Enquanto o país vai seguindo o caso da PT, por via das notícias sobre prisões, interrogatórios, fugas de informação e buscas realizadas, está a decorrer nos CTT, sem publicidade mas em público, um processo que coloca em risco o futuro do serviço público postal.
A «Estratégia Imobiliária dos CTT»
Os CTT criaram a CTT IMO YIELD S.A, que converteram em SICAFI (Sociedades de Investimento Imobiliário de Capital Fixo)1 para fugir ao pagamento de impostos. Transferiram para esta empresa 139 milhões de euros de património dos CTT e acordaram vender 30,1% da CTT IMO YIELD por 42 milhões de euros. Esses 30,1% serão adquiridos (3,6%) pela multinacional Sierra (que fica a gerir a empresa) e um conjunto não revelado de «investidores institucionais e family offices»2.
São transferidos para a CTT IMO YIELD «398 ativos, com mais de 240 mil metros quadrados de área bruta locável», incluindo «diversas tipologias, como retalho, logística, escritórios e outros, em localizações prime e secundárias em Portugal». Mais importante ainda: «estes activos fazem parte das actuais e futuras redes de logística e de retalho dos CTT». Estamos a falar do património necessário para fazer operar o serviço postal.
Os CTT ficam a pagar à CTT IMO YIELD uma renda de 9,5 milhões (no 1º ano), e pagam ainda os seguros, o IMI/AIMI, a manutenção e o condomínio dos edifícios que ocupam.
Quem faz esta negociata nem sequer esconde muito o que dela pretende retirar «melhorar a posição de liquidez dos CTT, através da venda imediata da participação, criando um buffer de liquidez», ou dito em português, vender, fazer dinheiro rápido. Por agora, assumem o compromisso de só venderem 49,9% do capital da CTT IMO YIELD... até ao dia em que precisem de aumentar a «liquidez» ou o «buffer»...
No anúncio da sua estratégia imobiliária também anunciaram que ficam de fora desta CTT IMO YIELD «10 activos de desenvolvimento» que são para vender por 50/60 milhões em «transações futuras» e juntar ao conjunto de transações passadas, como a sede histórica dos CTT, realizadas para fazer dinheiro e distribuir aos accionistas.
Principais consequências
Além de todo o potencial para a corrupção que este tipo de processos envolve3, com esta «estratégia» conclui-se o processo de liquidação de todo o património dos CTT, acumulado ao longo de 500 anos de gestão pública, que é indispensável para a realização do serviço público de correios. O serviço público postal é uma concessão e, caso os accionistas dos CTT a abandonarem, já não devolverão o património de milhões que receberam na privatização...
Esta estratégia é acompanhada pela permanente descapitalização da empresa. Veja-se o que os CTT decidiram fazer com os resultados líquidos de 2022, 36,4 milhões de euros: 18 milhões foram distribuídos aos accionistas em dividendos e 20 milhões foram distribuídos aos accionistas através de um programa (mais discreto e fiscalmente mais atraente) de recompra de acções. Mais um ano em que o distribuído aos accionistas foi superior aos resultados.
Entretanto, nos indicadores de qualidade, medidos pelos próprios CTT, a empresa continua em pandemia. Isto é, nenhum dos indicadores de qualidade cumpre os objectivos estabelecidos, como já não cumpria em 2019, mas no final deste 1.º semestre, a empresa continua sem sequer atingir os números de 2019, como ilustra o quadro que se segue.
Tudo isto parece demonstrar que a administração dos CTT tem uma estratégia imobiliária, terá uma estratégia bancária, mas não tem qualquer estratégia para o serviço público postal, que estará a ser desmantelado e destruído.
- 1. Nas SICAFI, grande parte dos rendimentos gerados – prediais, de capitais e mais-valias – não contribuem para o seu lucro tributável nem estão sujeitos a retenção na fonte. E estão isentos do pagamento da derrama estadual e municipal. Fazem parte dos pacotes de benefícios fiscais à especulação imobiliária.
- 2. As family offices são empresas gestoras da fortuna de determinadas famílias.
- 3. Vendas massivas a privados de património acumulado normalmente enquanto empresas públicas.
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