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|Novo Aeroporto de Lisboa

O Aeroporto, Alcochete e a multinacional

O Novo Aeroporto de Lisboa em Alcochete não interessa aos accionistas da Vinci. Esta é a questão central desde 2013 e vai continuar a ser, pois não será uma Comissão Técnica Independente a fazer mudar os interesses dos accionistas.

Créditos / cm-seixal.pt

A questão central para se perceber o porquê dos atrasos na construção do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) é perceber o impacto da privatização da ANA. Porque esse é que é o elemento central que explica os dez últimos anos de atraso na obra. E está nessa privatização o escolho que vai continuar a atrasar a construção do NAL.

Ao leitor mais atento terá surgido uma objecção ao atrás exposto: mas a privatização deu-se em 2013, não explica os 40 anos de atraso para trás. Claro que não. A decisão foi tomada ainda no tempo do fascismo, e confirmada pelos governos provisórios de Vasco Gonçalves, que a incluíram no conjunto de investimentos estratégicos necessários ao desenvolvimento do País1. Desde sempre que a necessidade do NAL se prendia com dois aspectos herdados da localização concreta do Aeroporto da Portela: a necessidade de retirar uma infra-estrutura destas de dentro de uma cidade; a necessidade de expandir o Aeroporto e a Cidade Aeroportuária, o que resultava impossível nos constrangimentos físicos provocados pela Cidade que rodeia a Portela.

«Estes [os accionistas da Vinci] vão continuar a agir movidos pelo desejo de aumentar os seus lucros e os seus dividendos. Ponto. [...] O que os coloca a agir contra qualquer decisão que não seja a que desejam, o que os coloca a manipular, a financiar, a promover qualquer táctica que lhes sirva os interesses, e leve as autoridades a agir contra o interesse público»

Entre 1980 e 2010, os recursos gerados pela ANA foram ainda utilizados para construir uma moderna Rede Aeroportuária Nacional, com investimentos muito significativos que não receberam praticamente apoio estatal. Ao mesmo tempo que o processo de privatização da TAP criava sempre um cenário hipotético de menores necessidades aeroportuárias (pois sem a TAP não há hub, nem Manutenção e Engenharia, e as necessidades físicas operacionais diminuem muito, e, apesar dos governos não assumirem publicamente esta premissa, conheciam-na perfeitamente). Neste período, a indefinição sobre a localização do futuro Aeroporto era, fundamentalmente, o reflexo da falta de vontade de o construir, ou porque se desvalorizava a necessidade de sair de dentro da Cidade, ou porque se desvalorizava a necessidade de alargar a capacidade aeroportuária, ou por ambas as razões. Uma falta de vontade nunca assumida, mas que estava presente, ao mesmo tempo que as pressões imobiliárias e da baixa política percorriam o seu caminho.

Entretanto, o crescimento do sector aeroportuário era gigantesco (ver quadro com passageiros na Portela) e algo começou a ser evidente: mesmo admitindo que um dia desaparecia a TAP na sequência de uma privatização, a Portela já não era suficiente, os investimentos eram inevitáveis, ou toda a actividade turística nacional podia ficar comprometida. O processo acelera e é encontrada uma solução praticamente consensual – a construção do Aeroporto nos terrenos públicos do Campo de Tiro de Alcochete. Desta opção é realizado o projeto e o devido estudo de impacto ambiental, que a aprova (com condições, como é normal num estudo deste tipo).

Quadro com passageiros na Portela / Do autor

Mas em 2013 tudo mudou. A ANA é vendida à multinacional Vinci por uns míseros mil milhões de euros. O contrato assinado prevê explicitamente a obrigação de a multinacional construir o NAL (o que foi amplamente divulgado pelo Governo de então, o do PSD/CDS de Passos Coelho/Paulo Portas). Mas tinha os alçapões suficientes para a multinacional escapar dessa obrigação, querendo (o que foi escondido do povo português). E, assim que se apanhou com a ANA, a multinacional deixou bem claro que não estava de acordo com a construção do NAL nos moldes projectados, pois queria manter a operação na Portela. Surge então a tese de que o País deveria oferecer à multinacional mais duas bases aéreas (Montijo e Figo Maduro) e ainda permitir que a ANA não construísse o NAL, mas um mini-NAL, um apeadeiro, como lhe chamaram. E quer o PSD quer o PS adoptam essa tese, pois fazer o que mandam as multinacionais está na sua génese. Pela primeira vez desde 1969 um Governo português assumia o projecto de fazer crescer dentro da Cidade de Lisboa um Aeroporto Internacional. Algo que em todo o mundo se recusa, por razões óbvias. Porque é preciso deixar claro que é isso que significa o Portela+1 ou o mais criativo mas exactamente igual Montijo+1, que PS e PSD passaram a defender porque era a posição da multinacional Vinci.

E o que mudou, o que levou a essa extraordinária posição de um Governo da República, e dos dois maiores partidos da Assembleia da República, foi que a Vinci olha para a Rede Aeroportuária Nacional com olhos diferentes: o seu objectivo, o seu único objectivo, é aumentar os seus lucros e os dividendos que gera para os seus accionistas. Ora, para aumentar o lucro da ANA o ideal é manter a Portela em funcionamento, alargando-a tanto quanto possível (está construída, está localizada no centro da Cidade com o Metro à porta e uma gigantesca rede hoteleira a 10 minutos) e arranjar um Aeroporto de apoio onde fazer aterrar os voos que a Portela já não comporta, principalmente para o conjunto de low-costs que, operando exclusivamente no segmento ponto-a-ponto, conseguem tolerar bem esse tipo de infra-estrutura (como acontece em Roma, por exemplo).

