Habitação, custo de vida e eleições para o Parlamento Europeu

O INE publicou no final de Dezembro de 2023 um primeiro avanço dos resultados ao Inquérito às Despesas das Famílias. Não sendo ainda conhecidos os dados finais e, entre outros, a desagregação das despesas por nível de rendimentos, utilizamos os valores médios divulgados, em que as despesas com habitação ganham maior peso na estrutura total em relação ao último inquérito realizado em 2015/2016.

O objectivo deste texto não é discutir a forma como é apurado o valor da inflação, ou do IPC - Índice de Preços do Consumidor (aliás, a quase totalidade das variações que utilizamos são as fornecidas pelo INE, no apuramento deste indicador), nem tão pouco criticar a forma como é calculado, mas apenas evidenciar que, na situação particular que atravessamos, os custos suportados pelas famílias em Portugal em 2023 podem ter sido bastante superiores aos 4,3% apurados[fn]De referir que a Habitação tem uma ponderação total no IPC de 8,74% e que, em 2023, as despesas com «Habitação, água, electricidade, gás e outros combustíveis» teve variação negativa de 1,02 pp no apuramento do IPC.[/fn].

Aumento significativo das despesas em 2023

Segundo o Banco de Portugal, no final de 2023 havia perto de dois milhões de residentes no nosso país devedores de um empréstimo para a habitação. 

Para estas famílias, o aumento do custo de vida no último ano foi significativo.

Nota: (1) Para a coluna da «Despesa total anual média por agregado», utilizámos os dados do Inquérito às Despesas das Famílias 2022\2023, tendo por nós sido apurado, com base nos dados fornecidos, o peso relativo de cada componente no total da «Habitação, água, electricidade, gás e outros componentes». 

(2) Para a variação do preço de cada um dos componentes utilizámos os valores da variação média anual fornecida pelo INE, tendo apurado a variação das componentes da habitação com base nos índices de preços do INE, excepto para o valor da «prestação de casa». Neste caso, usámos a média anual da «prestação média mensal do stock de empréstimos para habitação própria permanente», fornecido pelo Banco de Portugal.

O que estes dados nos indicam é que, para um agregado familiar que tenha tido uma despesa em linha com a despesa média das famílias e que tenha sido empurrado para a compra de casa contraindo um empréstimo para o efeito, o aumento dos custos com os bens e serviços que utiliza foi na ordem dos 12%, muito acima do aumento nominal dos salários[fn]Mesmo tendo em conta os dados divulgados pelo INE sobre a Remuneração Mensal Bruta, para os quais seriam necessárias mais desagregações para perceber a evolução apresentada.[/fn], implicando por esta via uma redução do seu poder de compra de forma muito significativa.

O que tem a União Europeia a ver com isto?

De forma mais acentuada do que acontece na generalidade dos países da União Europeia, a falta de resposta pública e o peso do mercado para exercer o direito à habitação, leva a que 77,8% dos residentes no nosso país seja empurrado para a compra de habitação[fn]Dados para Portugal e União Europeia consultados aqui.[/fn]. Acresce que esta diferença na relação habitação própria\arrendamento, se expressa também no tipo de taxa de juro aplicada aos empréstimos para a compra de casa, com 80% do total dos créditos no nosso país a serem feitos com uma taxa variável, 16% com uma taxa mista e apenas 4% com uma taxa fixa[fn]Dados retirados daqui.[/fn].

É neste contexto, em que a esmagadora maioria da população que tem um crédito para compra de habitação vê a sua prestação mensal fixada por uma taxa variável, que surge o Banco Central Europeu (BCE).

Quem burilou o surgimento do Banco Central e da moeda única (um e outro são indissociáveis), decidiu que este devia ser «independente». A «independência» do BCE é uma «vaca sagrada» do grande capital e dos partidos que lhe dão expressão no plano institucional, à semelhança «da livre circulação de capitais», dos «mercados», das privatizações e de tantos outros mecanismos e imposições que servem a acumulação e centralização do capital e a exploração dos que criam a riqueza.

«A "independência" do BCE é uma "vaca sagrada" do grande capital e dos partidos que lhe dão expressão no plano institucional, à semelhança "da livre circulação de capitais", dos "mercados", das privatizações e de tantos outros mecanismos e imposições que servem a acumulação e centralização do capital e a exploração dos que criam a riqueza.»

 

A «independência» do BCE deixa-o fora de qualquer escrutínio democrático, ao mesmo tempo que o peso relativo dos diferentes países da moeda única faz com que a situação concreta e especial de quem vive e trabalha no nosso país seja completamente secundária na tomada de decisão quanto à fixação das taxas de juro (que por sua vez determinam o montante a pagar pelos empréstimos, nomeadamente, pelos empréstimos para a compra de habitação[fn]Os empréstimos para a compra de habitação estão associados à Euribor. A Euribor é a forma abreviada de European Interbank Offered Rate. É uma taxa de referência baseada na média dos juros praticados por um conjunto de bancos da zona euro, nos empréstimos que fazem entre si, num determinado prazo, sendo estes empréstimos influenciados pelas taxas aplicadas pelo BCE. A Euribor surgiu a 1 de Janeiro de 1999, no mesmo dia em que surgiu o Euro.[/fn]). 

A própria decisão de responder a um surto inflacionista (que tem na origem a disrupção de cadeias de abastecimento e em nada está relacionado com «excessos» na procura) com um aumento das taxas de juro é errada, mas, sendo errada, tem consequências: as que em cima retratamos quanto ao aumento dos custos do dia-a-dia para quem se endividou na compra de casa, mas também nos que abaixo reproduzimos:

Mesmo não abordando o papel da UE na compressão dos salários, que se expressa entre outros, nas recomendações ao nível do denominado «Semestre Europeu», aquilo que 2023 deu a conhecer foi, ao mesmo tempo que o garrote apertou para milhares de famílias que contraíram empréstimos para exercer o direito à habitação, os cinco maiores bancos acumularam 12 milhões de euros em lucros por dia, num total de 4,5 mil milhões de euros, mais 73% que em 2022.

O voto de cada um nas eleições do próximo dia 9, não pode ir para os que não só obedecem, como são «construtores» destes mecanismos que transferem milhões para os banqueiros e dificuldades para quem trabalha (PS, PSD, CDS, Livre, IL, CH). Não pode ir para os que andam ao sabor do vento (BE) e não hesitam em acompanhar a crescente perda de soberania que se traduz em piores condições para a elevação das condições de vida e de trabalho em Portugal, de que a directiva sobre salários mínimos é um, entre tantos outros exemplos.

Dia 9, nas eleições para o Parlamento Europeu, o voto na CDU é o que serve para eleger os deputados que colocam os interesses de quem trabalha e trabalhou, dos micro, pequenos e médios empresários (também eles afectados com a subida das taxas de juro) e o desenvolvimento soberano do país em primeiro lugar, sem hesitações, com a confiança de que outro futuro é possível.