|Ucrânia

Quando será a próxima invasão russa?

O assunto é sério. Ameaçadas pela irresponsabilidade militarista ao serviço de interesses que pretendem governar o mundo sem entraves, estão muitos milhões de vidas humanas.

Paraquedistas da 82.ª Divisão Aerotransportada dirigem-se para um avião de transporte que parte para a Europa, em Fort Bragg, Carolina do Sul, a 14 de Fevereiro de 2022. Dezenas de helicópteros de guerra, camiões carregados com paletes, aviões de carga C-17 e milhares de militares norte-americanos já estão preparados para o pior dos cenários na Polónia, naquilo que o repórter CNN na fronteira da Polónia, Nick Paton Walsh, classificou como «a realidade» que os EUA «não querem que seja vista» 
CréditosJonathan Drake / REUTERS

E assim passou mais uma data, a de 16 de Fevereiro, marcada por Biden, Johnson, Von der Leyen e demais parceiros e aliados, para a invasão russa da Ucrânia. Mas as tropas da Rússia não compareceram à chamada, tal como acontecera em fins de Janeiro e vários outros dias de Fevereiro já anteriormente agendados sem que o visivelmente incumpridor Vladimir Putin lhes fizesse a vontade.

«Já repararam que várias televisões encabeçam o noticiário – chamemos-lhe assim – sobre a Ucrânia com a expressão «invasão russa», como se ela estivesse a acontecer? É verdade que a agência Bloomberg chegou a anunciá-la em directo e que vários meios ditos de comunicação, citando a «inteligência americana», assumiram o rigoroso compromisso de anunciar a invasão para a uma da manhã da última quarta-feira»

Agora há que aguardar por nova marcação de data porque a operação não acaba aqui, muito longe disso. Já repararam que várias televisões encabeçam o noticiário – chamemos-lhe assim – sobre a Ucrânia com a expressão «invasão russa», como se ela estivesse a acontecer? É verdade que a agência Bloomberg chegou a anunciá-la em directo e que vários meios ditos de comunicação, citando a «inteligência americana», assumiram o rigoroso compromisso de anunciar a invasão para a uma da manhã da última quarta-feira. E se a máquina de propaganda, especialmente a sempre diligente CNN, alimenta até à minúcia a rubrica «invasão russa» é porque tal episódio não aconteceu mas está para acontecer – pelo menos os seus operadores rezam por isso a todas as alminhas. De modo a que possam então descarregar os volumosos materiais sobre o acontecimento preparados antecipadamente e possam dar ainda mais gás aos seus agentes no terreno, comentadores, académicos, especialistas, analistas, ex-ministros, gurus, espiões e ex-espiões avençados que dizem todos o mesmo, desencantados por ora com o facto de Putin não lhes fazer a vontade, cultivando cada qual o respectivo linguajar histriónico.

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O gangsterismo como geopolítica

A Ucrânia é uma espécie de última fronteira da cavalgada imperial da NATO, do combate entre a eternização do unilateralismo e o estabelecimento gradual do multilateralismo nas relações internacionais.

«Últimas: Rússia invade a Ucrânia». O título esteve na primeira página da agência de notícias norte-americana Bloomberg, a 4 de Fevereiro de 2022. Foi depois retirado da página e a agência apresentou um pedido de desculpas aos leitores
Créditos / Anadolu

No passado dia 4 de Fevereiro, às 4 da tarde, a circunspecta agência de notícias norte-americana Bloomberg informou o seguinte, com o maior destaque, na sua página principal online: «Em directo: a Rússia invadiu a Ucrânia.» O título dando conta desta verdadeira bomba tão desejada em Washington a Bruxelas esteve no ar durante meia hora, até que foi retirado. Tratava-se, afinal, como explicou um porta-voz da empresa considerada acima de qualquer suspeita, de um «engano» porque uma das notícias elaboradas por antecipação, e prontas a disparar a qualquer momento, entrou inadvertidamente no circuito. Para a Bloomberg, e sabe-se lá quantos meios de comunicação através deste mundo, a notícia da invasão russa da Ucrânia é tão garantida que está escrita antecipadamente. E um «engano» têm-no até os mais pintados, não é verdade?

