|Privatizações

Vinci e Ryanair: eles bem que as embelezam, mas são mesmo feias estas coisas

Em Portugal, os apoios públicos (e da gestora aeroportuária) têm a Ryanair como destinatário privilegiado e não as empresas públicas nacionais.

CEO da Ryanair, Michael O'Leary
CréditosChema Moya / EPA

Acto 1

Esta semana, fruto da publicação de um relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), vimos a comunicação social a destacar o facto de «a ANA dar as primeiras receitas ao Estado acima do esperado» (Negócios Online). O título é completamente falso, uma mentira grosseira mesmo. A ANA, antes de ser privatizada, dava receitas de milhões ao Estado. De muitos milhões. Além de suportar todo o investimento na rede aeroportuária nacional com as suas receitas.

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Os números ruinosos da privatização da ANA

Nesta discussão sobre a construção de um novo aeroporto, importa recordar que a solução «Portela + 1» (Montijo) resulta da privatização da ANA, que colocou a decisão nas mãos da multinacional Vinci.

CréditosJoão Relvas / Agência Lusa

Os defensores da privatização da ANA – Aeroportos de Portugal tendem a argumentar em sua defesa com o crescimento da empresa. Acontece que há um crescimento do transporte aéreo a nível global, que não é fruto da privatização da ANA e já era expectável no momento em que esta aconteceu.

Um crescimento que também explica a razão por que o país, quando decidia soberanamente sobre esta questão, decidiu da necessidade de construir um novo aeroporto em Lisboa (NAL) e decidiu fazê-lo nos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete.

Uma decisão nacional posta em causa pela privatização, que colocou na multinacional Vinci a decisão sobre o futuro do NAL, tendo esta decidido que era melhor para os seus lucros a solução que está a tentar impor ao Governo e ao País (fazer de Lisboa a única capital europeia com um aeroporto a crescer dentro dela).

«Para alcançar estes resultados, a Vinci está a espremer os utilizadores do Aeroporto de Lisboa, nomeadamente através de aumentos das taxas, que rondam os 40% desde a privatização, mas que atingem os 190% no "valor mínimo pago por aterragem"»

Há ainda quem valorize o facto de a «ANA privatizada» ter pago em impostos directos, em 2018, 135 milhões de euros, por contraste com a «ANA pública», que, por exemplo, entre dividendos e impostos, entregou antes da privatização apenas 48,8 milhões. No entanto, os Relatórios e Contas do Grupo ANA mostram-nos uma outra realidade. Em 2011, último ano em que a ANA foi integralmente pública, o resultado líquido foi de 76,5 milhões e o imposto pago foi de 21,3 milhões de euros, num total de 97,8 milhões.

Mas há que lhe somar um outro dado, o do investimento. E, nesse ano de 2011, a ANA investiu 95,1 milhões de euros nos aeroportos nacionais, enquanto em 2018 o investimento foi de apenas 47,9 milhões. Tudo somado, falamos de 192,9 milhões de euros em 2011 e de 182,9 milhões em 2018. É que, com a privatização, o investimento na infra-estrutura aeroportuária nacional caiu a pique em termos absolutos e colapsou em termos relativos.

A média anual de investimento da ANA sob gestão pública é de 114,4 milhões de euros: 2002 (81,4 milhões de euros); 2003 (69,5); 2004 (154,4); 2005 (134,8); 2006 (103,6); 2007 (86,3); 2008 (137,3); 2009 (153,7); 2010 (127,4) e 2011 (95,1). Sob gestão privada, essa média baixa para 55,5 milhões: 2014 (36,4 milhões de euros); 2015 (61,1); 2016 (69,5); 2017 (62,7) e 2018 (47,9).

Quem beneficiou, e muito, com a privatização foi o Grupo Vinci. Além de fazer repercutir nas contas da própria empresa uma parte dos custos com a sua aquisição, amealhou em seis anos 871,1 milhões de euros de resultados líquidos: 2013 (18,6 milhões de euros); 2014 (50,6); 2015 (101,2); 2016 (168,1); 2017 (248,5) e 2018 (284,1). Estes números espelham a pechincha que foram os quase dois mil milhões que o grupo francês pagou pela ANA e também explicam para onde foram as verbas que o Governo diz faltarem para construir o NAL.

«Em relação aos trabalhadores, a taxa de exploração não pára de crescer.»

