Há coincidências que parecem saídas de um sketch de humor negro.
Assinala-se o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres e, neste momento, discutimos o Pacote Laboral «Trabalho XXI» – um brutal ataque às mulheres trabalhadoras – e o Orçamento do Estado para 2026, onde os direitos das aparecem apenas como nota de rodapé.
Se alguém quisesse demonstrar como a violência também se constrói por decisões políticas, não encontraria alinhamento mais expressivo. De um lado, temos o Governo com discursos de condenação, planos de igualdade, campanhas institucionais; do outro, propostas que aprofundam baixos salários, vínculos precários, desregulação de horários, desproteção no emprego, falta de habitação acessível e desinvestimento nos serviços públicos. Condições que empurram as mulheres para vidas sem autodeterminação e onde a violência é muitas vezes inescapável.
Ironias à parte, o contraste é demasiado evidente para ser ignorado, até porque a violência não se resume ao que acontece entre quatro paredes; também se escreve nos orçamentos, nas opções políticas e nas leis que determinam o quotidiano de todas nós.
A violência contra as mulheres é tudo o que prende, torce, condiciona. Mas, a conversa oficial limita-se ao óbvio: agressões e denúncias (não se pretende desvalorizar, mas realçar as contradições), desconsiderando que a violência está em todo o lado: na prostituição, na pornografia, pressão e chantagem no trabalho, no: «senão queres, há quem queira», «teres filhos não é um problema da empresa», está nos despedimentos por gravidez, nas carreiras vedadas por maternidade, nos horários de trabalho desregulados.
E está – com uma nitidez irritante – na discriminação salarial que, todos os anos, o Dia Nacional da Igualdade Salarial recorda.
Como o MDM [Movimento Democrático de Mulheres] denunciou na sua tomada de posição, a discriminação salarial resulta da exploração, da precariedade, do desrespeito pelos direitos de maternidade, da feminização dos vínculos precários. Disfarça-se com estereótipos, mas a raiz é política: os governos preferem a retórica da igualdade às medidas estruturais que a garantiriam, porque há quem lucre com a discriminação.
A persistência de várias formas de violência está, também, naquilo que o Governo escolhe não fazer: falta de habitação, salários de miséria, precariedade permanente – nada disso é fatalidade. É uma escolha política que transforma a dependência económica das mulheres numa forma de violência.
Entre orçamentos e pacotes laborais, o Governo eterniza desigualdades e violência.
Ah, o famoso pacote. O da flexibilidade, mas que na prática significa exploração brutal, traduz-se, diretamente, em mais vulnerabilidade e mais violência sobre as mulheres.
Num país onde as mulheres são maioria nos trabalhos precários, onde os salários médios são baixos e o das mulheres ainda mais, onde as mulheres trabalhadoras estão sobretudo em setores mal pagos, precários e com horários desregulados, precarizar, desproteger, isolar mais é, literalmente, aprofundar a violência. Não é figura de estilo. É consequência direta.
Enquanto isso, no Orçamento do Estado cabem todas as prioridades menos aquelas que poderiam garantir que as mulheres deixassem de viver encurraladas entre salários curtos e rendas impossíveis e serviços públicos sem capacidade de resposta.
A intervenção do Governo – ao nível do OE e da legislação laboral – deveria ter como objetivo a prevenção da violência, além de assegurar os meios e recursos públicos necessários para que as mulheres se libertem dela. São, pelo contrário, mecanismos que reproduzem vulnerabilidade, desigualdade e violência
O rolo compressor destas políticas esmaga-nos todos os dias e, para rematar, ainda ouvimos que a culpa é nossa: não corremos depressa, não nos empoderámos, não nos reinventámos. Esquecem-se que ninguém se liberta da exploração com slogans, nem se escapa da violência sem direitos, sem prevenção e sem políticas que coloquem a vida com direitos no centro.
«Enquanto isso, no Orçamento do Estado cabem todas as prioridades menos aquelas que poderiam garantir que as mulheres deixassem de viver encurraladas entre salários curtos e rendas impossíveis e serviços públicos sem capacidade de resposta.»
O que queremos é simples: direitos que existam na prática, não apenas no papel.
Queremos salários que permitam viver e romper ciclos e relações violentas.
Queremos habitação que não sugue metade da vida de quem trabalha.
Queremos creches, lares, respostas sociais públicas que libertem tempo, energia e autonomia.
Queremos cuidados de saúde dignos e acesso aos direitos sexuais e reprodutivos.
Queremos educação sexual, igualdade desde a infância, combate às representações violentas.
Queremos o reconhecimento da prostituição como violência e programas de saída que garantam emprego, saúde, habitação e proteção social às mulheres em situação de prostituição.
Queremos justiça que chegue a horas e proteção efetiva às vítimas.
Queremos paz – porque nenhuma guerra é justa para quem a vive.
Queremos um país onde as políticas públicas não sejam cúmplices por omissão.
25 de novembro: não vamos só lembrar. Vamos exigir.
Por isso, o MDM apela a todas as mulheres a afirmar: se a violência contra as mulheres não conhece limites, então somos nós que os traçamos. Vamos estar na rua, na luta por uma vida vivida sem violência.
Aderir à Greve Geral a 11 de dezembro é, também, transformar o 25 de novembro em mais do que uma data, mas uma consequência da nossa luta.
Prevenir a violência exige: estabilidade, direitos, salários dignos, serviços públicos capazes de assegurar respostas estruturadas, habitação acessível. Exigimos políticas que permitam às mulheres sair de contextos de violência, não aprisionar ainda mais. Rejeitamos o Pacote Laboral! Queremos viver os direitos e respeito à Constituição. Traçamos a linha vermelha e não recuamos!
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