O episódio faz lembrar um outro ocorrido num jornal português já extinto no qual um renomado jornalista relatou minuciosamente uma reunião do Conselho da Revolução que afinal não se realizou. Explicação: é verdade, não aconteceu mas se tivesse havido reunião passar-se-ia exactamente assim.

«CITAÇÃO: “Em directo: a Rússia invadiu a Ucrânia.” O título dando conta desta verdadeira bomba tão desejada em Washington a Bruxelas esteve no ar durante meia hora, até que foi retirado»

Voltando à Ucrânia, não foi apenas a Bloomberg a deixar escapar um desejo afinal incontido. Neste pequeno recanto rastejando atrás de Washington e vergastando-se com o cilício sempre que a União Europeia o exige, uma «âncora» da SIC Notícias, emissora que é filha da rede de manipulação conhecida como Grupo Empresarial Bilderberg, perguntou ao enviado ou correspondente em Kiev: «Já sabes quando começa a guerra?»

Assim estamos… E Vladimir Putin que não lhes faz a vontade, insistindo nessa tecla chata da «saída diplomática» para a «crise», que afinal não se sabe muito bem o que é nem como começou. Talvez tenha sido porque a Rússia faz grandes movimentações de tropas junto à fronteira com a Ucrânia – ao que consta não é assim tão perto – por sinal enquanto a NATO, mobilizando enormes contingentes de fronteiras distantes, faz jogos de guerra todos os dias, do Mediterrâneo aos mares Negro e Báltico, não para ameaçar a Rússia, por certo, mas apenas para gastar uns milhões e municiar os cofres do império empresarial da guerra, a viver um período de abundância jamais sentido.

Por insólito que seja, algumas das mais importantes autoridades do regime plantado por Washington e Bruxelas em Kiev, desde o presidente ao chefe de espionagem e defesa, tentam pôr água na fervura e no fervor ocidental dizendo que a situação não tem nada de novo, a tensão entre os dois países existe desde a «revolução da Praça Maidan» em 2014 e, segundo as informações de que dispõem, nada indica que os russos estejam a aprontar-se para fazer qualquer acto militar hostil.

Para que conste, a União Europeia tem exactamente os mesmos relatórios de inteligência, mas não reage em conformidade. Aos seus dirigentes e respectivos ecos mediáticos parece não convir dizer que, afinal, a Rússia não está pronta para lhes fazer a vontade.

«De Washington, porém, surge o grito alarmado e alarmante do presidente Joseph Biden: “Kiev será saqueada!”. E Zelensky contrapõe: não é bem assim, não temos sinais disso»

O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, queixa-se de que a disseminação da instabilidade «e do nervosismo» no país «não é boa para os negócios e para o investimento estrangeiro». E Alexei Danilov, chefe do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, não enxerga qualquer «prontidão das tropas russas para uma invasão».

O ministro da Defesa da Ucrânia, Oleksii Reznikov, está sintonizado com estas declarações e, conforme testemunha, «posso dizer absolutamente que até hoje as forças armadas russas não criaram um grupo de ataque capaz de fazer uma invasão vigorosa da Ucrânia».

De Washington, porém, surge o grito alarmado e alarmante do presidente Joseph Biden: «Kiev será saqueada!». E Zelensky contrapõe: não é bem assim, não temos sinais disso.

O presidente ucraniano foi ainda mais explícito numa conferência de imprensa realizada em fins de Janeiro e que foi qualificada como «um encontro surreal» pela jornalista da BBC Sarah Rainsford, por certo formatada em modo de guerra. Disse Zelensky que «os problemas do seu país vêm mais do Ocidente do que de Leste porque a presença de tropas russas na fronteira não é invulgar, ainda há um ano aconteceu o mesmo». Ainda de acordo com o mesmo alto dirigente, a ameaça real à Ucrânia não é a Rússia «mas a desestabilização no interior do país».

Talvez por essa razão o próprio e fiel servidor Zelensky esteja a perder utilidade nos círculos do poder na capital federal norte-americana onde, segundo o antigo diplomata britânico Alastair Crooke, citando três fontes da administração e do Capitólio, já é considerado «irritante, enfurecedor e completamente contraproducente».

