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Chega quer baixar o IRC e imposto sobre dividendos para agradar milionários

André Ventura voltou hoje a defender a descida do IRC para os 15%. Para além de beneficiar as grandes empresas que lucram milhões e continuam a pagar salários de miséria, o Chega quer ainda desagravar a tributação dos lucros distribuídos. 

CréditosAntónio Pedro Santos / Lusa

É mais um caso em que aqueles que dizem combater o sistema procuram defender o que nele existe de pior. Numa acção de campanha realizada hoje ao Mercado Municipal de Matosinhos, André Ventura afirmou que o seu partido vai trabalhar para reduzir o  Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) para 15% até ao final da legislatura.

Naturalmente, André Ventura não tem em conta que as principais despesas das pequenas e médias empresas se prendem com custos fixos, como é o caso da energia ou das telecomunicações, porque nesse caso seria preciso que o Estado enfrentasse os interesses dos grandes grupos económicos. O líder do Chega também não recordou que o custo médio dos salários dos trabalhadores para as empresas é de apenas 14% das despesas totais, optando por recorrer antes à fiscalidade do PSD, CDS-PP e Iniciativa Liberal, fazendo favores aos milionários que querem continuar a acumular riqueza. 

Veja-se que, com um discurso dirigido às pequenas e médias empresas, aludindo a uma redução em empresas que se encontram no interior do país como a «prioridade», André Ventura, ao propor uma redução do IRC para 15%, se esquece de que apesar de a taxa geral ser de 21%, empresas com lucros até 50 mil euros em municípios do interior já pagam apenas 17%.

A proposta de baixar o IRC para 15% é significativa para as grandes empresas, uma vez que microempresas pagam entre 12% a 18% (devido a isenções parciais e benefícios) e as pequenas empresas entre 17% a 22%. 

Um caso prático: se uma pequena empresa tiver um lucro tributável de 50 mil euros, pagaria uma taxa reduzida de 17%, pagando 8 500 euros; a este valor somar-se-ia a derrama municipal de 1% (como é o caso de Lisboa), o que significa um acréscimo de 500 euros. No total, a pequena empresa pagaria 9 mil euros.

Já no caso de uma grande empresa com um lucro tributável de 2 milhões de euros, esta entidade pagaria uma taxa de IRC de 21%, o que corresponde a 420 mil euros. Acresce uma derrama estadual de 3% sobre o valor de 1 500 000 de euros, ou seja, 500 mil euros, o que daria 15 mil euros, e uma derrama municipal de 1,5% (a taxa máxima de Lisboa), no valor de 30 000 euros. No final, uma grande empresa pagaria 465 mil euros.

Mas eis que o programa do Chega diz: «No caso das empresas, para além de a taxa de IRC ser já por si alta, a criação da derrama estadual introduziu um conceito de progressividade na tributação do lucro que não se coaduna, de todo, com o crescimento das empresas. Esta progressividade ao nível da tributação empresarial penaliza a produtividade e eficiência, desincentivando as empresas que pretendam ganhar escala». 

Ou seja, a derrama estadual incide principalmente em grandes empresas com lucros elevados (acima de 1 500 000 milhões de euros). Pequenas e médias empresas normalmente não são atingidas. 

Se tivermos em conta a proposta de taxa de IRC de 15%, a pequena empresa com o lucro tributável de 50 mil euros iria pagar 7500. Assumindo a tal derrama municipal de 1%, isso corresponderia a 500 euros. No total a empresa pagaria, no final, 8000 euros. 

Já no caso do IRC a 15%, a grande empresa com o lucro tributável de 2 000 000 euros pagaria 300 mil euros. A derrama municipal de 1,5% custaria 30 000 euros. Como de acordo com a proposta do Chega haveria uma redução da derrama estadual, mas não há números concretos (ao contrário do IRC), pode-se assumir o seu fim e, como tal, a grande empresa não a pagará para não ser «penalizada». No fim, a grande empresa pagaria 330 mil euros.

Em suma, de acordo com o programa do Chega, a redução do IRC para 15% significa uma poupança de 1000 euros para uma pequena empresa, mas uma poupança de 135 000 para uma grande empresa. Ou seja, o partido de André Ventura desenhou um mecanismo que visa beneficiar descaradamente as grandes empresas e eliminar a receita fiscal arrecadada pelo Estado que pode ser investida no SNS ou na Escola Pública.

A questão é que o descaramento do Chega não fica por aqui. O partido de extrema-direita, fiel à sua natureza, propõe no seu programa: «reduzir a taxa liberatória para rendimentos da categoria E (atenuação da tributação dos lucros distribuídos já tributados em IRC)». Os tais lucros distribuídos são os chamados «dividendos» e estão sujeitos a uma taxa liberatória de 28%.

Para se ter uma ideia, o BCP propôs aos accionistas a distribuição de quase 454 milhões de euros (453 400 000) em dividendos. Com a taxa liberatória de 28%, o que corresponde neste caso a 126 840 000 de euros, esses dividendos passam a ter um valor líquido de 326 160 000 euros. Com a redução dessa taxa liberatória, os milionários passariam a ser ainda mais milionários. 

A redução do IRC, o fim da derrama estadual e a redução da taxa liberatória beneficiam directamente os «donos disto tudo», os donos do tal «sistema» que o Chega diz combater. Mas a verdade é que o programa do Chega é, no seu conjunto, um tratado para aprofundar a acumulação de riqueza. 

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