A questão central para se perceber o porquê dos atrasos na construção do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) é perceber o impacto da privatização da ANA. Porque esse é que é o elemento central que explica os dez últimos anos de atraso na obra. E está nessa privatização o escolho que vai continuar a atrasar a construção do NAL.
Ao leitor mais atento terá surgido uma objecção ao atrás exposto: mas a privatização deu-se em 2013, não explica os 40 anos de atraso para trás. Claro que não. A decisão foi tomada ainda no tempo do fascismo, e confirmada pelos governos provisórios de Vasco Gonçalves, que a incluíram no conjunto de investimentos estratégicos necessários ao desenvolvimento do País1. Desde sempre que a necessidade do NAL se prendia com dois aspectos herdados da localização concreta do Aeroporto da Portela: a necessidade de retirar uma infra-estrutura destas de dentro de uma cidade; a necessidade de expandir o Aeroporto e a Cidade Aeroportuária, o que resultava impossível nos constrangimentos físicos provocados pela Cidade que rodeia a Portela.
«Estes [os accionistas da Vinci] vão continuar a agir movidos pelo desejo de aumentar os seus lucros e os seus dividendos. Ponto. [...] O que os coloca a agir contra qualquer decisão que não seja a que desejam, o que os coloca a manipular, a financiar, a promover qualquer táctica que lhes sirva os interesses, e leve as autoridades a agir contra o interesse público»
Entre 1980 e 2010, os recursos gerados pela ANA foram ainda utilizados para construir uma moderna Rede Aeroportuária Nacional, com investimentos muito significativos que não receberam praticamente apoio estatal. Ao mesmo tempo que o processo de privatização da TAP criava sempre um cenário hipotético de menores necessidades aeroportuárias (pois sem a TAP não há hub, nem Manutenção e Engenharia, e as necessidades físicas operacionais diminuem muito, e, apesar dos governos não assumirem publicamente esta premissa, conheciam-na perfeitamente). Neste período, a indefinição sobre a localização do futuro Aeroporto era, fundamentalmente, o reflexo da falta de vontade de o construir, ou porque se desvalorizava a necessidade de sair de dentro da Cidade, ou porque se desvalorizava a necessidade de alargar a capacidade aeroportuária, ou por ambas as razões. Uma falta de vontade nunca assumida, mas que estava presente, ao mesmo tempo que as pressões imobiliárias e da baixa política percorriam o seu caminho.
Entretanto, o crescimento do sector aeroportuário era gigantesco (ver quadro com passageiros na Portela) e algo começou a ser evidente: mesmo admitindo que um dia desaparecia a TAP na sequência de uma privatização, a Portela já não era suficiente, os investimentos eram inevitáveis, ou toda a actividade turística nacional podia ficar comprometida. O processo acelera e é encontrada uma solução praticamente consensual – a construção do Aeroporto nos terrenos públicos do Campo de Tiro de Alcochete. Desta opção é realizado o projeto e o devido estudo de impacto ambiental, que a aprova (com condições, como é normal num estudo deste tipo).
Mas em 2013 tudo mudou. A ANA é vendida à multinacional Vinci por uns míseros mil milhões de euros. O contrato assinado prevê explicitamente a obrigação de a multinacional construir o NAL (o que foi amplamente divulgado pelo Governo de então, o do PSD/CDS de Passos Coelho/Paulo Portas). Mas tinha os alçapões suficientes para a multinacional escapar dessa obrigação, querendo (o que foi escondido do povo português). E, assim que se apanhou com a ANA, a multinacional deixou bem claro que não estava de acordo com a construção do NAL nos moldes projectados, pois queria manter a operação na Portela. Surge então a tese de que o País deveria oferecer à multinacional mais duas bases aéreas (Montijo e Figo Maduro) e ainda permitir que a ANA não construísse o NAL, mas um mini-NAL, um apeadeiro, como lhe chamaram. E quer o PSD quer o PS adoptam essa tese, pois fazer o que mandam as multinacionais está na sua génese. Pela primeira vez desde 1969 um Governo português assumia o projecto de fazer crescer dentro da Cidade de Lisboa um Aeroporto Internacional. Algo que em todo o mundo se recusa, por razões óbvias. Porque é preciso deixar claro que é isso que significa o Portela+1 ou o mais criativo mas exactamente igual Montijo+1, que PS e PSD passaram a defender porque era a posição da multinacional Vinci.