Para alcançar estes resultados, a Vinci está a espremer os utilizadores do Aeroporto de Lisboa, nomeadamente através de aumentos das taxas, que rondam os 40% desde a privatização, mas que atingem os 190% no «valor mínimo pago por aterragem», que passou de 106,64 para 308,89 euros. E ainda colocou os aeroportos nacionais nos piores lugares do ranking mundial. De acordo com a empresa OAG, o Aeroporto de Lisboa está em 725.º lugar no ranking da pontualidade, com mais de metade dos voos atrasados, tendo empurrado a TAP e a SATA igualmente para os piores lugares dos rankings das companhias aéreas.

É que, se o turismo tem sido nos últimos anos «a galinha dos ovos de ouro», no quadro de um crescimento nacional pouco sustentado, a privatização da ANA ameaça a saúde dessa galinha e a quantidade de ovos que pode continuar a produzir.

Em relação aos trabalhadores, a taxa de exploração não pára de crescer. O número de trabalhadores da empresa ANA, entre 2012 e 2018, cresceu 18,7% (de 1077 para 1279). Mas o número de movimentos nos aeroportos cresceu 62% no mesmo período, o volume de negócios aumentou 117% e a movimentação de cargas, 32%. O crescimento de trabalhadores desaparece se se tiver em conta que a ANA de 2018 inclui a ANAM (Madeira), que em 2012 tinha 311 trabalhadores.

Ou seja, os trabalhadores da ANA, e os muitos trabalhadores subcontratados sem os quais os aeroportos não funcionariam, estão a ser igualmente espremidos para promover a acumulação na Vinci. E em empresas do Grupo ANA, como a Portway, até já houve tempo para promover um despedimento colectivo no meio de tanto «sucesso».

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A única verdade por detrás da mentira colocada em destaque é a de que a ANA, pela primeira vez, vai dar receitas ao Estado depois de privatizada, no âmbito da «partilha de receitas» prevista no contrato de concessão. Essa espantosa receita já partilhada foi de 186 mil euros, estimando o jornalista que a verba a entregar no total deste ano serão uns loucos 370 mil euros. Mas já agora recordamos que o lucro da ANA em 2022 foi de 334 milhões de euros (cerca de MIL VEZES mais que a receita «partilhada») e que, tudo aponta, em 2023 será ainda maior que em 2022. Por exemplo, o lucro da multinacional Vinci, que detém a ANA, cresceu 12,6% no primeiro semestre de 2023 atingindo os 2 089 milhões de euros.

Mas claro, os defensores de todas as privatizações só viram o que queriam ver, e só valorizaram o que queriam valorizar: que a generosa multinacional entregou ao Estado... um milésimo do lucro arrecadado.

Acto 2

A Ryanair veio queixar-se em público das taxas da ANA. E ainda bem. Porque as queixas da Ryanair são sempre notícia em Portugal pois são queixas de uma multinacional. Que o PCP já denunciou o aumento de taxas, já questionou o Governo sobre isso, já exigiu da ANAC uma intervenção mais firme? Que importa, que interesse jornalístico pode ter isso? Não perturbemos as pobres almas que estão a ser cultivadas na ideia de que os políticos são todos iguais menos o salvador da pátria de turno. Mas voltemos ao tema: a Ryanair queixou-se das taxas e isso foi notícia.

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Ryanair: a necessária indignação

O que a Ryanair está a fazer é aquilo que todos os capitalistas tentam fazer face a uma crise: aproveitá-la para arrasar a concorrência. Neste modo de produção capitalista é assim.

CEO da Ryanair, Michael O'Leary
CréditosChema Moya / EPA

Indignemos-nos. Com o patrão da Ryanair e o conteúdo das suas declarações, mas sobretudo com a subserviência da Comunicação Social, da maioria dos comentadeiros e de muitos decisores políticos, perante o patrão da Ryanair.

De cada vez que o patrão da Ryanair apresenta uma reivindicação pública, a Comunicação Social Dominada corre a espalhar o seu veneno, quase sempre acriticamente, quase sempre ao mesmo tempo que silencia as posições de quem não se submete aos interesses do patrão da Ryanair.

O homem já exigiu que se alargasse a Portela e se construísse um aeroporto de apoio à Portela, no Montijo. Aliás, esse foi o mote da sua penúltima actuação, apesar dos títulos de jornais destacarem um pretenso (e falso) mega investimento da Ryanair em Portugal.

Já exigiu que a TAP não recebesse apoios públicos, apesar de ser uma empresa pública. A lógica é cristalina: o dinheiro público deve ser gasto no financiamento dos privados e nunca no financiamento do que é público. Cristalina para os privados, claro.

