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|Defesa Nacional

Um Conceito Estratégico de Defesa Nacional que o não é!

A proposta de criação de um Conselho de Segurança Nacional na dependência do primeiro-ministro será uma escapadela ao processo de tramitação da declaração do estado de emergência, com as implicações de restrição aos direitos, liberdades e garantias?

CréditosJoão Relvas / Agência Lusa

Desde outubro passado que observamos e comentámos o que é público e respeita ao processo de revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN). Em outubro referimo-nos a esse processo sob o título «CEDN: monolitismo na revisão sem cumprir a Constituição» para concluir «O que melhor salvaguarda o interesse da Paz (e esta é uma prioridade constitucional) é olhar o Mundo alcançando uma visão esférica, ou seja, procurando a diversidade de visões e apreciações para que se reduzam as falhas na identificação das vulnerabilidades e riscos sejam identificados e minorados pelas contramedidas a adotar. Só assim a síntese ficará enriquecida. O monolitismo é imobilismo. O monolitismo não é fonte de progresso, é de retrocesso porque o dinamismo da situação tornará rapidamente desadequada a definição daquilo a que nos propuséramos.» Revisitámos a temática no final de outubro, em «CEDN: do que não se precisa», para assinalar a proliferação de textos que entendemos terem como alvo influenciar o processo de revisão em curso.

Aqui chegados, entendeu o Governo apresentar na Assembleia da República, com data de 18 de maio de 2023, «A proposta de Grandes Opções do CEDN visa contribuir para a adaptação da Defesa Nacional e das Forças Armadas às necessidades da próxima década», reconhecendo ser «fundamental apontar prioridades adequadas aos desafios do nosso tempo». É sobre esta proposta do Governo que nos debruçaremos, sinteticamente e abordando o que se reputa de essencial.

«São as teses da Razão da Força a sobreporem-se às da Força da Razão para intervir na resolução dos conflitos internacionais condimentadas pela subserviência que levou Durão Barroso à cimeira das Lajes.»

A proposta do Governo desenvolve-se em 25 páginas (não consideramos as três páginas iniciais). Nessas 25 páginas, a articulação explícita com o teor da Constituição da República só figura para referir que o Estado tem uma responsabilidade única na articulação das políticas, capacidades e valores constitucionais que definem a nossa identidade política. Nessas 25 páginas, a palavra «Paz» surge uma dezena de vezes mas só em dois casos se considera associada a objetivos de ação por parte de Portugal, ao identificar a necessidade de reforço das capacidades das Forças Armadas para participar em missões «humanitárias e de paz, em especial no âmbito das Nações Unidas, da OTAN, da UE» e ao «Afirmar Portugal como produtor de segurança (…) participando em missões militares internacionais na defesa da paz e da segurança». Para um texto de 25 páginas a ausência explícita do articulado constitucional e as parcas referências à Paz explicam a pouca importância que o Governo reconhece à promoção da Paz como instrumento fundamental à ação externa do Estado português. São as teses da Razão da Força a sobreporem-se às da Força da Razão para intervir na resolução dos conflitos internacionais condimentadas pela subserviência que levou Durão Barroso à cimeira das Lajes. São teses que menorizam Portugal e prejudicam fortemente a sua capacidade de manobra quando se fala de multilateralismo, termo usado no documento do Governo, mas que pelo desenvolvimento do texto se conclui ficar, predominantemente, contido aos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO/OTAN) e da União Europeia (UE).

 Em 16 páginas, que incluem os títulos «Um mundo em mudança», «Portugal europeu, atlântico e global: uma visão estratégica» e «Desafios estratégicos à segurança de Portugal», o documento prossegue e apresenta as sete prioridades de intervenção «Para a autonomia estratégica de Portugal». Antes de sobre elas nos debruçarmos, há alguns tópicos dessas 16 páginas que importa anotar.

Não surpreende o alinhamento da análise de contexto com os referenciais da OTAN e da UE, ainda que inevitavelmente tenham de atender à nossa incontornável inserção na comunidade de países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

«Não surpreende o alinhamento da análise de contexto com os referenciais da OTAN e da UE, ainda que inevitavelmente tenham de atender à nossa incontornável inserção na comunidade de países da CPLP.»