Com a privatização da ANA, o investimento foi brutalmente reduzido, com as verbas a serem acumuladas nos resultados líquidos, para permitir a apropriação de rendas pela multinacional. A recente publicação dos lucros da ANA em 2022 foi tratada essencialmente pelos extraordinários resultados alcançados, um lucro de 334 milhões de euros. E esse número, o maior de sempre, foi justamente destacado na comunicação social, obtido num quadro em que o sector aéreo ainda não recuperou plenamente. Mas a privatização da ANA, tal como a Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP está a mostrar sobre esta, não pode ser compreendida através da espuma mediática. Há que mergulhar no processo, para então perceber os mecanismos criminosos de apropriação e destruição de riqueza. Criminosos no sentido de serem crimes contra a soberania e a economia portuguesa, crimes contra a qualidade de vida do nosso povo. Do ponto de vista estritamente jurídico, esses crimes foram, na maior parte dos casos, previamente legalizados, pois como sempre, as classes dominantes constroem a arquitectura jurídica que legaliza e protege as formas da sua apropriação de riqueza. Mas voltando aos concretamente. Vamos ver o que significa e o que está por trás desses resultados financeiros. A generalidade da comunicação social, ela própria detida e dependente dos grupos económicos, e por isso sempre desejosa de pintar as privatizações de cor-de-rosa, destaca que «a partir do 11.º ano da privatização, a ANA tem de partilhar parte das suas receitas com o Estado, começando em 1% da receita bruta até acabar nos 10% (entre o 41.º e o 50.º anos). As contas mais recentes divulgadas pelo Governo dão um total de 2756 milhões de euros a pagar pela ANA ao Estado até ao final da actual concessão». Que espectacular privatização que nos fará receber (necessariamente agradecidos) mais quase três mil milhões. Nenhum, repito, nenhum jornalista se lembrou de inverter a fórmula? É que se 10% (no máximo 10%, mas vamos simplificar) são 2756 milhões então 90% são 24804 milhões. Ou seja, que a ANA gerará de lucros até ao final da concessão qualquer coisa como 25 mil milhões de euros. Se pensarmos que a ANA foi «vendida» por 2 mil milhões de euros, mais um empréstimo de mil milhões da Vinci à ANA que está nas contas da ANA a render juros 3% acima do mercado (são mais 20 milhões anuais que vão para França limpos de impostos todos os anos), e que nos dez primeiros anos a ANA teve lucros de 1444 milhões de euros (ver quadro anexo), e a isso somarmos a previsão (deduzida dos números do governo!) de que a ANA terá lucros de mais 25 mil milhões até ao final da concessão, ficamos com uma ideia aproximada da imensa riqueza que o país perde com esta privatização. Riqueza de que as multinacionais se apropriam depois de remunerarem justamente quem tal serviço lhes prestou: e é por isso que nunca há-de faltar dinheiro para fazer propaganda, directa e indirecta, às liberalizações e privatizações. Quase 1,5 mil milhões em apenas 10 anos e com uma pandemia pelo meio! Aqueles que tiverem as mentes completamente torradas pela ideologia neoliberal, e até aqueles onde a ideia das virtudes da concorrência ainda só penetrou discretamente, tal como o bichinho na maçã, estarão agora a pensar que esse aumento de lucros foi obtido graças às extraordinárias qualidades dos gestores privados e da gestão privada. Mas não. Cada razão para se ter aumentado o lucro é uma faceta do crime contra o povo português. Vamos dar alguns exemplos. Só com a redução do investimento para a média do «privado» a ANA pública teria gerado mais 550 milhões de resultados líquidos. Mas o país não teria a infra-estrutura aeroportuária que tem. Só no Aeroporto do Porto, nos 10 últimos anos de gestão pública, a ANA investiu 455,2 milhões de Euros. Aplicando, e bem, o princípio constitucional da subsidiariedade, receitas essencialmente geradas no Aeroporto de Lisboa foram usadas para modernizar o Aeroporto do Porto, até o colocar como