«O modelo que a gestão privada (não esquecer esta parte) da TAP ergueu entre 2015 e 2019 assentava demasiado na importância do hub, e desvalorizava as componentes mais estratégicas da TAP para o país»

Agora exige que a TAP lhe entregue as posições (slots) que detém no Aeroporto de Lisboa. É evidente que a operação da TAP não está ainda nos mesmos níveis que a da Ryanair, e isso por uma razão muito simples: a mais-valia do hub da TAP assenta muito (é discutível se demasiado) no Brasil, e, embora menos, nos EUA, e ambos os destinos/origens se encontram com fortes restrições. Para retomar a operação sensivelmente nos moldes de 2019, a TAP necessita forçosamente dessas posições, apesar de conjunturalmente não poder utilizar algumas delas. Os cortes a que o Governo português se submeteu tão pouco ajudaram neste processo, antes pelo contrário.

O que a Ryanair está a fazer é aquilo que todos os capitalistas tentam fazer face a uma crise: aproveitá-la para arrasar a concorrência. Neste modo de produção capitalista é assim.

Infelizmente, o Governo português tem-se submetido às multinacionais (e à União Europeia), apesar de algumas bravatas do ministro das Infraestruturas, preocupado em construir uma imagem de esquerda para si próprio. Começou por submeter-se quando colocou a TAP em processo de reestruturação, quando o que se exigia era um plano de contingência que ajudasse o sector a manter a capacidade produtiva intacta para a inevitável retoma. Submeteu-se quando aceitou que a reestruturação assentasse numa redução da empresa e da sua capacidade operacional. Submeteu-se quando aceitou as ordens das multinacionais para esquecer o novo aeroporto em Alcochete e permitir o alargamento da Portela complementado pelo Montijo. Submeteu-se quando não nacionalizou a SPDH/Groundforce. Submete-se quando aceita que a UE mantenha uma pressão constante sobre a TAP, o que acaba por ter um efeito naturalmente desestabilizador.

Para agravar, o Governo português fez da destruição de emprego e da redução de salários o alfa e o ómega da «reestruturação». E lançou a TAP (e a SPDH/Groundforce) na desestabilização. No fundo, apesar de toda a propaganda, acredita que a salvação da economia nacional reside nos baixos salários. Quando o que era essencial era ter preparado a retoma da operação, nela incluindo a possibilidade – concretizada – das limitações de voo para o Brasil e a redução brutal da procura se prolongar mais do que no interior da União Europeia.

O modelo que a gestão privada (não esquecer esta parte) da TAP ergueu entre 2015 e 2019 assentava demasiado na importância do hub, e desvalorizava as componentes mais estratégicas da TAP para o país: ligação às ilhas atlânticas, às comunidades emigrantes, a potenciais origens e destinos de turismo, aos PALOP, etc.

Um erro que é comum à maioria das políticas económicas desenvolvidas em Portugal desde 1976, e particularmente desde a adesão à União Europeia. Não partem das necessidades e potencialidades nacionais, não assumem uma visão integrada e soberana do desenvolvimento nacional.

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É que desta vez o aumento médio foi de 14,55% e também tocou os aeroportos onde a Ryanair tem maior peso na operação (os aumentos em Lisboa, que desde a privatização têm sido sistemáticos e brutais, variando entre 40% e 250% conforme as taxas, massacram essencialmente a TAP, coisa que não indigna a Ryanair). No estilo elegante a que já nos habituou, o CEO da Ryanair chamou a Vinci de «monopolista francês» e comunicou que assim sendo ia reduzir o número de voos no Porto e Faro e de aviões baseados na Madeira.

Recordamos que este episódio se soma ao protagonizado há uns meses, onde a Ryanair apresentou a exigência pública de receber apoios extraordinários do Governo dos Açores – qualquer coisa como 15 euros por pessoa - para manter a frota a voar para o arquipélago, tendo-a reduzido quando a resposta não lhe agradou.

Acto 3

A ANA/Vinci respondeu publicamente à Ryanair, e ainda bem. Ainda bem porque as respostas da Vinci são notícias, e assim há informação útil que acaba por ser pública. Mostrou-se a Vinci indignada por a Ryanair reduzir a sua presença «em aeroportos onde recebe apoios».

