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Cinco mitos em torno da greve geral

Já se sabe que o Governo funciona com o auxílio de uma empresa de comunicação e no ataque à greve geral a narrativa oficial não faltou à chamada. O AbrilAbril responde aos mitos que o Executivo de Luís Montenegro quer veicular.

CréditosEstela Silva / Agência Lusa

Cada vez que o Governo é questionado, surge uma narrativa que visa distorcer a realidade. Vários são os exemplos, porém o actual momento pode ajudar a evidenciar a linha comunicacional que sai do Governo para atacar a greve geral e, desta forma, descredibilizar uma forma de luta legítima que surge como resposta à declaração de guerra que foi feita com a proposta de pacote laboral.

Mito 1: «As greves não conseguem mudar políticas governamentais»

Quem a defende como «inútil» raramente considera o que ela significa para quem a faz. Inserir este elemento é decisivo para mostrar que a greve não é um capricho, mas um acto de profunda coragem dos trabalhadores, o último recurso face a uma ofensiva. 

Uma greve não é um feriado. É um sacrifício calculado. Para a grande maioria dos trabalhadores aderir a uma greve significa, perder um dia de salário, num contexto de inflação e aumento do custo de vida elevado, e arriscar pressões ou retaliações no local de trabalho. Há um evidente custo para o trabalhador, o que evidencia o sacrifício tomado na luta. 

O facto de centenas de milhares de trabalhadores estarem dispostos a pagar esse preço é a prova mais tangível de que a situação que enfrentam: a estagnação salarial, a precariedade, o colapso dos serviços públicos.Tudo isto é considerado mais grave e mais custoso do que o sacrifício de um dia de vencimento.

As greves gerais não são a primeira opção; são a última. Elas acontecem quando os canais normais de negociação se esgotam. No caso de dia 11 de Dezembro, esta greve não surgiu do vácuo, segue-se da intransigência do Governo que quer aprovar à força uma legislação que só favorece as grande empresas.

Um patamar de luta tão elevado como a greve geral obriga o Governo a ceder, dado os impactos que dela resultam. Com uma paralisação nacional fica evidente que o país só avança com os trabalhadores. Caso houvesse uma greve de patrões, todo o país continuaria a funcionar com normalidade. É por esta razão que o trabalho e os trabalhadores devem ser valorizados, algo que não acontecerá com a aprovação do pacote laboral.

Mito 2: «O pacote laboral moderniza as relações de trabalho e beneficia os trabalhadores ao criar mais emprego»

Esta narrativa assenta numa promessa futura e difusa de «mais trabalho», «mais produtividade» ou «melhores salários» para justificar perdas concretas e imediatas em direitos e segurança.

A lógica central do pacote é «flexibilizar» o mercado de trabalho. Na prática isto significa transferir mais riscos das empresa para o trabalhador e concentrar mais poder negocial no patronato. Não é uma modernização neutra, é uma escolha política por um modelo específico.

O pacote laboral é estruturalmente benéfico para o grande patronato, pois reduz custos de despedimento, facilita ainda mais a precariedade e ataca directamente a contratação colectiva. Para o trabalhador individual, oferece apenas a promessa hipotética de que, no futuro, num mercado mais «flexível», talvez seja mais fácil arranjar um emprego. A verdade é que no imediato o trabalho e os trabalhadores ficam mais inseguros, será aplicado um modelo de baixos salários e o dia de amanhã passa a ser uma incógnita.

Mito 3: «Uma greve geral prejudica apenas os cidadãos comuns e a economia»

Este é o argumento mais comum, mas ignora a lógica de uma greve. O tal «prejuízo» é um mecanismo de pressão. Demonstra de forma tangível a dependência da sociedade no trabalho das pessoas. O objectivo é mostrar que, se essas pessoas pararem, o país pára. Isso gera um custo político para o Governo, que é visto como incapaz de gerir o descontentamento social ou de garantir o funcionamento normal dos serviços.

A paralisação económica é precisamente o sinal de alarme. Mostra que a insatisfação dos trabalhadores tem um peso económico real e que a crise de custo de vida está a afectar a produtividade e a coesão social.

Mito 4: «São sempre as mesmas pessoas e sindicatos, não representam os trabalhadores»

Uma greve geral convocada pelas duas centrais sindicais representa uma frente ampla e rara. A convergência entre elas indica um mal-estar transversal e assenta num movimento reivindicativo crescente. Plenários, cadernos reivindicativos, concentrações, greves ou manifestações têm-se multiplicado à medida que as condições de vida dos trabalhadores se vão deteriorando. 

A greve geral de 11 de Dezembro é precisamente acompanhada por várias estruturas representativas dos trabalhadores, algumas das quais que não integram nenhuma central sindical, como é exemplo o Sindicato dos Jornalistas ou a Federação Nacional dos Médicos (FNAM); abrange os sectores público, privado e social; nela participarão jovens e idosos, do norte ao sul do país; incluirá funções críticas como enfermeiros, professores, operários, funcionários judiciários e da administração pública.

A adesão é voluntária e diversificada. Quem pára no dia 11 fá-lo por sentir que as suas condições de vida e trabalho estão já más e com o pacote laboral vão piorar. É um termómetro do descontentamento real na sociedade.

Mito 5: «Esta greve é política e partidária»

A narrativa governamental frequentemente tenta deslegitimar a greve, insinuando que ela é um «jogo político» de partidos da oposição ou uma manobra sindical, distanciando-a assim das «verdadeiras preocupações dos trabalhadores». É um esforço para desmobilizar, sugerindo que quem adere está a ser instrumentalizado.

Quando os trabalhadores se defendem de uma mudança política como o pacote laboral, que ataca os seus direitos, a sua resposta é, por definição, política. Negar isto é fingir que as relações laborais existem num vácuo, fora da esfera das decisões governamentais.

A tentativa de rotular a greve como «política» (no sentido pejorativo) parte do pressuposto falso de que o governo e as suas leis são neutros, técnicos e apartidários. Isso é ilusório. O pacote laboral é, também, uma escolha política. Escolheu-se facilitar os despedimentos, escolheu-se alterar regras de compensação, escolheu-se um novo equilíbrio de poder nas empresas. Se é legítimo ao Governo fazer política a favor do patronato, é igualmente legítimo que os trabalhadores, através da greve, façam política a favor da sua visão.

O Governo tenta colar a etiqueta de «partidária» para dividir os trabalhadores. A verdade é que uma boa parte dos trabalhadores que farão greve também votaram na AD nas passadas eleições legislativas. Com isto, o Governo está a procurar deslegitimar as reivindicações de quem trabalha. 
 

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