Daqui à substituição do actual presidente ucraniano por ordem dos seus tutores o caminho poderá não ser longo; enquanto no Ocidente corre o vaticínio de que Moscovo dará um golpe em Kiev, previsão ridicularizada na própria capital ucraniana.

Os ucranianos não contam para nada

Uma das características mais notáveis deste processo é o desprezo absoluto manifestado para com os cidadãos da Ucrânia. Como se não lhes bastasse viverem num país em bancarrota, governado por nazis, impedido de contrair empréstimos nos mercados monetários internacionais porque os juros seriam incomportáveis; e também sem gás e dinheiro para o comprar. Um país onde falta quase tudo, excepto armas norte-americanas de restos de colecção que era preciso despachar para algum lado, preferencialmente de maneira a ameaçar a Rússia. E toda a situação decorre do processo de «democratização» iniciado na Praça Maidan há sete anos, que foi o tiro de partida para o saque do país por cliques internas e externas, entre elas a família Biden; e para a entrada em guerra civil uma vez soltados os nazis, que logo se voltaram contra as populações russófonas do Leste. Um conflito entretanto suspenso com a derrota de Kiev e os consequentes Acordos de Minsk – que o regime assinou mas não cumpre, mantendo a pressão terrorista sobre o Leste.

«Estão reunidas, portanto, condições para que uma provocação seja desencadeada de um momento para o outro algures na Ucrânia, quando convier a Washington e provavelmente sem que os aliados europeus sejam informados»

Há mais quem se esqueça dos Acordos de Minsk, por exemplo o chefe da política externa da União Europeia – seja lá o que isso for – Josep Borrell, que em Janeiro se deslocou à linha da frente da guerra civil, do lado onde pontificam os nazis, avalizando assim os seus comportamentos; e que aproveitou a viagem para tornar efectivo o cruel e total bloqueio da União contra a Transnístria, território russófono secessionista da Moldávia.

O desprezo pelos ucranianos nota-se igualmente na ligeireza com que se fala em «guerra» e «invasão», como se o território não fosse habitado e valesse apenas como plataforma da NATO para instalar tropas e mísseis que podem atingir Moscovo em cinco a sete minutos.

No Kremlin, entretanto, diz-se que não existe interesse algum em apoderar-se da Ucrânia, por um lado porque uma guerra iria perturbar o relançamento do país, principalmente a sua ancoragem a Leste em termos de integração regional e convergências com a China, virando as costas ao Ocidente; e, por outro lado, porque não pretende ocupar-se de um território falido e infestado de nazis.

Outro sinal inequívoco da falta de respeito atlantista pelos ucranianos é a infiltração ocidental de agentes provocadores no Leste da Ucrânia, com o objectivo de desencadear acções que reactivem a guerra civil de uma maneira susceptível de forçar a Rússia a algum tipo de intervenção militar. Um soldado da República Popular de Lugansk deu conta da chegada à área de Lisichansk de «grupos subversivos treinados por instrutores britânicos». Existem igualmente provas da infiltração no Leste da Ucrânia de mercenários pertencentes à empresa norte-americana Academi, nova designação da mal-afamada Blackwater, contratada pelo Pentágono e responsável por processos de tortura e assassínios selectivos em territórios invadidos pelos Estados Unidos, designadamente o Iraque.

Estão reunidas, portanto, condições para que uma provocação seja desencadeada de um momento para o outro algures na Ucrânia, quando convier a Washington e provavelmente sem que os aliados europeus sejam informados.

Percebe-se assim que a hipotética entrada da Ucrânia da NATO seja uma linha vermelha para a Rússia e da qual Putin não abdicará, garantindo que tal não acontecerá. Se a NATO insistir em engolir a Ucrânia então essa será a razão para a Rússia reagir, segundo Moscovo através de «medidas técnico-militares» que não especificou mas que, de acordo com o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Alexander Grushko, a NATO conhece muito bem porque «não fazemos segredo das nossas possibilidades e agimos com muita transparência».

Macron e as «sanções infernais»

Da confusão em que está mergulhada a União Europeia a propósito da «crise na Ucrânia», vítima do seguidismo em relação aos Estados Unidos, agravado com a chegada de Biden à Casa Branca, emergiu o presidente francês, Emmanuel Macron, com a sua propagandeada visita a Moscovo e a Kiev.