Claro que isto exige que Lisboa continue a ter um Aeroporto dentro de si, com a poluição que isso gera e com o que essa poluição afecta a população. Mas os cidadãos de Lisboa não são accionistas da Vinci. Claro que isso exige que os voos nocturnos continuem a massacrar a cidade. Mas, repito, os cidadãos de Lisboa não são accionistas da Vinci. Claro que isso introduz limitações à TAP, ao seu crescimento, à sua Manutenção e Engenharia, à sua sobrevivência. Mas os accionistas da Vinci não são accionistas da TAP. Claro que isso exige que assumamos o custo de desmantelar as duas bases aéreas citadas, relocalizar a sua actividade, encontrar outras soluções para o transporte aéreo de mercadorias (e bem que se queixam os concessionários desta privatização), deslocalizar os voos de avionetas e de Estado. Mas nada disso afecta os accionistas da Vinci. Claro que teremos de manter um aeroporto sempre congestionado e pouco amigável para o passageiro, mas desde que isso não afecte os lucros dos accionistas da Vinci, nada de grave. Claro que isso afecta a capacidade de gerar emprego de qualidade, de diversificar a actividade económica, mas os accionistas da Vinci não andam à procura de emprego em Portugal.

Esta é a questão central. O NAL em Alcochete não interessa aos accionistas da Vinci. É a questão central desde 2013 e vai continuar a ser, pois não será uma qualquer Comissão Técnica Independente (CTI) que vai fazer os interesses dos accionistas da Vinci mudar. Estes vão continuar a agir movidos pelo desejo de aumentar os seus lucros e os seus dividendos. Ponto. O que os coloca necessariamente contra qualquer decisão da CTI que afecte esses interesses. O que os coloca a agir contra qualquer decisão que não seja a que desejam, o que os coloca a manipular, a financiar, a promover qualquer táctica que lhes sirva os interesses, e leve as autoridades a agir contra o interesse público e a favor do interesse dos accionistas da multinacional Vinci.

É neste cenário que ressurgem «as dúvidas sobre a localização». Mais uma vez, elas não revelam nenhuma dúvida sobre a localização. Baralhando e voltando a dar, se se tiver em conta o interesse nacional, a decisão será sempre «nos terrenos públicos do Campo de Tiro de Alcochete». Como voltou a acontecer com a actual CTI. Mas por detrás desta vontade de não decidir passaram a estar interesses bem concretos. E poderosos.

Qualquer decisão que o governo venha adoptar tem que ter em conta esta realidade: o que a Vinci verdadeiramente deseja é autorização para avançar com 600 milhões de euros de obras na Portela, levando-a ao máximo da sua capacidade, absorvendo ainda o Figo Maduro. Se a multinacional conseguir isto, não avançará para a construção do NAL, diga o que disser agora.

«Bem, o mais simples, era voltar a retirar da equação os accionistas da Vinci, através da renacionalização da ANA.»

Se o actual ou o futuro Governo, em nome do turismo nacional, verdadeiramente afectado pelo caos a que a privatização conduziu a Portela, autorizar a Vinci a avançar já neste sentido, todas as restantes decisões ficam postas em causa. É preciso perceber que o anúncio da decisão definitiva sobre o NAL pode não implicar a construção do NAL (como já aconteceu, aliás). E quase seguramente o implicará se em simultâneo forem autorizados os investimentos que a Vinci quer fazer na Portela.

Então, que fazer? Porque é evidente que o NAL não estará construído em seis meses (nem em seis anos), e a Portela está a rebentar pelas costuras. Bem, o mais simples, era voltar a retirar da equação os accionistas da Vinci, através da renacionalização da ANA. Era devolver-lhes os mil milhões, que se somariam aos mil milhões em lucros que já levaram, registar as perdas para o País de ter lhe terem imposto a opção de privatizar a ANA, e seguir em frente. A outra alternativa é muito mais complicada e mais cara. Implica impor à Vinci uma solução que não é a melhor para si. Só há uma forma de fazer isto: regar a multinacional com euros, renegociar o contrato, alargar a concessão, e oferecer-lhe tanto dinheiro por fazer aquilo que o país precisa, que o seu interesse passe a ser fazer o que o país precisa.

Mas não é possível autorizar a modernização da Portela, garantindo o compromisso da Vinci que implementará a construção faseada do NAL até à saída definitiva da Portela? Não. Ou melhor, é possível fazer essa declaração e assinar esse papel, que será válido enquanto se moderniza a Portela e será cancelado quando chegar a fase de construir o NAL. Porque os interesses dos accionistas da Vinci não mudam por causa de um acordo que não lhes garanta o acima exposto, e, não mudando, vão continuar a agir de acordo com os seus interesses. E o NAL vai continuar a não ser construído. Mesmo que PS e PSD (e quejandos) tenham de encenar mais umas quantas querelas sobre a localização, o tamanho e as características do NAL.

É por isso que não se privatizam infra-estruturas estratégicas e ainda menos a responsabilidade de construir infra-estruturas estratégicas.

  • 1. Numa daquelas bicadas venenosas destinadas a gerar frutos mais à frente, um jornal português dizia esta semana, na cronologia sobre o Aeroporto, que a Revolução de Abril viria a implicar um atraso no processo. Mas esse atraso só pode ser imputado à contra-revolução, aos governos ditos constitucionais.

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