um dos melhores da Europa no seu espectro. Desde a privatização, o investimento no Aeroporto do Porto tem sido ainda mais residual que nos outros, mas não se ouve uma queixa de Rui Moreira ou dos restantes pseudo defensores do Porto e da Região Norte (queixas que ouviríamos todos os dias se a ANA fosse pública). É que, com a privatização da ANA, o investimento foi brutalmente reduzido, com as verbas a serem acumuladas nos resultados líquidos, para permitir a apropriação de rendas pela multinacional: Vejamos os volumes de investimento da ANA antes da privatização: E depois da privatização: Olhemos para o quadro de pessoal da ANA, quer na sua evolução desde a privatização, quer na sua evolução durante e desde a pandemia de Covid. Entre 2012 e 2019, o número de trabalhadores já tinha sido proporcionalmente muito reduzido, pois é necessário relacionar a evolução do número de trabalhadores com o aumento do número de passageiros e movimento. Em média, a operação cresceu 10 a 15 vezes mais que os operacionais efectivos. E na ANA SA o número de trabalhadores reduziu-se mesmo perante a duplicação do movimento e das respectivas receitas. Mas a evolução durante a pandemia não é menos escandalosa. Se a operação quase recuperou os números de 2019 (está a 5% de o fazer), o número de trabalhadores está 23% abaixo dos números de 2019. Este é um dado fundamental a reter quando daqui a um mês se andar a procurar desculpas para o Verão caótico que está a chegar ao Aeroporto de Lisboa. Esta realidade é particularmente sentida na Portway (empresa de assistência em escala do grupo ANA). Veja-se a evolução do número de trabalhadores entre 2019 e 2022 comparada com o múmero de voos assistidos pela Portway, onde um aumento de quase 1% do trabalho é realizado por menos 31% dos trabalhadores. Um outro dado que o Relatório e Contas aponta, também edificante da forma como a ANA é gerida, é o facto de ter aproveitado a pandemia para suspender até novembro de 2024 as contribuições mensais previstas no Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões ANA, S.A. Depois de terem despedido, congelado e reduzido salários, agora a ANA expressa preocupação que «...2022 apresentou-se como um ano de desafios para o sector, particularmente no campo de recrutamento e treino, devido à necessidade de contratação de pessoal em face da recuperação do nível de passageiros...». Só falta começarem a queixar-se, como já tantos fazem: ninguém quer trabalhar, despedimo-los, e agora que fazem falta outra vez não estão acampados ali à porta à espera da nossa chamada. Ao desinvestimento, acresce o aumento de preços praticados, que na prática significa que a ANA retira uma fatia maior de cada passageiro em cada voo. Desde logo, aumentaram as taxas aeroportuárias. Só este ano, já aumentaram as taxas de tráfego e assistência em escala em 8,38% no Porto e 7,10% em Faro. Em Lisboa, esses aumentos foram ainda maiores. Para termos uma ideia, e usando taxas concretas, o valor mínimo por aterragem no aeroporto de Lisboa aumentou 19,67% em 2022, mas desde a privatização a taxa já cresceu 249%, e a taxa de passageiros Schengen no Aeroporto de Lisboa aumentou 26,1% em 2022, e já totaliza 91,3% de aumento desde a privatização. Mas que dizer das taxas de segurança e PMR (Passageiros de Mobilidade Reduzida), que para um número de passageiros ligeiramente menor (como consta do quadro supra) passaram de 68,2 milhões em 2019 para uns extraordinários 102,1 milhões de euros em 2022. Este número deve ser recordado de cada vez, e são muitas, que um passageiro de mobilidade reduzida fica retido nos aviões por falta de assistência da ANA, apesar dos Migueis Sousas Tavares deste mundo imediatamente responsabilizarem de tal a TAP, a ANAC ou outra qualquer entidade pública, e nunca a verdadeira responsável, a mágica Vinci. Este aumento de preços sentiu-se em tudo – alugueres, estacionamento, circulação. Mas o artigo já vai longo e importa deixar aqui ainda dois outros exemplos. As Lojas