|Tânia Mateus

Educação Sexual: Aquela-Que-Não-Pode-Ser-Ensinada-Nas-Escolas

A educação sexual não substitui o papel da família, nem as consultas médicas, mas é insubstituível para o desenvolvimento pleno e informado das crianças e jovens, alterando mentalidades e comportamentos.

A luta histórica dos estudantes pelo direito educação sexual traduziu-se em vários momentos de acção e reivindicação ao longo da história do Portugal democrático. A imagem retrata uma manifestação, organizada pela Plataforma de Associações de estudantes do Distrito do Porto, pela suspensão da Revisão Curricular, a eliminação progressiva do «numeros clausus», a aplicação da educação sexual nas escolas e a melhoria das condições materiais e humanas. Porto, 28 de Novembro de 2000
CréditosJOÃO ABREU MIRANDA / Agência LUSA

Se pensarmos na saga Harry Potter, lembramo-nos de Voldemort, o senhor das trevas cujo nome ninguém ousa pronunciar, pois o seu poder cresce ao ser mencionado. Pois bem, a educação sexual é hoje o Voldemort do sistema educativo: tão temida que ministros e setores conservadores querem voltar a colocá-la no «armário».

Como no mundo mágico de J.K. Rowling, recorrem à mesma estratégia: silenciar o que incomoda para manter o controlo. A educação sexual volta a ser tabu, envolta em discursos que evocam as famílias e ignoram as necessidades, o papel da Educação e da Escola.

Assustador é o que acontece aos jovens sem educação sexual!

A lei da educação sexual (1984) determina que é «componente do direito fundamental à educação» com programas «de acordo com os diferentes níveis de ensino,» conhecimentos sobre «anatomia, fisiologia, genética e sexualidade humanas, devendo contribuir para a superação das discriminações em razão do sexo e da divisão tradicional de funções entre mulher e homem». Eis o cerne do incómodo!

«É preciso uma abordagem integrada da educação sexual - biologia, afetos e relações -, retirando espaço a novas formas de violência, domínio, exploração - como a pornografia, a partilha de conteúdos íntimos - e que estes não sejam os referenciais de comportamentos para os jovens.»

Não está em causa a opinião de alguns pais, nem um detalhe das políticas públicas, mas a base para que crianças e jovens possam tomar decisões informadas, seguras e respeitosas nas suas vidas. A verdadeira ameaça não são os conteúdos que a escola ousa ensinar, mas o vazio que deixa para que outras vozes - nem sempre confiáveis - preencham. 

Quando a escola se cala sobre temas como sexualidade, prazer e afetos dá espaço para versões tóxicas, dominadoras e perigosas nas relações. É um convite para que se multiplique o desconhecimento, o medo e o preconceito. 

O que incomoda é o princípio que sustenta a educação sexual: crianças e jovens informados questionam e exigem respeito. E isso assusta numa sociedade onde tudo é mercado e somos peças de uma engrenagem feita para engolir, digerir e devolver seres submissos, explorados.

O silêncio alimenta a ignorância e a violência

Mais do que nunca, é urgente que as crianças e jovens discutam sentimentos e relações. Discutam consentimento, o abuso da imagem ou a hipersexualização dos corpos e das relações. Não se trata apenas de biologia. Ignorar a educação sexual é um convite à manutenção do ciclo da violência, porque as crianças e jovens que não aprendem a identificar abuso, humilhação, manipulação ou agressão — físicas, emocionais ou virtuais —, a linha entre aceitável e violência torna-se turva.

Em pleno século XXI, este tema continua a ser encarado como se instigasse a promiscuidade. Esse mito é dos mais perigosos: falar sobre sexualidade não incentiva a atividade sexual, mas prepara para escolhas seguras e responsáveis. 

Jovens sem ferramentas para compreender e defender a própria sexualidade tornam-se alvos fáceis de estratégias comerciais e reféns de um sistema económico que transforma pessoas em objetos de consumo. Ficam vulneráveis à influência das redes sociais, da publicidade e tornam-se presas fáceis numa internet dominada por conteúdos distorcidos, violentos e perigosos.

A educação sexual não é uma ideologia ou instrumento de subversão. É saúde, cidadania e proteção. É uma ferramenta contra infeções sexualmente transmissíveis (IST), gravidezes precoces; contra padrões distorcidos, a objetificação e a exploração.

Mais Educação Sexual: menos medo, menos abusos, mais futuro

Não basta dizer que a educação sexual está presente em vários domínios, disciplinas ou políticas se, na prática, está sob o “manto da invisibilidade”, tratada com com medo e preconceito. É urgente romper este silêncio e enfrentar “Aquela-Que-Não-Pode-Ser-Ensinada-nas-escolas” com coragem e determinação.

É preciso uma abordagem integrada da educação sexual - biologia, afetos e relações -, retirando espaço a novas formas de violência, domínio, exploração - como a pornografia, a partilha de conteúdos íntimos - e que estes não sejam os referenciais de comportamentos para os jovens.

A educação sexual não substitui o papel da família, nem as consultas médicas, mas é insubstituível para o desenvolvimento pleno e informado das crianças e jovens, alterando mentalidades e comportamentos. Contribui para escolhas conscientes e responsáveis, para conhecer o corpo humano e o seu desenvolvimento; para expressar sentimentos e necessidades para uma vida feliz; e para garantir o acesso a informações adequadas (incluindo conhecimentos sobre métodos contracetivos e de prevenção de IST).

A verdadeira coragem está em falar sobre o que incomoda. Em garantir que os jovens tenham uma educação completa, baseada em ciência, respeito e direitos humanos. Defender a educação sexual nas escolas é defender a dignidade, a saúde e o futuro de todos nós. É um contributo para a formação de crianças e jovens que saibam proteger-se, respeitem o próximo e exijam uma vida feliz.

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