Quando o Governo acolhe as teses de que há regimes autocráticos (não explicitados) que querem substituir a ordem entre estados assente na soberania nacional por uma ordem alternativa, não tem em conta o que se tem passado (i.e., quem mais guerras tem promovido são os países com os quais o Governo se solidariza, e a evolução do País nos cerca de 50 anos que nos separam do 25 de abril prova à saciedade que quem tem promovido a alienação por Portugal de instrumentos fulcrais à afirmação da nossa soberania são os nossos países «amigos» (amigos da onça, diria)).

Os «sábios» que alavancaram a elaboração da proposta do Governo terão explicado até onde é possível assegurar uma maior autonomia da UE nas missões militares e civis de gestão de crises? E será que foi mero lapso assumir-se como segundo objetivo da UE «fortalecer a autonomia estratégica»? O que o texto sugere é que se trata de meras figuras de retórica.

Se a proposta tiver acolhimento, o CEDN passa a ser revisto de cinco em cinco anos e terá um mecanismo de acompanhamento da sua concretização.

Para um horizonte de cinco anos não terá sido por esquecimento que na análise de contexto nada se refira sobre a situação das nossas Forças Armadas em termos de pessoal. Como a situação já não pode ser de todo omitida, valorizar e qualificar os profissionais das Forças Armadas é a sexta das sete prioridades de intervenção identificadas. É um progresso a assinalar ver a valorização e qualificação dos militares ganhar lugar nas prioridades da proposta de CEDN «Para a autonomia estratégica de Portugal». Mas vale a pena perguntar: como se vai transformar a política de pessoal para fazer «da Defesa Nacional um empregador de excelência»? Como se dotarão «as Forças Armadas de uma estrutura de efetivos adequada»? Onde estão as medidas que aprofundarão «o processo de profissionalização do serviço militar» e criam «oportunidades de progressão, de valorização e de retorno pessoal e profissional a quem serve Portugal»? O que se fará para «Valorizar a função de apoio social através do contínuo aperfeiçoamento dos instrumentos existentes, em particular no apoio aos antigos combatentes, Deficientes das Forças Armadas e militares em situações de maior vulnerabilidade»? O que de mais recente se conhece fala pelos resultados alcançados em termos de admissão e retenção de pessoal e de apoio social. E a Saúde Militar não mereceria aqui referência?

«quem mais guerras tem promovido são os países com os quais o Governo se solidariza, e a evolução do País nos cerca de 50 anos que nos separam do 25 de abril prova à saciedade que quem tem promovido a alienação por Portugal de instrumentos fulcrais à afirmação da nossa soberania são os nossos países "amigos" (amigos da onça, diria)»

Fica-se a saber que o Governo se propõe «Recuperar a competitividade tecnológica no campo da robótica de sistemas não-tripulados, da nanotecnologia e ciência de dados e dos materiais, da inteligência artificial e da computação quântica», mas assim formulado interrogo-me, quando é que fomos tecnologicamente competitivos nestes campos? Só se recupera o que em tempos se teve e a distração minha deve ter sido grande para não dar por isso...

Ficamos também a saber que o Sr. primeiro-ministro passará a ter na sua dependência um Conselho de Segurança Nacional «para dirigir o processo de decisão em todos os aspetos relacionados com a Segurança Nacional e assegurar a coordenação política unificada na resposta a qualquer tipo de emergências complexas». Mas onde estão definidos os tipos de emergências complexas? Será que estamos confrontados com uma escapadela ao processo de tramitação da declaração do estado de emergência, competência do Sr. Presidente da República, e todas as implicações daí advindas de restrição aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos? O Artigo 19.º da nossa Constituição ainda vigora e aí são explícitas as ocorrências que podem justificar a declaração do estado de emergência: «casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública».

A presente revisão do CEDN cumpre calendário mas a proposta do Governo é um documento que não está à altura da grave situação com que Portugal e a Europa estão confrontados. Independentemente da bondade das palavras usadas para nos fazer querer em algo diferente, o alinhamento, sem contrapesos, com os referenciais da UE e da NATO contribui para continuarmos no percurso de definhamento das nossas Forças Armadas e não se identificam medidas que resolvam o seu problema central, estancar saídas, recrutar e reter.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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