Tomaram hoje posse os novos secretários de Estado e o anúncio da composição dos titulares das pastas trouxe novidades. Entre as mexidas, surge a nova secretaria de Estado do Ensino Superior, cuja titular será Cláudia Sarrico, Professora catedrática da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.
A escolha prende-se com a visão de Cláudia Sarrico para o Ensino Superior, que está evidenciada num artigo de opinião no Observador. O texto, munido de uma desonestidade intelectual gritante, assume à partida o que é. A nova secretária de Estado começa por citar Marx, utilizando a Crítica do Programa de Gotha, para justificar a existência de propinas e um sistema de empréstimos aos estudantes.
A citação em questão é: «Se... as instituições de Ensino Superior também são "gratuitas", isso só significa, de facto, arcar com os custos da educação da burguesia a partir da receita geral de impostos». De forma dogmática, não situando a obra no tempo, ignorando o objectivo, fazendo tábua rasa da actual realidade nacional, a existência de uma Constituição da República que aponta a um caminho resultante do 25 de Abril, Cláudia Sarrico parte para defender a sua ideia, alegando que Marx era contra a existência de um Ensino Superior gratuito.
Colocando este aspecto de parte, o texto da nova secretária de Estado assume ao que vem. «Os alunos devem pagar uma contribuição para fazer os seus estudos no ensino superior através de empréstimos cujo pagamento corresponde a uma percentagem do seu rendimento futuro, e pago através de uma dedução no seu salário, tal como o IRS e as contribuições para a segurança social. Este tipo de solução permite maior eficiência e equidade no ensino superior, como demonstram os resultados obtidos em vários países, nas últimas três décadas», defende.
Na realidade, Cláudia Sarrico demonstra estar claramente na mesma página que o Governo PSD/CDS-PP, que já tinha demontrado vontade em aumentar as propinas no Ensino Superior. A ideia passa por desresponsabilizar o Estado das suas funções sociais e colocar o ónus do financiamento das instituições de Ensino no estudantes e nas suas famílias.
Num contexto de aumento do custo de vida, a professora catedrática entende que «as propinas de licenciatura são baixíssimas – muito menos do que se paga pelo infantário dos miúdos», e que um «Ensino Superior gratuito ou quase tem um efeito regressivo», na medida em que o que o valor que os estudantes pagam, sendo supostamente baixo, torna o acesso «altamente iníquo», sendo que «os que mais beneficiam do Ensino Superior tendem a ser ou tornam-se privilegiados».
«O ensino superior ser pago em grande medida pelos contribuintes não significa que se alargue o acesso a todos os que estejam aptos e motivados para estudar. Significa antes dar vantagem financeira a pessoas que na sua maioria já são privilegiadas, e que se tornarão ainda mais por se diplomarem, à custa de muitos que pagam impostos e que nunca tiveram esse privilégio», entende Cláudia Sarrico, numa total distorção do que é o Estado, as suas funções, a solidariedade intergeracional, o desenvolvimento colectivo, o benefício comum e os direitos.
A integrante no novo Governo da AD entende que o bom financiamento do Ensino Superior deverá ter três componentes - o «financiamento às universidades via propinas e dinheiro dos contribuintes, reconhecendo os retornos privados e públicos do ensino superior»; o «financiamento dos estudantes via empréstimos contingentes ao rendimento para
eles poderem pagar as propinas; e o «reforço do financiamento dos alunos de mais baixo estatuto socioeconómico no ensino não superior para que não deixem de ir para o Ensino Superior por falta de sucesso na escola».
A fórmula dos empréstimos passa pelo «pagamento corresponde a uma percentagem do seu rendimento futuro, e pago através de uma dedução no seu salário, tal como o IRS e as contribuições para a segurança social».
Ao longo do artigo, Cláudia Sarrico desenvolve a ideia: «Os empréstimos que se propõem tem várias vantagens: têm em consideração o rendimento ao longo da vida do diplomado e não obrigam a pagamentos à entrada (ao contrário do que se verifica agora com as propinas), quem não atingir determinado rendimento não paga, e quem ganha menos paga menos, perdoa-se a dívida ao fim de n anos, eliminam a aversão aos empréstimos bancários(...) porque elimina o risco de não pagamento, protegem-se os tomadores dos empréstimos em tempos de vacas magras, e recolhem-se mais fundos em tempos de vacas gordas, os com rendimentos mais elevados financiam as perdas dos com rendimentos mais baixos, e os pagamentos podem ser geridos pela autoridade tributária que funciona eficazmente em Portugal».
Em suma, Cláudia Sarrico defende que o Estado passe a ser um credor que utiliza a autoridade tributária como «homem do fraque». Além disto, a professora da Universidade de Aveiro defende uma linha de endividamento dos estudantes, que o Estado roube os rendimentos dos jovens trabalhadores e, com isso, condicione a emancipação dos jovens. Neste aspecto, para a nova secretária de Estado, já não há nenhum elemento «altamente iníquo», nem se dá o caso dos mais beneficiados continuarem a sê-lo.
Como forma de sustentação, Cláudia Sarrico dá como exemplo países com modelos semelhantes, como «Austrália, Nova Zelândia, Inglaterra, Holanda, Coréia, Colômbia». O exemplo inglês é particularmente desonesto, na medida em que está em curso uma discussão no sentido de acabar com o sistema de empréstimos.
Veja-se que, segundo estimativas do antigo governo britânico referentes ao ano lectivo de 2023–2024, cerca de 35% dos empréstimos para estudantes em tempo integral não serão totalmente pagos, ou seja, apenas 65% deverão ser pagos integralmente. Este exercício, multiplicado por vários anos, levou a um aumento brutal da dívida pública, estimando-se que mais de 50% dos estudantes nunca tenham pago a dívida completa.
Uma reportagem do Times estimou que o montante das dívidas em circulação no sistema universitário britânico atinja um total de 260 mil milhões, de libras. Já o Parlamento britânico prevê que o valor dos empréstimos atingirá cerca de 500 mil milhões de libras nas décadas seguintes, se o ritmo de endividamento continuar. Este sistema torna-se uma completa irresponsabilidade que condiciona a estabilidade financeira nacional e condicionando um vasto conjunto de sectores.
Seria mais fácil, eficiente e racional, financiar directamente as instituições; garantir a estabilidade nacional e que os estudantes têm um acesso realmente democrático ao Ensino Superior; assim como o salvaguardar o futuro dos jovens evitando o garrote de uma dívida. A lógica impera, menos para Cláudia Sarrico, Professora catedrática da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, que pode estar a preparar um enorme ataque aos estudantes.
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