O regresso do debate quinzenal trouxe consigo poucas novidades. O primeiro-ministro, mantendo a táctica do Governo, fez um discurso inicial pautado por anúncios e balanços. No âmbito dos anúncios, Luís Montenegro disse que amanhã o Governo aprovará um pacote de medidas na área da habitação.
A novidade desse pacote de medidas parece ser meramente o objectivo. De acordo com o primeiro-ministro, a meta serão «preços moderados» e não «preços acessíveis» como no passado. Para tal, em Conselho de Ministros pretende, para os inquilinos com rendas a preços moderados, o aumento para 900 euros em 2026 e para 1000 euros em 2027 da dedução de IRS; para os senhorios com rendas moderadas, a redução da taxa de IRS de 25% para 10%; o fim das mais-valias na venda de casas se o valor for reinvestido em casas a arrendar a valor moderado e a simplificação dos licenciamentos.
Já no âmbito dos balanços, o primeiro-ministro quis fazer um apanhado de medidas tomadas pelo Governo nos primeiros 100 dias de trabalho. No entanto, o exercício levado a cabo pelo chefe do Executivo esbarrou na realidade, porque, na visão governativa, houve melhorias nos sectores da Educação ou Saúde. Além desses aspectos, Luís Montenegro apresentou como positivo o dossier de privatização da TAP ou a redução da carga fiscal para quem mais rendimentos tem.
O debate quinzenal serviu ainda para Luís Montenegro dar o pontapé de saída para a preparação da discussão em torno do Orçamento do Estado. Arrogando um suposto mérito de auscultação dos partidos, mas que não passa de um simples exercício democrático, o primeiro-ministro acabou por explicar a natureza do documento que será apresentado, uma vez que, segundo o mesmo, terá que cumprir o Programa do Governo.
Com um largo conjunto de problemas que assolam o país, o natural seria que houvesse questões sobre a grave situação económico-social. Apesar disso, e como não podia deixar de ser, o Chega optou por focar-se, mais uma vez, na imigração de forma a espalhar mais xenofobia. Além disto, André Ventura fez ainda considerações sobre o SNS, nunca dizendo, porém, que concorda com a visão política que tem ditado a acção governativa.
Já pelo PS, José Luís Carneiro, secretário-geral do PS, partido que nunca reverteu as normas gravosas na legislação laboral introduzidas pelo ex-governo PSD/CDS-PP/troika, quis confrontar com a sua política para o sector do trabalho, sem nunca abordar o elefante na sala.
Em vez de falar directamente sobre a revisão da legislação laboral, Carneiro quis apenas relembrar o aviso do Conselho das Finanças Públicas de que a «previsão de saldo orçamental positivo dependerá do mercado laboral» e questionou se o Governo vai manter as «políticas laborais», alertando que se o fizer «vai ter um aumento dos despedimentos em série com perda da receita».
Assim como o Chega, que utiliza a imigração como bode expiatório, a Iniciativa Liberal quis vincar, mais uma vez, que os trabalhadores da Administração Pública são os alvos. Num vasto rol de temas que podia ter escolhido, Mariana Leitão, que participou pela primeira vez num debate quinzenal como líder do seu partido, criticou o Governo por este não colocar a possibilidade de despedimentos no sector público. A intervenção da deputada foi deslocada do resto do plenário na medida em que não se entende a vontade em colocar pessoas no desemprego.
As questões laborais voltaram à discussão por via do Livre e Rui Tavares, mas exactamente da mesma forma que o PS. Para o porta-voz do Livre, o despedimento de funcionários públicos defendido pela IL iria resultar no fim dos excedentes da Segurança Social e as alterações laborais do Governo vão «gerar mais despedimentos».
As opções de classe do Governo foram chamadas ao Parlamento pelo PCP. Para Paulo Raimundo, secretário-geral dos comunistas, enquanto o Governo se regozija com a subida do rating de Portugal, «no país real» faltam professores, o preço das casas continua a subir e o Governo «vende ao desbarato» o património do Estado.
A par desta contradição, à medida que se vão agravando os problemas nos serviços públicos e funções sociais do Estado, Paulo Raimundo apontou à «negociata em torno do IRC», acusando o Governo de ter na «Iniciativa Patronal» e no «Chega-de-direitos-para-quem-trabalha» os seus aliados para legislar para os grandes grupos económicos.
O secretário-geral do PCP tocou ainda nas alterações à lei laboral, acusando o Governo de ter feito uma «declaração de guerra a quem trabalha» que teve a resposta que merecia com a grande manifestação do passado fim-de-semana em Lisboa e Porto.
A nota para o debate esteve na estreia de Andreia Galvão, deputada que marcou presença na Assembleia da República para substituir Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda. Importa recordar que a líder bloquista encontra-se a bordo da flotilha humanitária que se dirige para Gaza e, como tal, não tem representado o seu partido no Parlamento, tendo, inclusivamente, estado ausente do debate que agendou e que foi realizado na passada sexta-feira.
Durante vários momentos o reconhecimento do Estado da Palestina foi tema de discussão, com PCP, Bloco de Esquerda e Livre a considerarem que o passo dado pelo Governo português não é suficiente. Em resposta a Paulo Raimundo, Luís Montenegro repetiu várias vezes que Israel é um país amigo de Portugal. Além disto, o primeiro-ministro tentou passar a ideia que em vários momentos esteve ao lado do povo da Palestina, apesar de Portugal ter sido contra a inclusão da fome em Gaza na declaração da Cimeira da CPLP.
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