Francas de Portugal eram uma empresa nacional, detida pela TAP a 51%, que explorava as lojas duty free nos aeroportos nacionais dando um lucro razoável à TAP. Em 2015, os privados que se apoderaram da TAP ainda pensaram usar a venda desse activo para arrecadar uma capitalização extra de 120 milhões de euros. Mas a multinacional Vinci mostrou-lhes que, entre capitalistas, a solidariedade de classe só se aplica na adopção de mecanismos comuns para intensificar a exploração de quem trabalha. A Vinci explicou à Gateway que ou vendia a bem (pelo preço da Vinci) ou perdia a concessão a mal (com um concurso onde seria substituída na concessão). E as Lojas Francas foram «vendidas» à ANA por cerca de 15,6 milhões. Em 2022, a ANA substitui as Lojas Francas na concessão das Lojas por uma outra empresa, também detida a 51% pela ANA, a PTDF, desta vez em parceria com uma empresa pública (!) irlandesa, transferindo para a nova empresa todos os trabalhadores das Lojas Francas. Como se pode ver no quadro com os resultados líquidos da ANA, em 10 anos a concessão já lhe rendeu 1,4 mil milhões de euros de lucros. Pois não chega, e já avançou com um pedido de reequilíbrio económico e financeiro da concessão, exigindo mais de 200 milhões de compensações por causa da pandemia. E o que todos devemos ter claro é que vai acabar a receber grande parte desse dinheiro, por via de um qualquer Tribunal Arbitral ou de um acordo com o Estado para o prolongamento da concessão, e nessa altura, nem a Comissão Europeia, nem a Autoridade da Concorrência, nem nenhuma das instituições do estado burguês se vai queixar de apoios de estado indevido. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
Privatização da ANA: Continua o assalto!
O lucro da ANA
Ano Resultado Líquido da ANA SA. (fonte Relatório e Contas do ano respectivo) 2013 11,9 2014 50,6 2015 101,2 2016 168,1 2017 248,5 2018 282,3 2019 301,8 2020 -79,7 2021 25,5 2022 333,9 Total 1444,1 O desinvestimento
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Investimento (Milhões €) 81,4 69,5 154,4 134,8 103,6 86,3 137,8 153,7 127,4 95,1 Média do investimento nos últimos 10 anos de gestão pública 114,4 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 Investimento (Milhões €) 60,9 53,1 36,4 61,1 69,5 62,7 55,8 47,1 76,2 25,7 35,3 A privatização foi concretizada em 2012 e implementada durante 2013, daí se ter considerado esses dois anos como mistos. Média do Investimento após a privatização 52,2 O aumento brutal da exploração
2012 2019 2022 Diferença 12/19 % 12/19 Diferença 19/22 % 19/22 No Passageiros (M) 30,5 59,1 55,7 28,6 93,8% -3,4 -5,7% Movimentos (m) 280 429 407 149 53,2% 22 -5,1% Volume de Negócios (M€) 433 898 903 465 107,4% 5 0,5% Resultado Líquido (M€) 53,9 303,4 333,9 250 462,9% 30,5 10,0% Efectivo a 31/12 (Grupo ANA) 3056 3258 2493 202 6,2% -765 -23,4% Efectivo a 31/12 (ANA SA+ANAM SA em 2012) 1384 1304 1136 -80 -5,70% -168 -12,8% Portway 2019 2022 Diferença Variação No Voos Assistidos 53834 54155 321 0,6% Trabalhadores a 31/12 1954 1357 -597 -30,5% Aumento brutal de todos os preços
As Lojas Francas
Os vampiros querem mais
Contribui para uma boa ideia
E o que mudou, o que levou a essa extraordinária posição de um Governo da República, e dos dois maiores partidos da Assembleia da República, foi que a Vinci olha para a Rede Aeroportuária Nacional com olhos diferentes: o seu objectivo, o seu único objectivo, é aumentar os seus lucros e os dividendos que gera para os seus accionistas. Ora, para aumentar o lucro da ANA o ideal é manter a Portela em funcionamento, alargando-a tanto quanto possível (está construída, está localizada no centro da Cidade com o Metro à porta e uma gigantesca rede hoteleira a 10 minutos) e arranjar um Aeroporto de apoio onde fazer aterrar os voos que a Portela já não comporta, principalmente para o conjunto de low-costs que, operando exclusivamente no segmento ponto-a-ponto, conseguem tolerar bem esse tipo de infra-estrutura (como acontece em Roma, por exemplo).