Só por coincidência poderá associar-se a «mediação» de Macron ao facto de a França ter a presidência semestral da União Europeia. A viagem do presidente francês às duas capitais tem muito mais a ver com a factura a pagar pelos 27 em caso de guerra ou da aplicação das «sanções infernais» que Biden prometeu contra a Rússia; e também com a campanha para as eleições presidenciais de Abril no seu país, apesar de Macron ainda não ser formalmente candidato.

O chefe de Estado francês assumiu a iniciativa depois de uma caótica reunião recente dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27 na qual, para que a família estivesse completa, participaram o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, e o próprio presidente Biden, este por vídeo chamada. A França e a Alemanha deram conta das inquietações sentidas em muitos países da União quanto aos efeitos nefastos resultantes das sanções que os Estados Unidos querem obrigar a Europa a assumir contra a Rússia: temem que sejam mais prejudiciais para o continente do que para Moscovo.

«A visita de Emmanuel Macron a Moscovo e Kiev, realizada à revelia dos Estados Unidos, acabou por ter como consequência a recuperação dos Acordos de Minsk como um instrumento diplomático capaz de permitir uma saída pacífica para a situação»

A propósito recorda-se que o processo de sanções montado pelos Estados Unidos e a União Europeia contra a Rússia em 2015, quando a população da Crimeia votou em massa o regresso, como região autónoma, à Federação Russa, não teve as consequências terríveis que os estrategos ocidentais previram. Os serviços secretos alemães conseguiram mesmo convencer a chanceler Merkel de que as sanções teriam uma eficácia tão contundente que levaria Moscovo a retirar-se da Crimeia e o próprio Vladimir Putin a demitir-se. Um tiro na água.

Agora os receios no interior da União Europeia em relação à estratégia norte-americana, cujas consequências, claro, não serão sentidas nos Estados Unidos, têm a ver com o efeito de boomerang sobre os 27 provocado pelas «sanções infernais» a impor à Rússia no caso de não se comportar na Ucrânia como Washington exige.

O assunto transformou-se mesmo num pesadelo para o secretário de Estado Blinken na recente reunião do Conselho de Segurança da ONU dedicada à «crise na Ucrânia».

À demonstração de que a imposição de sanções à revelia da ONU é uma violação do direito internacional, feita pela China e pela Rússia, juntaram-se os receios da França quanto aos efeitos perversos de tais práticas, de que Macron faz eco no interior da União Europeia.

A resposta de Putin às eventuais «sanções infernais» de Biden pode, de facto, ser arrasadora para uma União Europeia em crise, espelhada principalmente nas questões energéticas. Se a Rússia fechar a torneira do gás, que representa 40% do consumo europeu, os preços da energia disparam ainda mais, agravando a já problemática inflação e podendo degenerar numa nova crise financeira internacional. A Rússia tem mercados para escoar a produção remanescente de gás e outros combustíveis fósseis, devido aos canais abertos através da integração euroasiática; as alternativas de abastecimento europeu, porém, são muito mais caras, sendo que a oposição absoluta dos Estados Unidos ao funcionamento do gasoduto Nord Stream 2 é um factor mais a considerar. Biden não descartou a possibilidade, ao usar a expressão «todos os meios» no que diz respeito ao bloqueio do gasoduto russo-alemão, de bombardear a estrutura – já concluída e que só não funciona devido às hesitações de Berlim e às contradições na coligação governamental.

Além do gás e do petróleo, a Rússia tem outros instrumentos para manobrar em desfavor da União Europeia como resposta às sanções. Por exemplo, a suspensão da exportação de matérias-primas necessárias para o fabrico de fertilizantes para a agricultura poderá ter como consequência o aumento dos preços de produtos alimentares. Acresce ainda que a Rússia é, actualmente, o maior exportador mundial de cereais.

Ao invés, uma das sanções mais agitadas pelos Estados Unidos, a expulsão da Rússia do sistema internacional de compensações financeiras SWIFT, tem um alcance limitado porque Moscovo e Pequim criaram sistemas próprios, CIPS e SPFS, que dispensam em 70% a utilização do dólar norte-americano. Além disso, a Reserva Federal norte-americana, o banco central dos Estados Unidos, considerou a expulsão da Rússia do SWIFT «uma ideia totalmente errada».

