de cada uma. 

A lista das greves gerais, assinalando o dia em que a mesma se realizou:

* 12 de Fevereiro de 1982 – sexta-feira

* 11 de Maio 1982 – terça-feira

* 28 de Março 1988 – segunda-feira

* 10 de Dezembro 2002 – terça-feira

* 30 de Maio 2007 – quarta-feira

* 24 de Novembro 2010 – quarta-feira

* 24 de Novembro de 2011 – quinta-feira

* 22 de Março de 2012 – quinta-feira

* 14 de Novembro de 2012 – quarta-feira

* 27 de Junho de 2013 – quinta-feira

* 11 de Dezembro 2025 – quinta-feira

Ou seja, em 11 greves gerais, só uma foi à sexta-feira. A primeira, em 1982. A frase de Ana Vieira foi verdadeira durante três meses e é falsa desde 11 de Maio de 1982, há mais de 44 anos. Seria igualmente falsa, mas menos falsa, a frase «A greve geral é habitualmente a 24 de Novembro», pois isso já aconteceu duas vezes, enquanto que greves gerais à sexta-feira só aconteceu uma vez.

E, no entanto, nenhum jornalista ou editor da CNN se deu ao trabalho de apurar se a frase era verdadeira e levou-a para o título, contribuindo assim para a desinformação. E a razão porque a frase funciona é exactamente pela sistemática difusão da mentira e do preconceito. Faz tudo parte do mecanismo de desinformação. 

O facto de as greves gerais não serem, normalmente, à sexta-feira, é uma comprovação de que o preconceito é falso. O que está por detrás da ideia de que «as greves gerais normalmente são à sexta-feira»? O preconceito de que quem faz greve não quer trabalhar. Mas as greves fazem-se, preferencialmente, no local de trabalho e nos piquetes, a proteger o direito de os trabalhadores mais fragilizados fazerem greve, apesar das ameaças do patronato.

Uma das formas de dominação – ideológica – da burguesia é esta sua capacidade de semear o preconceito no seio do povo, um preconceito contra si próprio. E é por isso que a frase de Ana Vieira, apesar de errada, parece plausível a tanta gente.

De resto, não há qualquer razão para que uma greve geral não possa ser realizada à sexta-feira. Ela simplesmente não costuma ser à sexta-feira, porque quem as marca – a CGTP-IN – tem decidido quase sempre que outro dia seria mais adequado. O mais provável é que algum dia se volte a realizar uma greve geral a uma sexta-feira – nessa altura ouviremos algo do género «eu sabia, sempre à sexta-feira». Mas continuará a ser o preconceito a falar, e continuará a ser mentira.

Ana Vieira também alegou, por exemplo, «inflexibilidade das centrais sindicais em negociar com o Governo», mas desmontar este argumento já exige mais, designadamente, mostrar que as 100 propostas do Governo servem todas o patronato; que, para o Governo e as patronais, «negociar» é discutir se o Código do Trabalho será agravado em 100, em 80 ou em 50 pontos, sem admitir a discussão de  medidas que melhorem a lei para os trabalhadores. Entretanto, o facto de a greve geral desta quinta-feira ter sido um sucesso serviu para o Governo de Montenegro perceber que não consegue aprovar o seu pacote laboral sem o maquilhar um pouco. 

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