Pena não ter reconhecido publicamente a lista de todos esses apoios. É que em Portugal os apoios públicos (e da gestora aeroportuária) têm a Ryanair como destinatário privilegiado e não as empresas públicas nacionais. O que também já foi várias vezes denunciado, e mesmo comprovado pelos trabalhos da CPI à TAP no que respeita às verbas oriundas do Estado Central.

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Continua o bullying contra a TAP

Como a palavra do ano parece ser «resiliente», creio que poucas coisas em Portugal ilustram tão verdadeiramente o que é ser resiliente. O facto de ainda existir uma empresa como a TAP é mesmo um monumento à resiliência.

O Sitava alerta para a possível transformação da TAP num negócio para os accionistas privados
Avião da TAP a descolar CréditosAlex Beltyukov / CC BY-SA 3.0

Detenhamo-nos no longo processo de bullying (outra palavra da moda) que a TAP vem sofrendo:

– Todas as directivas da União Europeia para o sector aéreo têm dois únicos objectivos: promover a concentração à escala europeia em três companhias aéreas, liquidando as companhias de bandeira de todos os restantes estados-membros; promover a máxima exploração da força de trabalho no sector. Há mais de 30 anos que a TAP sobrevive à União Europeia, que a quer destruir apesar de não poder assumir esse objectivo.

– A Assistência em Escala era um sector lucrativo da TAP, que a União Europeia impôs ser primeiro separado, depois privatizado, resultando num longo processo de instabilidade, com duas renacionalizações forçadas pelo meio.

– A TAP foi obrigada a comprar a manutenção da ex-Varig, num processo que já lhe trouxe mais de 500 milhões de euros de prejuízos, e sem o qual a actividade da TAP teria sido amplamente lucrativa.

– A TAP passou por três processos de privatização, cada um mais desastroso que o outro. Primeiro, foi oferecida à Swissair, que faliu antes de comprar a TAP, mas quando já estava implementado um conjunto de medidas (na emissão de bilhetes e afins) que arrastaram parcialmente a TAP para essa falência. Depois, foi oferecida à Avianca, que também já faliu, para à última da hora, perante os riscos do processo, a privatização ser travada. Por fim, foi oferecida à Azul, que já saiu da TAP, depois de ganhar uns milhões muito largos e que pretende agora capturar o mercado mais lucrativo da TAP antes da pandemia (a ligação do Brasil à Europa).

«Todas as directivas da União Europeia para o sector aéreo têm dois únicos objectivos: promover a concentração à escala europeia em três companhias aéreas, liquidando as companhias de bandeira de todos os restantes estados-membros; promover a máxima exploração da força de trabalho no sector.»

– A TAP viu o Governo português entregar os aeroportos nacionais a uma multinacional, que passou a esmifrar a TAP, pois esta não tem alternativa à utilização dos aeroportos nacionais, enquanto as companhias estrangeiras exigem (e conseguem) melhores condições para cá se instalarem.

– A TAP, enquanto empresa pública, é objecto de uma verdadeira perseguição pela comunicação social dominada, que consegue convencer a maioria dos portugueses de que a TAP recebe apoios crónicos do Estado português, quando a verdade é que até esta pandemia, e neste século, a TAP recebeu menos apoios do Estado português que a Ryanair!

– Aquilo que está a acontecer à TAP é ainda o exemplo das implicações para o Estado português das orientações da União Europeia: a TAP representa mais de três mil milhões de euros de exportação de serviços para Portugal, mas isso tem que ser indiferente ao Estado português; a TAP representava mais de dez mil postos de trabalho directos em Portugal, mas isso tem que ser indiferente para o Estado português; a TAP depositava 100 milhões de euros por ano na na Segurança Social portuguesa, mas isso também deve ser indiferente ao Estado português. Aliás, até o facto de uma Ryanair assentar a sua operação em contratos zero horas (só se recebe o que se voa) ou em contratos dignos também deve ser indiferente ao Estado português.

– A União Europeia sabe que só os estados têm a capacidade de defender empresas como a TAP, que numa concorrência sempre desigual com empresas maiores tendem a ser destruídas ou assimiladas pelo processo económico capitalista. Uma consequência que traz ainda uma importante vantagem do ponto de vista da UE: ao limpar as TAP limpa-se mais um pedacinho da soberania nacional, que é um objectivo estratégico do processo de concentração e centralização de capitais a que nos habituámos de chamar UE.