O caso da «crise ucraniana» explica como o recurso ao gangsterismo geopolítico é cada vez mais uma arma dos Estados Unidos para impor a continuação do unilateralismo contra o multilateralismo, que ganha terreno como ainda há dias se percebeu na cimeira entre Vladimir Putin e o presidente chinês Xi-Jinping.

A visita de Emmanuel Macron a Moscovo e Kiev, realizada à revelia dos Estados Unidos, acabou por ter como consequência a recuperação dos Acordos de Minsk como um instrumento diplomático capaz de permitir uma saída pacífica para a situação, apesar de ser boicotado por Kiev e Washington. Segundo Macron, o respeito pelos Acordos de Minsk é a garantia de que a Rússia não irá invadir a Ucrânia.

Onde entra o direito internacional

Os Acordos de Minsk, de 2015, foram assinados pelo governo da Ucrânia e pelos representantes das regiões do Leste do país, garantidos sob tutela da Rússia, da França e da Alemanha. Prevêem o fim dos confrontos armados entre as duas partes ucranianas e a concessão de uma autonomia à região do Donbass, de maioria russófona, estabelecida segundo as leis ucranianas – que poderão ter de ser adaptadas para dar forma ao sistema autonómico.

Estes acordos passaram, entretanto, a integrar o direito internacional porque foram garantidos em 2015 pela resolução 2022 do Conselho de Segurança da ONU, com voto favorável inclusive dos Estados Unidos.

«Os Acordos de Minsk, de 2015, foram assinados pelo governo da Ucrânia e pelos representantes das regiões do Leste do país, garantidos sob tutela da Rússia, da França e da Alemanha. Prevêem o fim dos confrontos armados entre as duas partes ucranianas e a concessão de uma autonomia à região do Donbass»

Outra das frentes diplomáticas invocadas frequentemente pela Rússia é o respeito pelo princípio da «indivisibilidade da segurança», que «os colegas ocidentais não apenas ignoram mas do qual se esqueceram completamente», segundo o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov.

O princípio em causa foi estabelecido nas reuniões de Istambul (1999) e Astana (2010) da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Estabelece que qualquer país tem liberdade de escolha das alianças, desde que a decisão não ponha em causa a segurança de outro país.

A integração da Ucrânia na NATO é, por razões óbvias, uma ameaça à segurança da Rússia e violaria o princípio da «indivisibilidade da segurança».

O respeito por esta norma da OSCE, organização a que a Rússia pertence juntamente com os países ocidentais, é considerado fundamental por Moscovo para se encontrar uma solução diplomática da questão ucraniana.

A definição da posição individual de cada país da União Europeia e da NATO perante este princípio foi solicitada por Moscovo em carta assinada por Lavrov. O respeito pela «indivisibilidade da segurança» é, como se percebe, absolutamente contrário à defesa da entrada da Ucrânia, da Geórgia, da Bielorrússia na NATO, pelo que os países ocidentais são confrontados com uma contradição de fundo em termos de direito internacional. É difícil entender as razões pelas quais a segurança da Ucrânia ou da Geórgia é mais importante do que a segurança da Rússia, como resulta das posições da NATO.

Ignoram-se publicamente os conteúdos das respostas à carta de Lavrov, se as houve. Em Portugal, o ministro Santos Silva, que mais parece um eco do Departamento de Estado, prometeu que iria responder, certamente depois de perguntar aos seus parceiros o que deveria escrever. Seja como for, ele distingue-se por pretender falar grosso, mas os efeitos do que diz são irremediavelmente fininhos e inócuos na arena internacional. Responder ou não responder é mais ou menos a mesma coisa do que, por exemplo, ter ficado em silêncio perante o golpe fascista na Bolívia em 2019 ou ser um apoiante do terrorista Guaidó e cúmplice das atrocidades e dos congelamentos de bens praticados pelos Estados Unidos contra a Venezuela.

Quanto vale a palavra dada?

Em boa verdade, nada disto estaria a ser discutido e provavelmente não haveria «crise na Ucrânia» se os Estados Unidos e aliados cumprissem a palavra dada nos idos de 1990, conforme consta de vária documentação tornada pública.

