As Sondagens
Levar as coisas ao absurdo ajuda por vezes a fazer algumas demonstrações. Imaginemos que um jornal fazia a seguinte sondagem: «Qual a sua forma preferida de criminoso?: (1) Assassino; (2) Ladrão de Bancos; (3) Vigarista ou (4) Outro (5) Nenhum» e que entre as 225 resposta online, 134 preferem a opção 2, Ladrão de Bancos.
O título da edição desse dia do dito jornal poderia ser «Maioria prefere ladrões de bancos»? E depois no texto, concluir que como só 24 escolheram a opção «nenhum» que só 24 em 225, ou seja, 11% dos inquiridos, não prefere os criminosos? Não seria tudo isto um bocado abusivo?
Mas é exactamente isto que faz o Jornal de Negócios quando pergunta «qual o comprador da TAP preferido». A venda é o dado de partida, assumida, inquestionável. A única opção é escolher o comprador, assim conseguindo duas coisas: ultrapassar, subalternizar, a verdadeira discussão (a TAP deve ser privatizada?) e criar a ideia (falsa) de uma curta oposição à privatização.
A falsificação torpe
Na criação dos seus mitos, quando os números não servem ao governo, estes são torturados até confessarem tudo o que interessa ao governo. No documento justificativo da privatização, de 10 de Julho de 2025, com a chancela da República Portuguesa, o governo falsifica completamente as contas anuais da TAP, e publica um quadro completamente falso:
Como faz o Governo? Maioritariamente, misturando as diversas TAP e usando-as conforme lhe dá jeito. Recordamos que o que vai ser vendido é a TAP SA (a aviação comercial). Mas no quadro supra, os únicos números que são da TAP SA referem-se aos anos de 2022, 2023 e 2024. No período anterior, entre 2010 e 2019 o governo usa os números da TAP SGPS (hoje Siavilo), muito mais negativos porque incluíam os prejuízos da Manutenção Brasil. E nalguns casos, simplesmente inventa números.
E reparem em duas ideias chave. A primeira é que as contas da TAP SA (é esta que vai para privatização) não são só positivas em 2022, 2023 e 2024 e um outro ano (2017) como falsifica o governo, elas foram positivas em 2010, 2011, 2012, 2013, 2016 e 2017, além de 2022, 2023 e 2024. E os maiores prejuízos foram... no período em que esteve privatizada (2015/2019). A segunda é que só uma realidade alheia à TAP SA (a Manutenção Brasil, adquirida em 2006) é responsável pelo grosso dos prejuízos do grupo (438,1 milhões de prejuízos directos neste período, a que há que somar o custo financeiro que esta dívida criava na TAP SA e na TAP SGPS), e no entanto, só os trabalhadores da TAP e o PCP andaram 15 anos a combater esta aventura e a denunciar esta realidade, hoje reconhecida por todos, incluindo por aqueles que no governo da República nunca nada fizeram para travar a sangria, e aqueles que na Comunicação Social sempre falaram dos «prejuízos da TAP» omitindo que esses prejuízos tinham origens concretas, e o negócio da Manutenção Brasil é a maior e a principal fonte.
Mas repetimos: o grave é a falsificação intencional num documento da República. Quem assim precisa de mentir sabe que não tem razão.
A Manipulação
Mandou o governo fazer (e nós pagámos) quatro Relatórios de Avaliação da TAP por dois bancos. Dois em 2023 e dois em 2024. Sobre a primeira avaliação saíram há um ano notícias na Comunicação Social. Sobre a segunda avaliação saíram notícias há uns 2 meses. Em ambas as ocasiões o PCP requereu as ditas avaliações, que o Governo se recusou a entregar. Tal como se recusou a informar quanto pagámos nós todos por esse conjunto de avaliações.
Conseguiu assim o governo que o Correio da Manhã titulasse que «TAP vale menos de 500 milhões» e que tal absurdo tivesse quase nenhum contraditório. É para produzir este tipo de barbaridades que estas avaliações são escondidas da Assembleia da República e do povo português (e os seus dados criteriosamente passados a jornalistas dispostos a fazerem esse tipo de propaganda disfarçada de notícias).
E de facto, como contradizer uma avaliação que não se conhece? Podemos seguir dois caminhos indirectos. O primeiro é recordar a privatização passada. Quando foram obrigados a mostrar à Comissão Parlamentar de Inquérito as «Avaliações» então realizadas, estas foram completamente ridicularizadas, tal a sua indigência. Algumas delas, a bom rigor, nem avaliações eram (a famosa avaliação do Deutche Bank à TAP que Neeleman gosta de citar), e todas tinham uma absoluta falta de rigor e profundidade. O segundo, é fazermos nós uma súmula de valores que, só por si, contradizem essa «avaliação»: como o facto de só em prejuízos fiscais dedutíveis a TAP ter mais de 500 milhões; como o facto de estar capitalizada em mais de mil milhões e esse dinheiro não ter desaparecido (apesar das habilidades contabilistas realizadas com a reincorporação da Portugalia na TAP). Se quisermos ir ao que a TAP vale para o país (e não apenas como potencial geradora de lucros a um capitalista, que é o que é avaliado), em quanto valorizamos um investimento que coloca 150 milhões de euros ano na Segurança Social portuguesa? E outros 150 milhões no OE via IRS? Ora, um depósito bancário para nos render 300 milhões ao ano teria de ser de 15 mil milhões de euros (taxa juro 2%). Ora a TAP dá-nos esse rendimento... E quanto nos vale 4% do PIB? Que valor atribuímos a mais de 600 milhões pagos em salários? E ao facto de uma grande empresa criar emprego de qualidade e altamente qualificado em Portugal? Etc.
Mas claro, a título do CM foi «TAP vale menos de 500 milhões».
Quando falham as velhas justificações, inventam-se novas
No mesmo documento do Governo, a justificação (nova) que é avançada para a venda da TAP é que esta precisa de crescer, e enquanto pública não pode. Na última privatização, a desculpa era que a TAP precisava de ser capitalizada. Agora, como está capitalizada e como toda a gente já (pode) sabe(r) que na anterior privatização a TAP foi capitalizada com o seu próprio dinheiro, o governo arranjou outra necessidade: tem que crescer e não pode.
E de facto deveria e de facto não pode. Mas porquê? Porque não pode a TAP crescer? Porque a Comissão Europeia, para autorizar o governo português a salvar a TAP (!) impôs esse não crescimento, e quer o PS quer o PSD/CDS submetem-se a esse ditame. Ora esse problema não se resolve com a privatização, resolve-se deixando de estar ajoelhados aos pés da Comissão Europeia e dos grandes grupos capitalistas que a controlam.
Concluindo
A privatização da TAP está a ser imposta ao povo português através dos mesmos mecanismos que impuseram anteriores e desastrosas opções: através do recurso a sondagens amanhadas, à falsificação, à manipulação, e à mais pura mentira. É assim que elas se fazem... ou, pensando nas grandes empresas portuguesas assim liquidadas, é assim que elas se desfazem!
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