Com a paralisação da actividade aérea entre Março e Junho de 2020 e o seu brutal condicionamento desde então, duas coisas eram inevitáveis: (1) os privados iam fugir da TAP e (2) o Estado português teria de salvar a TAP ou iniciar um processo longo de assumpção de custos, desde logo os custos directos da destruição (por exemplo, com subsídios de desemprego), e depois todos os indirectos, desde a brutal retração do PIB até aos custos da não existência de uma TAP (basta imaginar qual seria a chantagem sobre o Estado se a nossa indústria do Turismo dependesse totalmente de operadores como a RyanAir).

Não é difícil perceber que uma empresa que paga centenas de milhões de euros em salários a cada ano, e outro tanto nos leasings para aquisição da sua frota, como é o caso da TAP, não consegue estar três meses sem operar, e depois dois anos severamente limitada na operação, sem receber qualquer tipo de apoio público ou privado. Foi por isso que em Agosto de 2021 a IATA já contabilizava 239 mil milhões de euros injectados pelos diferentes estados nas companhias aéreas de todo o mundo.

A parte desse dinheiro que foi para apoiar empresas privadas (o grosso) não sofreu qualquer contestação pública. Quando foram os estados a apoiar as suas próprias empresas, caiu-lhes em cima todo o aparelho ideológico nas mãos do grande capital (que pesa bem mais que o Carmo e a Trindade juntos). Foi o que aconteceu à TAP.

«Quando foram os estados a apoiar as suas próprias empresas, caiu-lhes em cima todo o aparelho ideológico nas mãos do grande capital (que pesa bem mais que o Carmo e a Trindade juntos). Foi o que aconteceu à TAP.»

O Governo português tomou uma primeira opção correcta: não injectou o dinheiro sem exigir que o parceiro privado fizesse o mesmo. Mas quando os capitalistas privados fugiram a qualquer contribuição, e o Governo teve de nacionalizar de facto a empresa para a salvar, o Governo começou a ceder às pressões da União Europeia. A TAP nunca deveria ter entrado num processo de reestruturação, quando o que se impunha era um plano de contingência. A TAP estava financeiramente estabilizada em 2019, se algo se apontava era exactamente o facto de estar a crescer demais. A pandemia não transformou a TAP numa empresa inviável, transformou todo um sector em inviável até a actividade poder ser retomada numa proporção significativa,

Se a pandemia colocou pressão sobre a TAP, a reestruturação colocou ainda mais pressão, aproveitada pelo Governo para retirar direitos aos trabalhadores e desenhar um próximo processo de privatização. E a UE, que exigiu a reestruturação, e manteve o cutelo sobre a empresa um ano a fio, veio ontem autorizar essa reestruturação que exigiu e não fazia falta, e vem, claro, exigir mais: querem dar 18 faixas diárias a um concorrente, querem ser eles a escolher o concorrente, querem que a TAP abdique da SPDH e da Cateringpor, e hão-de querer mais coisas que ainda não são públicas. 

Claro que os apátridas do costume vieram saudar a decisão da Comissão e pedir mais. E o Governo português, incapaz de enfrentar o opressor estrangeiro, submete-se.

O que é impressionante é que a TAP, apesar de tudo, resiste[1]. E ainda bem.

[1] Este «resiste» vem de «resistência», que é a parte da resiliência que arranha os ouvidos dos senhores.

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Mas disse mais a ANA, disse que a Ryanair aumentou os bilhetes em média 21% entre 2022 e 2023, uma média de 16 euros por passageiro, e que a ANA quer uma parte desse aumento, pois não é justo que a Ryanair ganhe tudo. Ora nós sabemos (não pela leitura da comunicação social «de referência», que não perde tempo com tais detalhes) que nenhuma destas empresas aumentou os salários dos trabalhadores nos valores supracitados: nem nos 12,6% (aumento lucro da Vinci), nem nos 14,55% (aumento de taxas da ANA) nem nos 21% (aumento de preços da Ryanair). Bem pelo contrário. Aqui ficando mais um exemplo onde os aumentos (a inflação) têm origem: no aumento de lucros e no desejo de aumentar ainda mais esses lucros. Num caso que só ficou exposto pelo facto dos dois grupos de capitalistas terem guerreado pelo aumento do seu quinhão.

Acto Final

A privatização – em curso - da TAP SA e da SATA Internacional colocaria Portugal nas mãos das Ryanair deste mundo. A não reversão da privatização da ANA manteria Portugal a ser espremido por uma multinacional que em 10 anos recuperou o dinheiro investido e tem agora mais 40 anos para acumular uma gigantesca renda.

Como todos os problemas do país, estes são problemas cuja solução está nas mãos do povo português.  

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