Vendido como um processo negocial, mas uma humilhação na prática. Foi assim que a União Europeia alcançou um acordo com os Estados Unidos da América relativamente às tarifas que a Administração Trump irá aplicar aos produtos europeus. Na prática, as tarifas que inicialmente seriam de 30% passam a ser, no mínimo, de 15%. No entanto esse valor significou a garantia da submissão europeia.
Donald Trump fez o que quis e a União Europeia, fortemente dependente dos EUA, limitou-se a aceitar. A título de exemplo, no caso brasileiro, Lula da Silva anunciou tarifas recíprocas e colocou em marcha uma alteração de paradigma comercial ao fechar acordos com outros parceiros mundiais. No caso europeu, Von der Leyen optou por nada aplicar aos EUA.
Já a União Europeia, crente numa reciprocidade «zero por zero», continuou na sua contradição, mantendo uma tendência de hostilização à China com acusações de concorrência desleal, mesmo com a Cimeira UE-China, na aposta na guerra da Ucrânia e nos consequentes pacotes de sanções à Rússia.
A proposta europeia foi amplamente ignorada por Donald Trump que, à luz da doutrina America First, manteve firme a sua vontade de aumentar as tarifas aos produtos oriundos do «Velho Continente». Neste sentido, ao contrário dos 30% anunciados, o acordo ficou-se pelos 15%, porém, as tarifas que serão aplicadas à União Europeia são superiores às que serão aplicadas ao Reino Unido (10%).
Na prática, por exemplo, o sector automóvel verá as tarifas reduzirem da base de 27,5% para 15%, em troca da eliminação das tarifas europeias aos produtos americanos. Mas no caso do aço e do alumínio, não será igual, com os produtos destes sectores a ficarem sujeitos a uma tarifa de 50%. Já os medicamentos aumentarão de uma média de 4,8% para 15%. Trata-se de um aumento de mais de 900% que afectará uma boa parte da economia europeia, em especial as economias periféricas e mais vulneráveis e as suas micro, pequenas e médias empresas.
Isentos de tarifas de ambos os lados estão os aviões e respectivos componentes, alguns produtos químicos e farmacêuticos genéricos, máquinas para a produção de microprocessadores, alguns recursos naturais e matérias-primas críticas, e determinados produtos agrícolas. Nestas áreas, parece que o objectivo passará por afastar a União Europeia da influência chinesa.
Segundo o Conselho Europeu, as relações comerciais entre a UE e EUA representam perto de 30% do comércio global de bens e serviços e 43% do PIB global. Só em 2024, o valor de comércio dos dois blocos atingiu 1,68 biliões de euros. Nesse ano, a UE importou 334,8 mil milhões de euros em comércio de bens provenientes dos EUA e exportou bens no valor de 532,3 mil milhões de euros para os EUA.
Críticas e elogios demonstram desagrado ou subserviência
Apesar de Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, ter manifestado agrado pelo acordo alcançado, não têm faltado críticas. O primeiro-ministro francês, François Bayrou, considerou que a Europa se submeteu aos EUA, num «dia sombrio» para o bloco económico europeu.
No mesmo sentido esteve Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, que foi duro nas palavras: «Donald Trump comeu Ursula von der Leyen ao pequeno-almoço. Foi isto que aconteceu e que suspeitávamos que aconteceria», disse de acordo com a Antena 1.
Na Alemanha que se encontra numa recessão económica, o chanceler Friedrich Merz valorizou o acordo alcançado na medida em que este evitou «uma escalada desnecessária nas relações comerciais transatlânticas». O primeiro-ministro irlandês, Simon Harris, em sintonia com o seu homólogo germânico, mostrou satisfação por trazer «uma medida de certeza muito necessária».
Governo português segue a linha de submissão
A verdade é que o acordo alcançado só confirma a necessidade de diversificação de relações comerciais, o que dificulta o papel de Portugal que, dado o processo de desmantelamento do aparelho produtivo de que foi alvo com a integração europeia, precisa de olhar para a diplomacia numa óptica de soberania e não de dependência. Para tal, era necessário que o Governo português tivesse uma voz própria, no entanto não é isso que parece estar a acontecer.
Na rede social X, Luís Montenegro elogia o acordo comercial alcançado: «O acordo comercial UE-EUA traz previsibilidade e estabilidade, vitais para as empresas portuguesas e a economia», escreveu. Para o primeiro-ministro português, o estabelecimento de tarifas de 15% evita uma escalada, «mas põe exigências novas na luta por mais acordos de comércio, no corte de barreiras e na agenda transformadora de simplificação e redução de custos».
O Ministério de Negócios Estrangeiros, num comunicado enviado à agência Lusa, considera que «o acordo comercial UE-EUA traz previsibilidade e estabilidade, ao evitar uma guerra comercial em escalada». Numa posição submissa, o Ministério tutelado por Paulo Rangel «saúda e agradece» à Comissão Europeia «o empenho para conseguir esta plataforma de estabilização das relações comerciais».
Quem parece ter ficado menos agradado foi a Associação Empresarial de Portugal (AEP) que diz ver com preocupação o acordo comercial alcançado entre a UE e os Estados Unidos, considerando-o estar longe do «desejável». Para a AEP «importa realçar que a tarifa definida para a União Europeia, embora igual à aplicada ao Japão, é superior à concedida ao Reino Unido. O que reforça a ideia de que este acordo é o possível, mas longe de ser o desejável».
Antecipa-se que a económia portuguesa sofra com as tarifas americanas porque os EUA são o quarto maior destino das nossas exportações. Importa lembrar que os EUA colocaram em Portugal um embaixador que se assume preocupado com a presença chinesa na economia nacional, temendo um afastamento face ao país governado por Donald Trump.
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