Claro que isto exige que Lisboa continue a ter um Aeroporto dentro de si, com a poluição que isso gera e com o que essa poluição afecta a população. Mas os cidadãos de Lisboa não são accionistas da Vinci. Claro que isso exige que os voos nocturnos continuem a massacrar a cidade. Mas, repito, os cidadãos de Lisboa não são accionistas da Vinci. Claro que isso introduz limitações à TAP, ao seu crescimento, à sua Manutenção e Engenharia, à sua sobrevivência. Mas os accionistas da Vinci não são accionistas da TAP. Claro que isso exige que assumamos o custo de desmantelar as duas bases aéreas citadas, relocalizar a sua actividade, encontrar outras soluções para o transporte aéreo de mercadorias (e bem que se queixam os concessionários desta privatização), deslocalizar os voos de avionetas e de Estado. Mas nada disso afecta os accionistas da Vinci. Claro que teremos de manter um aeroporto sempre congestionado e pouco amigável para o passageiro, mas desde que isso não afecte os lucros dos accionistas da Vinci, nada de grave. Claro que isso afecta a capacidade de gerar emprego de qualidade, de diversificar a actividade económica, mas os accionistas da Vinci não andam à procura de emprego em Portugal.
A ANA continua a realizar vultuosos investimentos na Portela, ao mesmo tempo que luta para impor ao País a sua opção – ampliar a Portela e receber de oferta a Base Aérea n.º 6 para fazer um apeadeiro. O anúncio recente da «necessidade» da TAP sair das suas instalações no aeroporto de Lisboa resultou do facto de a comunicação social ter divulgado um comunicado da CT da TAP aos trabalhadores da empresa. Esteve bem a Comissão de Trabalhadores (CT) da TAP, que cumpriu o seu papel, pois as CT fazem o controlo de gestão em nome dos trabalhadores e a estes devem total informação. A ideia de que as estruturas dos trabalhadores são informadas pelas administrações porque a lei a isso as obriga, mas depois devem guardar segredo dessas informações, destina-se a fazer das estruturas dos trabalhadores cúmplices da gestão. Ora estas são o instrumento constitucional para os trabalhadores exercerem o direito e o dever de controlar a gestão. A notícia dada aborda algumas das justas preocupações dos trabalhadores da TAP. Mas omite todo o histórico do processo. E esse histórico é aqui fundamental para perceber o que verdadeiramente está em causa. Ora, em 2016, já o famoso «Project Rise» advogava a saída da TAP das suas instalações no aeroporto da Portela, entregando à ANA esses terrenos e alugando instalações baratas num local qualquer. Essa «opção» só não avançou então, porque o governo, do PS, era minoritário, e não teve condições para concretizar esse objectivo face à firme rejeição do PCP. As agora questões «de segurança das instalações» que exigiriam a tomada dessa opção eram em 2016 meras opções economicistas. É, no mínimo, caso para desconfiar de que as ditas questões de «segurança das instalações» serão, ou uma pura falsidade ou o cavalgar de um problema ampliando-o (neste caso, até os 50 milhões de custos), pelo que se deve exigir conhecer e criticar o tal relatório. Da mesma forma, não faz qualquer sentido a outra razão apontada pela administração para justificar a saída, em breve, da TAP da Portela. A ideia de que, como o aeroporto vai para Alcochete, não se justifica gastar 50 milhões nas instalações da Portela, ou melhor, faz sentido mas não justifica que a TAP saia já do seu reduto no aeroporto. Explico. Não está decidido que o aeroporto vai ser mudado para Alcochete. Devia estar, mas não está. O Governo privatizou a decisão sobre tal assunto, através de concurso público. É de temer que a decisão justa e que estava tomada1, de construir um novo aeroporto em Alcochete e encerrar progressivamente a Portela, não venha a ser a «opção» do ganhador do concurso para fazer o estudo que decidirá do futuro do aeroporto de Lisboa2. Aliás, a ANA continua a realizar vultuosos investimentos na Portela, ao mesmo tempo que luta para impor ao País a sua opção – ampliar a Portela e receber de oferta a Base Aérea n.