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O desporto escolar como pilar da cultura desportiva em Portugal

A subestimação da cultura corporal na escola, a falta de Educação Física em algumas escolas do 1.º Ciclo e no pré-escolar, e a privatização de parcelas curriculares comprometem a qualidade pedagógica e a democratização da prática desportiva.

Créditos / DGE

O direito das crianças e dos jovens ao Desporto Escolar é um princípio indiscutível que deve ser traduzido em medidas concretas para assegurar o pleno desenvolvimento motor e cultural dos estudantes. É imperativo que nenhum aluno conclua o ensino obrigatório sem experiências motoras orientadas, compreendendo e valorizando a importância que tem a prática da atividade física na sua vida. A promoção destas atividades, é crucial para o desenvolvimento infantil, num contexto mais lúdico numa fase inicial, desde o pré-primário, com a possibilidade de passagem a uma etapa onde, poderá ou não envolver competição, adaptando sempre as atividades físicas às necessidades das crianças. E é na escola pública que existe este primeiro contacto com o desporto e a cultura do corpo, mas, passados quase 50 anos da Revolução dos Cravos em Portugal, ainda existem escolas sem pavilhões ou outras que apresentam equipamentos em muito mau estado.

A degradação de pavilhões e equipamentos desportivos nas escolas, juntamente com a substituição de componentes letivas por Atividades Extracurriculares, administradas por empresas privadas, resulta numa premeditada decadência do Desporto Escolar, comprometendo o desenvolvimento motor e cultural dos estudantes. Recentemente, o treinador adjunto do Liverpool, Vítor Matos, abordou em entrevista, a fraca cultura desportiva existente em Portugal, destacando a desvalorização e consequentemente falta de investimento do Desporto Escolar, como o principal fator.

Esta falta de investimento e a ausência de uma estratégia nacional para o Desporto Escolar são evidentes na baixa verba orçamental atribuída, uma das mais baixas na Europa. Este cenário contribui para a escassez de meios financeiros e condições inadequadas para os professores de Educação Física, refletindo-se na baixa adesão dos alunos ao Desporto Escolar, atualmente estimada em apenas 20%.

Mais uma vez, no Orçamento do Estado de 2024 não está contemplada uma verba direta para o Desporto Escolar, estando este sujeito a um financiamento proveniente dos resultados líquidos dos jogos sociais da Santa Casa. Quanto à desvalorização é consequência da falta de ênfase nas políticas desportivas pelos sucessivos Governos. A subestimação da cultura corporal na escola, a falta de Educação Física em algumas escolas do 1.º Ciclo e no pré-escolar, e a privatização de parcelas curriculares, como são o caso das Atividades de Enriquecimento Curricular, comprometem a qualidade pedagógica e a democratização da prática desportiva. Outro dos fatores para o afastamento de alunos do Desporto Escolar dá-se com a carência de transportes após os treinos e a pressão tremenda existente com as suas tarefas escolares, exames nacionais e necessidade de médias elevadas para o ingresso no Ensino Superior, criando barreiras significativas para a prática de atividades físicas, afastando-os.

«Mais uma vez, no Orçamento do Estado de 2024 não está contemplada uma verba direta para o Desporto Escolar, estando este sujeito a um financiamento proveniente dos resultados líquidos dos jogos sociais da Santa Casa.»

O Desporto Escolar deveria ser encarado como uma alternativa acessível, a nível financeiro, à prática da atividade física em clubes desportivos. A realidade do nosso país, é que nem todos os pais possuem recursos necessários para pagar as mensalidades praticadas nos clubes (fruto da crescente mercantilização do desporto e da necessidade de financiamento das atividades do clube através das receitas da formação). O Desporto Escolar, por sua vez, por ser gratuito, surge aqui como uma opção inclusiva e democratizadora, possibilitando a todas crianças e jovens a oportunidade de participar, independentemente das condições dos pais. Este cenário vem assim reforçar, ainda mais, a importância do Desporto Escolar como uma via essencial para promover a cultura desportiva, garantindo que a prática desportiva não é exclusiva apenas de alguns, mas sim, acessível a todos.

Durante a pandemia, tal como referiu o Professor e especialista na área da Motricidade Infantil, Carlos Neto, os níveis da atividade física nas crianças e jovens, deteriorou-se, com a proibição das práticas desportivas e com a redução do tempo de recreio, ressaltando aqui a necessidade de recuperar o tempo perdido no desenvolvimento motor das crianças.

« O Desporto Escolar, por sua vez, por ser gratuito, surge aqui como uma opção inclusiva e democratizadora, possibilitando a todas crianças e jovens a oportunidade de participar (...).»

Atualmente, a percentagem, cada vez maior, de crianças que nunca praticam atividade física é em parte culpa dessa fase e põe a nu a urgência na tomada de medidas para reverter esta tendência, fazendo cumprir, desta forma, o artigo 79.º da Constituição da República Portuguesa, quanto ao direito das crianças e jovens diz respeito, que defende que «todos têm direito à cultura física e ao desporto», cabendo assim a responsabilidade ao Estado de promover esse direito. É importante ressalvar a importância do Desporto Escolar no contexto educativo, enaltecendo a necessidade de garantir o direito à Educação Física e à prática desportiva como essencial para uma emancipação individual e coletiva da juventude.

A construção de uma Escola Pública de qualidade, inclusiva e gratuita é também vital para realizar esse direito. Não podemos esquecer o valor educativo que o desporto e a sua prática têm na educação, considerado um bem cultural pelo seu impacto positivo no crescimento, na saúde, na cultura e na integração social da criança, desempenhando assim um papel crucial no desenvolvimento global da sociedade.

Por fim, reconhecer a ligação entre a prática desportiva, a educação, as condições sociais e económicas dos pais, e continuar a lutar para garantir os direitos das crianças, dos jovens e dos pais. A construção de um caminho alternativo que tenha como prioridade a colocação do Desporto Escolar como base de uma cultura desportiva nacional, é urgente e necessário para enfrentar desafios atuais e promover um desenvolvimento integral e equitativo das crianças e jovens, um compromisso que o Estado tem de assumir para um futuro melhor, com mais saúde e mais cultura desportiva.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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