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Faleceu Pepe Mujica, símbolo da resistência e da dignidade política na América Latina

José «Pepe» Mujica, ex-presidente do Uruguai, figura incontornável da resistência à ditadura cívico-militar e referência política para a esquerda latino-americana, faleceu esta terça-feira, aos 89 anos.

CréditosDavid Fernandez / EPA

Mujica tinha anunciado em Janeiro que enfrentava um cancro no pâncreas em estado terminal, que se alastrara por todo o corpo. Apesar da doença, manteve até ao fim a lucidez, a firmeza de carácter e a simplicidade que o tornaram um dos dirigentes mais admirados do continente. Ainda durante a campanha presidencial do actual presidente uruguaio, já consciente do seu estado, deixou uma última mensagem de compromisso: «Quando estes braços se forem haverá milhões de braços na luta.»

Conhecido carinhosamente como o «viejo», Pepe Mujica integrou, na juventude, o Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, fortemente influenciado pela Revolução Cubana. Durante a ditadura cívico-militar, foi capturado, torturado e esteve 15 anos preso, 11 dos quais em regime de solitária. Foi atingido por seis tiros durante a sua detenção, o que resultou na perda parcial de um pulmão.

Com o restabelecimento da democracia, em 1985, foi eleito deputado em 1989 pela Frente Amplio, uma coligação que agrupa forças progressistas como o Movimento de Participação Popular (do qual é fundador) e o Partido Comunista do Uruguai. Ocupou depois o cargo de senador e, em 2005, foi nomeado ministro da Agricultura e Pescas no primeiro governo da coligação.

Cinco anos depois foi eleito presidente da República com 54,6% dos votos na segunda volta, tendo iniciado o mandato em 2010. A sua posse ao ar livre, ao lado de figuras como Hugo Chávez e Rafael Correa, marcava o início de um governo que ficou conhecido pela coerência entre o discurso e a prática. Nunca abandonou a sua modesta casa nos arredores de Montevideu. Na cerimónia de tomada de posse, sublinhou: «Custou uma vida entender que o poder está nas massas.»

Durante o seu governo, o investimento público em áreas sociais aumentou, assim como a valorização das empresas públicas, o desemprego caiu de 13% para 7% (depois de já ter descido de 22% para 13% no mandato anterior da Frente Amplio) e o salário mínimo cresceu 250%. O país passou a ser reconhecido como um dos mais avançados em matéria de direitos laborais, como a negociação colectiva, a liberdade sindical e o direito à greve, como afirma o PIT-CNT, a central sindical uruguaia.

Pepe Mujica defendeu sempre a integração latino-americana, a justiça ambiental e uma ordem internacional mais solidária. Promoveu políticas progressistas em várias áreas: doou 90% do seu salário para financiar um programa de habitação digna, legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo e aprovou o direito à interrupção voluntária da gravidez de forma segura.

Interrogado sobre a sua opção por uma vida austera, respondeu com clareza: «Os políticos têm de viver como vive a maioria e não como vive a minoria.» Porque, para Mujica, «a política é a luta pela felicidade de todos.»

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