º 6 para fazer um apeadeiro. ANA esta, que está, naturalmente, profundamente interessada em quaisquer terrenos que a TAP liberte na Portela, para poder ampliar a sua base de operações. «É de temer que a decisão justa e que estava tomada, de construir um novo aeroporto em Alcochete e encerrar progressivamente a Portela, não venha a ser a "opção" do ganhador do concurso para fazer o estudo que decidirá do futuro do aeroporto de Lisboa.» A anunciada «necessidade» de sair da Portela não é mais que o prosseguir do plano economicista de descaracterização e redução da TAP a um hub para as Américas e África, a ser assimilado por uma das três companhias europeias «de bandeira» autorizadas a sobreviver e até crescer: Lufthansa, Air France/KLM ou British/Iberia. E faz igualmente parte do plano da ANA manter o aeroporto dentro da cidade de Lisboa. Noutro plano, a campanha contra a TAP, destinada a facilitar a sua futura e projectada privatização, continua. Tal como interessa ao grande capital. Estão anunciados os resultados do primeiro trimestre de 2022. Continuam a ser negativos para todas as companhias aéreas, bem como as projecções anuais, influenciadas negativamente ainda pelos efeitos da Covid-19, mas principalmente pelo impacto das sanções económicas decretadas «contra» a Rússia e pela crescente especulação com o preço do petróleo. Agora vejam o contraste da forma como as notícias são apresentadas: «Air France-KLM reduz para menos de metade os prejuízos no primeiro trimestre. O número de passageiros transportados no primeiro trimestre na Air France, KLM e Transavia aumentou 201,3% para os 14,5 milhões. A Air France-KLM reduziu em 62,8% os prejuízos no primeiro trimestre. De perdas de 1,5 mil milhões de euros no primeiro trimestre de 2021, a operadora passou para um prejuízo consideravelmente menor, de 552 milhões de euros». «Governo prevê prejuízos de 54 milhões de euros para a TAP este ano» (os prejuízos da TAP em 2021 foram de 1,1 mil milhões, ainda que muito empolados com a limpeza das contas da TAP de umas centenas de milhões de euros de prejuízos acumulados com a Manutenção Brasil3. Ou seja, num caso destaca-se a evolução positiva, noutro o facto negativo. Assim quando a primeira comprar a segunda, tudo será mais natural. A isto se chama fazer o frete... aos privados. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
Mais mentiras, mais destruição: o perigoso caminho imposto à TAP
A saída da TAP do seu reduto
Os resultados do primeiro trimestre
Contribui para uma boa ideia
Esta é a questão central. O NAL em Alcochete não interessa aos accionistas da Vinci. É a questão central desde 2013 e vai continuar a ser, pois não será uma qualquer Comissão Técnica Independente (CTI) que vai fazer os interesses dos accionistas da Vinci mudar. Estes vão continuar a agir movidos pelo desejo de aumentar os seus lucros e os seus dividendos. Ponto. O que os coloca necessariamente contra qualquer decisão da CTI que afecte esses interesses. O que os coloca a agir contra qualquer decisão que não seja a que desejam, o que os coloca a manipular, a financiar, a promover qualquer táctica que lhes sirva os interesses, e leve as autoridades a agir contra o interesse público e a favor do interesse dos accionistas da multinacional Vinci.
É neste cenário que ressurgem «as dúvidas sobre a localização». Mais uma vez, elas não revelam nenhuma dúvida sobre a localização. Baralhando e voltando a dar, se se tiver em conta o interesse nacional, a decisão será sempre «nos terrenos públicos do Campo de Tiro de Alcochete». Como voltou a acontecer com a actual CTI. Mas por detrás desta vontade de não decidir passaram a estar interesses bem concretos. E poderosos.
