A União Europeia (UE) acaba de decidir um novo imposto sobre as pequenas encomendas que entram no seu território, depois de há um ano ter decidido acabar com as isenções aduaneiras dessas encomendas e ter imposto que as mesmas estivessem sujeitas à taxa de IVA. Assim, a partir de 1 de Julho haverá uma taxa aduaneira fixa de três euros por artigo. Para se perceber o verdadeiro objectivo (proibir sem assumir que se proíbe), estamos a falar de artigos que, em muitos casos, custam menos de três euros.
Esta taxa de três euros vigoraria até 2028, altura em que a UE espera ter em funcionamento o Centro de Dados Aduaneiros, centralizando mais esta competência e esperando, através de mais burocracia e mais impostos, conseguir impor taxas aduaneiras aos 4,6 mil milhões de artigos de baixo valor (menos de 150 euros) que hoje são importados directamente (sendo que o volume tem duplicado a cada ano e 90% têm origem na China). E, somar-se-ia a uma taxa de 2 euros de «processamento», com a desculpa de «compensar os custos crescentes que as autoridades aduaneiras incorrem para supervisionar o fluxo muito significativo de encomendas».
Três mais dois, cinco. Se tivermos em conta esses 4,6 mil milhões de artigos de baixo custo importados em 2024, com cada um a pagar 5 euros em taxas, estamos a falar de um volume de impostos de cerca de 23 mil milhões de euros. Mas só em teoria, pois estas taxas irão limitar a procura, e esse é o seu verdadeiro objectivo, travar a compra directa pelos consumidores... mas mantendo o fluxo de mercadorias para as fábricas e os armazéns dos capitalistas da União Europeia (que estariam isentas destas taxa só aplicada à compra directa).
Outra das manifestações de que a União Europeia vive num estado de absoluta negação da realidade é a exigência do Parlamento Europeu de que «esta taxa deve ser paga pela plataforma e não pelo consumidor». Ou seja, aprovam taxas de cinco euros sobre um produto que custa menos do que esse valor, e querem que a taxa seja assumida pela plataforma? Como? Como pode a plataforma vender por um euro um produto pelo qual paga cinco euros de taxa?
«Há várias razões pelas quais não é saudável nem desejável que nos seja mais fácil mandar vir da China um produto por correio que ir a uma loja comprá-lo. Defesa da produção nacional, defesa do meio ambiente face a cadeias logísticas imensas, defesa de uma economia mais sustentada e planificada, defesa do emprego e dos salários. Nenhuma pertence ao mantra neoliberal que nos tentam impor cada dia para todos os outros aspectos da nossa vida.»
A capacidade produtiva instalada no planeta permite que um determinado produto nos seja entregue em casa directamente da China pagando menos do que se pagaria se se fosse a uma loja convencional comprá-lo e sem ter que pagar o dízimo ao grande capital que lhe coloca «a sua marca». Isto exige uma capacidade logística imensa (onde o custo unitário do transporte «da nossa encomenda» desaparece), uma capacidade imensa de promoção da plataforma (em vez da publicidade das marcas) e uma capacidade produtiva ainda maior e altamente concentrada (produzindo a um custo unitário sem comparação possível).
Foi usando mecanismos destes que os países coloniais impuseram acordos de livre comércio às suas colónias e lhes arrasaram o aparelho produtivo, impondo-lhes a mais absoluta dependência e uma economia extractivista. Foi exactamente desta forma que as economias centrais da UE liquidaram os aparelhos produtivos dos países periféricos dentro da própria União, nomeadamente Portugal, e lhes impuseram economias completamente dependentes.
O mais engraçado é que não foi a China que impôs à UE o livre comércio – foram a União Europeia e os EUA, que controlam a Organização Mundial do Comércio, que impuseram à China esse livre comércio que, agora, procuram travar, pois perderam a competição usando as regras que julgavam lhes garantiriam a vitória: livre concorrência, liberdade de comércio e de circulação de capitais, etc.
O impossível milagre vai ser conseguir erguer estas barreiras comerciais quando a economia da União Europeia é completamente dependente do fornecimento de matérias-primas de outros países e da importação massiva de mercadorias de baixo custo que se limita a carimbar e vender caro, porque a União Europeia nunca está a pensar no «consumidor», procura sempre agir em defesa dos grandes grupos económicos multinacionais de base europeia.
Há várias razões pelas quais não é saudável nem desejável que nos seja mais fácil mandar vir da China um produto por correio que ir a uma loja comprá-lo. Defesa da produção nacional, defesa do meio ambiente face a cadeias logísticas imensas, defesa de uma economia mais sustentada e planificada, defesa do emprego e dos salários. Nenhuma pertence ao mantra neoliberal que nos tentam impor cada dia para todos os outros aspectos da nossa vida. E esta é outra dificuldade da UE: os comboios não podem ser feitos em Portugal porque é preciso que o mercado e a concorrência funcionem; um produtor de batata tem que ser capaz de concorrer com a produção francesa ou espanhola porque é preciso que o mercado e a concorrência funcionem, mas depois estabelecem-se mecanismos proteccionistas dessas mesmas multinacionais europeias face à concorrência da China (por agora, porque outros países rapidamente se juntarão ao processo).
A última e final contradição é que o capitalismo gosta de se apresentar ideologicamente como a ordem natural das coisas, a forma natural de funcionar sem regulações artificiais. Principalmente, os neoliberais que nos infernizam a vida. Essa mitologia já não serve os interesses das classes dominantes da Europa na sua relação com o mundo.
Por isso, eles parecem tão confusos. Porque estão.
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