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Continua o bullying contra a TAP

Como a palavra do ano parece ser «resiliente», creio que poucas coisas em Portugal ilustram tão verdadeiramente o que é ser resiliente. O facto de ainda existir uma empresa como a TAP é mesmo um monumento à resiliência.

O Sitava alerta para a possível transformação da TAP num negócio para os accionistas privados
Avião da TAP a descolar CréditosAlex Beltyukov / CC BY-SA 3.0

Detenhamo-nos no longo processo de bullying (outra palavra da moda) que a TAP vem sofrendo:

– Todas as directivas da União Europeia para o sector aéreo têm dois únicos objectivos: promover a concentração à escala europeia em três companhias aéreas, liquidando as companhias de bandeira de todos os restantes estados-membros; promover a máxima exploração da força de trabalho no sector. Há mais de 30 anos que a TAP sobrevive à União Europeia, que a quer destruir apesar de não poder assumir esse objectivo.

– A Assistência em Escala era um sector lucrativo da TAP, que a União Europeia impôs ser primeiro separado, depois privatizado, resultando num longo processo de instabilidade, com duas renacionalizações forçadas pelo meio.

– A TAP foi obrigada a comprar a manutenção da ex-Varig, num processo que já lhe trouxe mais de 500 milhões de euros de prejuízos, e sem o qual a actividade da TAP teria sido amplamente lucrativa.

– A TAP passou por três processos de privatização, cada um mais desastroso que o outro. Primeiro, foi oferecida à Swissair, que faliu antes de comprar a TAP, mas quando já estava implementado um conjunto de medidas (na emissão de bilhetes e afins) que arrastaram parcialmente a TAP para essa falência. Depois, foi oferecida à Avianca, que também já faliu, para à última da hora, perante os riscos do processo, a privatização ser travada. Por fim, foi oferecida à Azul, que já saiu da TAP, depois de ganhar uns milhões muito largos e que pretende agora capturar o mercado mais lucrativo da TAP antes da pandemia (a ligação do Brasil à Europa).

«Todas as directivas da União Europeia para o sector aéreo têm dois únicos objectivos: promover a concentração à escala europeia em três companhias aéreas, liquidando as companhias de bandeira de todos os restantes estados-membros; promover a máxima exploração da força de trabalho no sector.»

– A TAP viu o Governo português entregar os aeroportos nacionais a uma multinacional, que passou a esmifrar a TAP, pois esta não tem alternativa à utilização dos aeroportos nacionais, enquanto as companhias estrangeiras exigem (e conseguem) melhores condições para cá se instalarem.

– A TAP, enquanto empresa pública, é objecto de uma verdadeira perseguição pela comunicação social dominada, que consegue convencer a maioria dos portugueses de que a TAP recebe apoios crónicos do Estado português, quando a verdade é que até esta pandemia, e neste século, a TAP recebeu menos apoios do Estado português que a Ryanair!

– Aquilo que está a acontecer à TAP é ainda o exemplo das implicações para o Estado português das orientações da União Europeia: a TAP representa mais de três mil milhões de euros de exportação de serviços para Portugal, mas isso tem que ser indiferente ao Estado português; a TAP representava mais de dez mil postos de trabalho directos em Portugal, mas isso tem que ser indiferente para o Estado português; a TAP depositava 100 milhões de euros por ano na na Segurança Social portuguesa, mas isso também deve ser indiferente ao Estado português. Aliás, até o facto de uma Ryanair assentar a sua operação em contratos zero horas (só se recebe o que se voa) ou em contratos dignos também deve ser indiferente ao Estado português.

– A União Europeia sabe que só os estados têm a capacidade de defender empresas como a TAP, que numa concorrência sempre desigual com empresas maiores tendem a ser destruídas ou assimiladas pelo processo económico capitalista. Uma consequência que traz ainda uma importante vantagem do ponto de vista da UE: ao limpar as TAP limpa-se mais um pedacinho da soberania nacional, que é um objectivo estratégico do processo de concentração e centralização de capitais a que nos habituámos de chamar UE.

Com a paralisação da actividade aérea entre Março e Junho de 2020 e o seu brutal condicionamento desde então, duas coisas eram inevitáveis: (1) os privados iam fugir da TAP e (2) o Estado português teria de salvar a TAP ou iniciar um processo longo de assumpção de custos, desde logo os custos directos da destruição (por exemplo, com subsídios de desemprego), e depois todos os indirectos, desde a brutal retração do PIB até aos custos da não existência de uma TAP (basta imaginar qual seria a chantagem sobre o Estado se a nossa indústria do Turismo dependesse totalmente de operadores como a RyanAir).

Não é difícil perceber que uma empresa que paga centenas de milhões de euros em salários a cada ano, e outro tanto nos leasings para aquisição da sua frota, como é o caso da TAP, não consegue estar três meses sem operar, e depois dois anos severamente limitada na operação, sem receber qualquer tipo de apoio público ou privado. Foi por isso que em Agosto de 2021 a IATA já contabilizava 239 mil milhões de euros injectados pelos diferentes estados nas companhias aéreas de todo o mundo.

A parte desse dinheiro que foi para apoiar empresas privadas (o grosso) não sofreu qualquer contestação pública. Quando foram os estados a apoiar as suas próprias empresas, caiu-lhes em cima todo o aparelho ideológico nas mãos do grande capital (que pesa bem mais que o Carmo e a Trindade juntos). Foi o que aconteceu à TAP.

«Quando foram os estados a apoiar as suas próprias empresas, caiu-lhes em cima todo o aparelho ideológico nas mãos do grande capital (que pesa bem mais que o Carmo e a Trindade juntos). Foi o que aconteceu à TAP.»

O Governo português tomou uma primeira opção correcta: não injectou o dinheiro sem exigir que o parceiro privado fizesse o mesmo. Mas quando os capitalistas privados fugiram a qualquer contribuição, e o Governo teve de nacionalizar de facto a empresa para a salvar, o Governo começou a ceder às pressões da União Europeia. A TAP nunca deveria ter entrado num processo de reestruturação, quando o que se impunha era um plano de contingência. A TAP estava financeiramente estabilizada em 2019, se algo se apontava era exactamente o facto de estar a crescer demais. A pandemia não transformou a TAP numa empresa inviável, transformou todo um sector em inviável até a actividade poder ser retomada numa proporção significativa,

Se a pandemia colocou pressão sobre a TAP, a reestruturação colocou ainda mais pressão, aproveitada pelo Governo para retirar direitos aos trabalhadores e desenhar um próximo processo de privatização. E a UE, que exigiu a reestruturação, e manteve o cutelo sobre a empresa um ano a fio, veio ontem autorizar essa reestruturação que exigiu e não fazia falta, e vem, claro, exigir mais: querem dar 18 faixas diárias a um concorrente, querem ser eles a escolher o concorrente, querem que a TAP abdique da SPDH e da Cateringpor, e hão-de querer mais coisas que ainda não são públicas. 

Claro que os apátridas do costume vieram saudar a decisão da Comissão e pedir mais. E o Governo português, incapaz de enfrentar o opressor estrangeiro, submete-se.

O que é impressionante é que a TAP, apesar de tudo, resiste[1]. E ainda bem.

[1] Este «resiste» vem de «resistência», que é a parte da resiliência que arranha os ouvidos dos senhores.

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