Qualquer decisão que o governo venha adoptar tem que ter em conta esta realidade: o que a Vinci verdadeiramente deseja é autorização para avançar com 600 milhões de euros de obras na Portela, levando-a ao máximo da sua capacidade, absorvendo ainda o Figo Maduro. Se a multinacional conseguir isto, não avançará para a construção do NAL, diga o que disser agora.
«Bem, o mais simples, era voltar a retirar da equação os accionistas da Vinci, através da renacionalização da ANA.»
Se o actual ou o futuro Governo, em nome do turismo nacional, verdadeiramente afectado pelo caos a que a privatização conduziu a Portela, autorizar a Vinci a avançar já neste sentido, todas as restantes decisões ficam postas em causa. É preciso perceber que o anúncio da decisão definitiva sobre o NAL pode não implicar a construção do NAL (como já aconteceu, aliás). E quase seguramente o implicará se em simultâneo forem autorizados os investimentos que a Vinci quer fazer na Portela.
Então, que fazer? Porque é evidente que o NAL não estará construído em seis meses (nem em seis anos), e a Portela está a rebentar pelas costuras. Bem, o mais simples, era voltar a retirar da equação os accionistas da Vinci, através da renacionalização da ANA. Era devolver-lhes os mil milhões, que se somariam aos mil milhões em lucros que já levaram, registar as perdas para o País de ter lhe terem imposto a opção de privatizar a ANA, e seguir em frente. A outra alternativa é muito mais complicada e mais cara. Implica impor à Vinci uma solução que não é a melhor para si. Só há uma forma de fazer isto: regar a multinacional com euros, renegociar o contrato, alargar a concessão, e oferecer-lhe tanto dinheiro por fazer aquilo que o país precisa, que o seu interesse passe a ser fazer o que o país precisa.
Nesta discussão sobre a construção de um novo aeroporto, importa recordar que a solução «Portela + 1» (Montijo) resulta da privatização da ANA, que colocou a decisão nas mãos da multinacional Vinci. Os defensores da privatização da ANA – Aeroportos de Portugal tendem a argumentar em sua defesa com o crescimento da empresa. Acontece que há um crescimento do transporte aéreo a nível global, que não é fruto da privatização da ANA e já era expectável no momento em que esta aconteceu. Um crescimento que também explica a razão por que o país, quando decidia soberanamente sobre esta questão, decidiu da necessidade de construir um novo aeroporto em Lisboa (NAL) e decidiu fazê-lo nos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete. Uma decisão nacional posta em causa pela privatização, que colocou na multinacional Vinci a decisão sobre o futuro do NAL, tendo esta decidido que era melhor para os seus lucros a solução que está a tentar impor ao Governo e ao País (fazer de Lisboa a única capital europeia com um aeroporto a crescer dentro dela). «Para alcançar estes resultados, a Vinci está a espremer os utilizadores do Aeroporto de Lisboa, nomeadamente através de aumentos das taxas, que rondam os 40% desde a privatização, mas que atingem os 190% no "valor mínimo pago por aterragem"» Há ainda quem valorize o facto de a «ANA privatizada» ter pago em impostos directos, em 2018, 135 milhões de euros, por contraste com a «ANA pública», que, por exemplo, entre dividendos e impostos, entregou antes da privatização apenas 48,8 milhões. No entanto, os Relatórios e Contas do Grupo ANA mostram-nos uma outra realidade. Em 2011, último ano em que a ANA foi integralmente pública, o resultado líquido foi de 76,5 milhões e o imposto pago foi de 21,3 milhões de euros, num total de 97,8 milhões. Mas há que lhe somar um outro dado, o do investimento. E, nesse ano de 2011, a ANA investiu 95,1 milhões de euros nos aeroportos nacionais, enquanto em 2018 o investimento foi de apenas 47,9 milhões. Tudo somado, falamos de 192,9 milhões de euros em 2011 e de 182,9 milhões em 2018. É que, com a privatização, o investimento na infra-estrutura aeroportuária nacional caiu a pique em termos absolutos e colapsou