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Os serviços de nuvem e a soberania digital

Toda a informação digital necessita de ser transportada e armazenada algures, em locais físicos. Estima-se que 80% dos dados gerados pelos utilizadores europeus estejam alojados em servidores de empresas norte-americanas.

Créditos / Indicca

A cloud tornou-se no novo mantra associado ao crescente domínio da internet nas esferas social e económica. A digitalização suscita uma certa ideia de desmaterialização da informação, que passa cada vez mais a alojar-se no espaço, ou melhor dizendo na nuvem (ou cloud, em inglês), sempre disponível onde quer que estejamos e sem necessidade de qualquer suporte de armazenamento.

Esta “desmaterialização” pretende designar a separação entre o meio físico e o conteúdo. Contudo, a expressão é ilusória. Toda a informação digitalizada necessita de ser transportada e armazenada algures, em locais bem terrenos. Tentar perceber quem gere e domina esta informação leva-nos a questionar opções tomadas pela generalidade dos governos, das empresas e dos indivíduos ao longo dos últimos anos e a colocar a soberania digital no centro do debate político. 

Ao longo dos últimos anos, a maioria das empresas (mas também grande parte dos governos) optaram pela externalização dos seus recursos informáticos. Os serviços de nuvem fornecem recursos de computação, armazenamento e aplicativos pela internet, eliminando a necessidade de manter servidores físicos. Não se limitam ao armazenamento de informação. Fornecem aplicativos ou plataformas completas para desenvolver, implantar e gerenciar aplicativos sem necessidade de qualquer infraestrutura (IaaS, PaaS, SaaS, etc.).

Os serviços de nuvem oferecem vantagens óbvias em termos de custos e eficiência. Contudo, levantam aspetos importantes. Para além das questões de cibersegurança e privacidade dos dados, estes serviços criam simultaneamente uma grande dependência de terceiros, dependência esta que cresce com a concentração do setor e com as dificuldades para mudar de provedor de serviços.

De acordo com as estimativas do Synergy Research Group, o mercado mundial dos serviços de nuvem é liderado pelo gigante digital Amazon, com uma quota de 34% (terceiro trimestre de 2022), seguido dos seus dois principais concorrentes: Microsoft Azure (21%) e Google Cloud (11%). Estes três operadores representam 2/3 do mercado mundial, enquanto os oito maiores operadores concentram 80% do mercado que cresceu 24% em 2022, atingindo um valor global de faturação de 312 mil milhões de dólares.

«Snowden, acusado de espionagem (arrisca 30 anos de cadeia) e atualmente refugiado na Rússia, deu a conhecer ao mundo em 2013, a forma como os serviços de inteligência norte-americanos, violando todas normas do direito da UE, dos direitos fundamentais e das normas relativas à proteção dos dados, levaram a cabo um trabalho de espionagem em larga escala sobre milhões de cidadãos, incluindo vários chefes de estado, através do acesso aos dados recolhidos pelas grandes empresas do digital.»

Em França, aqueles três operadores chegam a ocupar 80% do mercado. Em Portugal, onde o mercado tem crescido na mesma ordem de grandeza, a liderança é encabeçada pela Microsoft, seguida da Amazon, da Salesforce e da Google. Para lá das questões concorrenciais ligadas às fortes possibilidades de abuso de posição dominante através da qual os gigantes digitais (quase todos norte-americanos) reforçam as suas posições esmagando a concorrência, colocam-se aqui questões de segurança e soberania nacional, num momento em que quase todas as nossas instituições, públicas ou privadas, dependem de um servidor e aplicativos controlados por atores externos. 

Desde a diretiva 95/46/EC para proteger os cidadãos europeus contra a transferência descontrolada de seus dados pessoais para países terceiros até ao Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), várias têm sido as tentativas de proteger os interesses das empresas e dos cidadãos perante esta globalização digital profundamente assimétrica que coloca a Europa numa posição claramente subalterna face aos Estados Unidos.

Importa lembrar a cláusula Safe Harbour aberta pela Comissão Europeia sob pressão das grandes multinacionais tecnológicas e que acabaria chumbada pelo Tribunal Europeu de Justiça, graças em parte às denúncias do lançador de alerta, Edward Snowden. Snowden, acusado de espionagem (arrisca 30 anos de cadeia) e atualmente refugiado na Rússia, deu a conhecer ao mundo em 2013, a forma como os serviços de inteligência norte-americanos, violando todas normas do direito da UE, dos direitos fundamentais e das normas relativas à proteção dos dados, levaram a cabo um trabalho de espionagem em larga escala sobre milhões de cidadãos, incluindo vários chefes de estado, através do acesso aos dados recolhidos pelas grandes empresas do digital.

O Cloud Act, adotado posteriormente em 2018 pelo Congresso dos Estados Unidos, estabelece, é certo, algumas regras para o acesso aos dados por parte das autoridades judiciais. Contudo, esta legislação levanta muitas dúvidas sobre as suas reais intenções. Permite, por exemplo, o acesso a todos os dados, ainda que os servidores da empresa sob jurisdição norte-americana estejam situados num outro país, dispensando assim qualquer acordo internacional.

Estima-se hoje que 80% dos dados gerados pelos utilizadores europeus estejam alojados em servidores controlados por empresas norte-americanas. A par das bases militares dos Estados Unidos e da NATO, cresce uma infraestrutura de cabos e servidores dominada pelas chamadas Big Tech norte-americanas e potencialmente ao serviço de um sistema de vigilância à escala mundial a que muitos chamam de colonialismo digital [1].

Não é por acaso que estão registados em Bruxelas 1452 lobistas aos serviços das grandes multinacionais tecnológicas, com um orçamento anual estimado em 97 milhões de euros destinado a influenciar a legislação europeia a seu favor. Em Portugal, o Conselho para as Tecnologias de Informação e Comunicação na Administração Pública (CTIC) elaborou em 2022 a chamada “Estratégia Cloud para a Administração Pública em Portugal”. O documento propõe a «adoção da cloud, sempre que possível, em modelo inteligente, seguro e eficiente», entendendo-se como cloud, «os serviços de cloud disponibilizados publicamente pelos prestadores de serviços cloud que atuam no mercado». Hoje, o recurso à nuvem está já largamente difundido por todos os ramos e níveis da administração pública. É tempo de colocar a soberania digital na ordem do dia! 

[1] O colonialismo digital é definido como o uso da tecnologia digital para fins de dominação política, económica e social de outra nação ou território.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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