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|imigração

A quem interessa culpar os imigrantes?

Imigrar não é fácil. É confrontar todos os dias com os problemas do país, é ser vulnerável ao ponto de sentir medo de reivindicar qualquer coisa, como uma emergência médica, um contrato de trabalho.

Trabalhadores imigrantes organizados no Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura e das Indústrias de Alimentação, Bebidas e Tabacos de Portugal (SINTAB/CGTP-IN) participam na manifestação em Lisboa, convocada pela CGTP-IN. 15 de Outubro de 2022 
Trabalhadores imigrantes organizados no Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura e das Indústrias de Alimentação, Bebidas e Tabacos de Portugal (SINTAB/CGTP-IN) participam na manifestação em Lisboa, convocada pela CGTP-IN. 15 de Outubro de 2022 Créditos / SINTAB

Mais uma vez, ou como sempre, os imigrantes são os vilões dos «problemas» de Portugal e da Europa. Muito se fala sobre as vantagens que os mesmos apresentam ter, mas pouco se fala sobre como a estrutura do Estado não funciona, nem para eles, nem para os demais trabalhadores do país, que seguem com contratos precários, salários miseráveis e com péssimas condições de habitação e saúde, para inglês ver.

Poderia escrever mais de mil histórias de imigrantes que chegam a Portugal e buscam formas de se integrar na sociedade, seja com os documentos necessários para viver e trabalhar, seja na sociabilidade com portugueses e demais imigrantes. Ouso dizer que mais de 90% dos estrangeiros que aqui chegam vendem sua força de trabalho e precisam de empregos dignos para sobreviver.

Imigrar não é fácil. É confrontar-se todos os dias com os problemas do país, é ser vulnerável ao ponto de sentir medo de reivindicar qualquer coisa, como uma emergência médica, um contrato de trabalho. É mesmo a mão-de-obra mais barata para o sistema capitalista em que vivemos.

Tenho a certeza que muitas pessoas que aqui vivem não têm a noção do que é para um imigrante conseguir um emprego, o número de utente e o número da Segurança Social. Tentam a todo tempo boicotar-nos e silenciar-nos, criando regras e valores inexistentes e utilizam o medo para nos controlar. Poderia contar a história da Natália, imigrante, que chegou a Lisboa no início de 2023.

«Tenho a certeza que muitas pessoas que aqui vivem não têm a noção do que é para um imigrante conseguir um emprego, o número de utente e o número da Segurança Social.»

Embarcou com o visto de turismo e decidiu ficar, fazer sua vida aqui. Conseguiu um emprego numa pastelaria, teve sorte de ter um contrato, mas isso não lhe dá todas as garantias. Deu entrada na Manifestação de Interesse e agora aguarda. Aguarda sem prazo um documento que a torne cidadã (formal) a ponto de lhe permitir sair de Portugal. Até lá fica aqui, presa, trabalhando, contribuindo para o Estado português que não garante os direitos humanos fundamentais.

Poderia contar a história do Manuel e da Ana, que vieram com os filhos para Portugal, mas até hoje não possuem a nacionalidade portuguesa. Ao longo destes sete anos, só conseguiram trabalhos precários, sem contrato, a recibos verdes, adquiriram uma dívida na Segurança Social, não tinham muito conhecimento ou informação de que isso poderia acontecer e/ou como solucionar. Isso impediu-os até de ter uma Autorização de Residência, deixando-os à margem dos direitos humanos e sociais que um trabalhador poderia ter por aqui.

Poderia contar a história do Abidul, veio sozinho, mas deixou a família no seu país de origem. Trabalha como estafeta das plataformas digitais, também sem nenhum contrato. Chega a concluir 18 horas de trabalho por dia. Há dias magoou-se com a mota, foi às urgências, passou horas e horas aguardando atendimento. Não recebeu nesse e nos dias a seguir, pois ficou em tratamento. Após dois meses chegou uma conta à sua casa, «Consulta de Emergência para estrangeiro», altíssima. Já foi reclamar ao Centro de Saúde, mas teve poucas informações, só sabe que ficará com essa dívida no seu registo se não pagar.

Poderia contar a história do Miguel, trabalhador-estudante, filho de imigrantes. Trabalha o dia todo e faz um curso pós-laboral. Foi pai aos 19 anos, hoje tem 25 anos. O filho de seis anos voltou da escola dizendo que a professora corrige o português, tanto na fala quanto na escrita. E, não por acaso, Miguel passa o mesmo na universidade, os professores corrigem as suas palavras, conjugações de verbo, contexto, dizem que não é português de Portugal.

«Não são todos trabalhadores, explorados, como tantos portugueses que não recebem nem um ordenado mínimo? Não possuem casa, levam horas nas filas dos hospitais, vivem em briga com os patrões por contratos dignos e nem os reformados fogem disso.»

Já ouviu alguma dessas histórias? Criei os personagens, mas todas as histórias já escutei de alguém ou já as vivi. São baseadas em fatos reais. Então, a quem interessa manter essas experiências na sociedade portuguesa? Não são todos trabalhadores, explorados, como tantos portugueses que não recebem nem um ordenado mínimo? Não possuem casa, levam horas nas filas dos hospitais, vivem em briga com os patrões por contratos dignos e nem os reformados fogem disso.

Podemos dizer que atacar os imigrantes só fortalece um lado muito pequeno e poderoso deste pequeno país europeu, que ainda carrega uma imagem solitária de muito grande. Os 90% são trabalhadores que vendem sua força de trabalho, a sua vida, migram com a família em busca de melhores condições de vida, seja ela em Portugal ou noutro país. Parece que culpar os imigrantes é uma estratégia para agravar a exploração dos trabalhadores e permitir uma maior concentração de riqueza nesta pequena parcela. Uma manobra para separar a classe trabalhadora que vive em Portugal. É criar inimigos, encontrar culpados, para não questionar o sistema capitalista que vivemos, a precariedade e as deficiências do Estado, que cada dia mais espreme os trabalhadores e que todos os dias desumaniza as pessoas que aqui vivem.

Então, a quem interessa culpar os imigrantes? À classe trabalhadora é que não é.


Larissa da Silva, jornalista e activista da Frente Anti-Racista

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