em termos relativos. A média anual de investimento da ANA sob gestão pública é de 114,4 milhões de euros: 2002 (81,4 milhões de euros); 2003 (69,5); 2004 (154,4); 2005 (134,8); 2006 (103,6); 2007 (86,3); 2008 (137,3); 2009 (153,7); 2010 (127,4) e 2011 (95,1). Sob gestão privada, essa média baixa para 55,5 milhões: 2014 (36,4 milhões de euros); 2015 (61,1); 2016 (69,5); 2017 (62,7) e 2018 (47,9). Quem beneficiou, e muito, com a privatização foi o Grupo Vinci. Além de fazer repercutir nas contas da própria empresa uma parte dos custos com a sua aquisição, amealhou em seis anos 871,1 milhões de euros de resultados líquidos: 2013 (18,6 milhões de euros); 2014 (50,6); 2015 (101,2); 2016 (168,1); 2017 (248,5) e 2018 (284,1). Estes números espelham a pechincha que foram os quase dois mil milhões que o grupo francês pagou pela ANA e também explicam para onde foram as verbas que o Governo diz faltarem para construir o NAL. «Em relação aos trabalhadores, a taxa de exploração não pára de crescer.» Para alcançar estes resultados, a Vinci está a espremer os utilizadores do Aeroporto de Lisboa, nomeadamente através de aumentos das taxas, que rondam os 40% desde a privatização, mas que atingem os 190% no «valor mínimo pago por aterragem», que passou de 106,64 para 308,89 euros. E ainda colocou os aeroportos nacionais nos piores lugares do ranking mundial. De acordo com a empresa OAG, o Aeroporto de Lisboa está em 725.º lugar no ranking da pontualidade, com mais de metade dos voos atrasados, tendo empurrado a TAP e a SATA igualmente para os piores lugares dos rankings das companhias aéreas. É que, se o turismo tem sido nos últimos anos «a galinha dos ovos de ouro», no quadro de um crescimento nacional pouco sustentado, a privatização da ANA ameaça a saúde dessa galinha e a quantidade de ovos que pode continuar a produzir. Em relação aos trabalhadores, a taxa de exploração não pára de crescer. O número de trabalhadores da empresa ANA, entre 2012 e 2018, cresceu 18,7% (de 1077 para 1279). Mas o número de movimentos nos aeroportos cresceu 62% no mesmo período, o volume de negócios aumentou 117% e a movimentação de cargas, 32%. O crescimento de trabalhadores desaparece se se tiver em conta que a ANA de 2018 inclui a ANAM (Madeira), que em 2012 tinha 311 trabalhadores. Ou seja, os trabalhadores da ANA, e os muitos trabalhadores subcontratados sem os quais os aeroportos não funcionariam, estão a ser igualmente espremidos para promover a acumulação na Vinci. E em empresas do Grupo ANA, como a Portway, até já houve tempo para promover um despedimento colectivo no meio de tanto «sucesso». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Editorial|
Os números ruinosos da privatização da ANA
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Mas não é possível autorizar a modernização da Portela, garantindo o compromisso da Vinci que implementará a construção faseada do NAL até à saída definitiva da Portela? Não. Ou melhor, é possível fazer essa declaração e assinar esse papel, que será válido enquanto se moderniza a Portela e será cancelado quando chegar a fase de construir o NAL. Porque os interesses dos accionistas da Vinci não mudam por causa de um acordo que não lhes garanta o acima exposto, e, não mudando, vão continuar a agir de acordo com os seus interesses. E o NAL vai continuar a não ser construído. Mesmo que PS e PSD (e quejandos) tenham de encenar mais umas quantas querelas sobre a localização, o tamanho e as características do NAL.
É por isso que não se privatizam infra-estruturas estratégicas e ainda menos a responsabilidade de construir infra-estruturas estratégicas.
- 1. Numa daquelas bicadas venenosas destinadas a gerar frutos mais à frente, um jornal português dizia esta semana, na cronologia sobre o Aeroporto, que a Revolução de Abril viria a implicar um atraso no processo. Mas esse atraso só pode ser imputado à contra-revolução, aos governos ditos constitucionais.
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