Lições silenciadas

Com a chegada da Primavera, governantes e órgãos de comunicação social apressam-se a recolocar na agenda a temática dos incêndios rurais que todo os anos «pintam» de negro a paisagem de vastas zonas do território nacional. 

Não fugindo à regra, na semana finda, uma deslocação do Ministro da Administração Interna (MAI) a Monte Redondo, em Leiria, para acompanhar uma ação de patrulhamento da GNR, no âmbito da monitorização da gestão de combustíveis, foi pretexto para um conjunto de declarações do referido governante a propósito do tema dos incêndios.

Evocando os incêndios do verão de 2022, o MAI lembrou que «em mais de 90% das situações houve uma capacidade do sistema de proteção civil para debelar os incêndios até aos 90 minutos», sublinhando que «isso mostra a eficácia do sistema». Entretanto, adiantou que «vão ser introduzidas melhorias no sistema» tendo em conta «as lições aprendidas».

Neste momento estará o leitor a perguntar: mas quais são as lições aprendidas?

A pergunta é pertinente e resulta, como consequência natural, da atenção dada anualmente pela opinião pública a este importante problema do país.

Alguns dos incêndios ocorridos no passado verão tiveram uma duração pouco habitual no contexto do território nacional, registando impactos gravosos no património natural e florestal, em infraestruturas e no tecido económico dos territórios e das respetivas comunidades locais.

Em face desta situação, o Governo decidiu proceder à avaliação das referidas ocorrências, por duas vias: pela subcomissão de Lições Aprendidas, subsidiária da Comissão Nacional para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, existente no âmbito da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF); por um painel de 27 peritos recrutados em diversas instituições universitárias e de investigação.

Ambas as estruturas ficaram incumbidas de apresentar ao Governo, até ao final de novembro de 2022, um relatório com a sua avaliação e as propostas de medidas a implementar.  

Só a referida subcomissão apresentou o seu relatório no prazo estabelecido. Quanto ao relatório dos peritos, este só viria a ser concluído já em janeiro deste ano.

Deste modo, depois de tanto alarido à volta dos relatórios e das extraordinárias conclusões que era suposto os mesmos identificarem, era suposto que nesta data se estivesse a discutir a natureza das melhorias a implementar no sistema, em consequência de tanto labor.

Surpreendentemente (ou não) nesta data o que se regista é o total silêncio quanto a esta matéria, tanto da parte do Governo como das entidades envolvidas.

Voltando à pergunta do leitor, sobre quais são as lições aprendidas deste processo, uma só resposta possível: desconhecem-se!

Uma vez mais, o tradicional secretismo que caracteriza a cultura de silêncio prevalecente na gestão dos incêndios rurais em Portugal, apenas interrompida por anúncios propagandísticos trabalhados em agências de comunicação, impõe uma pergunta final: quais são as lições aprendidas que estão condenadas ao silenciamento público? 

Por que razão, nesta data, se desconhecem os problemas identificados na prevenção e combate aos incêndios do verão de 2022? Se há lições retiradas, qual a razão deste sepulcral silêncio sobre as mesmas?

Será que os governantes deste país ainda não entenderam que «é muito importante que todos contribuam para um país mais seguro», e que este objetivo só passará da dimensão retórica para a prática dos cidadãos, quando estes se sentirem parte das soluções?

Com o risco do silêncio tornar-se ainda mais ensurdecedor, ficam as perguntas.

O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)