A muito pouco tempo da dissolução da União Soviética e três meses depois da queda do muro de Berlim, em 9 de Fevereiro de 1990, o secretário de Estado da administração Clinton, James Baker, disse ao presidente soviético, Mikhail Gorbatchov, que «a NATO não se moverá uma polegada para Leste» em relação às posições então vigentes.

«A NATO não perdeu o apetite voraz no seu avanço sempre «defensivo»; mas agora, com evidente nostalgia dos bons tempos de Ieltsin, depara-se com uma realidade que não se lhe verga e continua a fazer do direito internacional a sua cartilha, por muito que a propaganda que sequestrou o direito de informar se desdobre para tentar fazer crer o contrário»

Segundo o Arquivo do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, essa garantia foi pronunciada não uma mas três vezes. Ainda de acordo com as mesmas fontes, Baker concordou com Gorbatchov em que a «expansão da NATO para Leste é inaceitável». E o mesmo secretário de Estado acrescentou: «Nem eu nem o presidente pretendemos extrair vantagens unilaterais do processo que está a decorrer. Não apenas para a União Soviética mas também para outros países europeus é importante ter a garantia de que, se os Estados Unidos mantiverem a sua presença na Alemanha dentro da estrutura da NATO, nem uma polegada da actual jurisdição da NATO se alargará em direcção a Leste».

Mais ou menos o mesmo disseram, imagine-se, a Embaixada dos Estados Unidos em Bona, o chanceler alemão Helmut Kohl – «a NATO não deve expandir a sua esfera de actividade» – e a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher – «devemos encontrar maneira de dar à União Soviética a confiança de que a sua segurança será garantida».

Palavras levou-as o vento; à honra e dignidade dos Estados membros da NATO também. Se assim não fosse que seria do gangsterismo geopolítico?

Pouco depois deu-se a extinção e desagregação da União Soviética, começou a destruição catastrófica da Jugoslávia e a Alemanha Federal fez um takeover sobre a RDA. Desde 1997 não foi só «uma polegada» que a NATO se expandiu: engoliu 14 países, sem contar com a RDA.

Entretanto os Estados Unidos e os países ocidentais colocaram o alcoólico e boneco da CIA Boris Ieltsin à frente da Rússia, facilitando a pilhagem dos bens do que fora a União Soviética pelas grandes empresas transnacionais e as máfias de oligarcas russos a elas ligadas.

A Rússia foi humilhada e deixada exangue. O Ocidente, porém, cometeu um erro fatal ao menosprezar o nacionalismo russo, partindo do princípio de que a extinção da União Soviética representaria o desaparecimento da Rússia como realidade histórica, económica e estratégica nas relações internacionais.

A NATO não perdeu o apetite voraz no seu avanço sempre «defensivo»; mas agora, com evidente nostalgia dos bons tempos de Ieltsin, depara-se com uma realidade que não se lhe verga e continua a fazer do direito internacional a sua cartilha, por muito que a propaganda que sequestrou o direito de informar se desdobre para tentar fazer crer o contrário.

«A política do Ocidente é minar a estrutura das relações internacionais baseada na Carta da ONU para a substituir pela sua lei internacional baseada em regras», definiu o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov.

Regras naturalmente estabelecidas pelos Estados Unidos para vigorar em todo o mundo, tal como o Consenso de Washington que em 1989 instaurou a ditadura económica neoliberal com vocação globalista e absolutamente unipolar.

A Ucrânia é uma espécie de última fronteira da cavalgada imperial da NATO, do combate entre a eternização do unilateralismo e o estabelecimento gradual do multilateralismo nas relações internacionais.

A evolução dos acontecimentos permite perceber que a Rússia não está pronta a invadir a Ucrânia – por muito que Washington e Bruxelas o desejem – mas também não está disposta a permitir que hordas militares transnacionais acampem à sua porta e armas de destruição massiva sejam aí instaladas e fiquem com Moscovo à vista.

Não estamos perante questões ideológicas; o que está em causa é, tão só, o respeito pelo direito internacional de modo a que não seja substituído por regras arbitrárias estabelecidas por gangsters incapazes de tolerar qualquer concorrência no mundo.

E a relação de forças talvez não seja assim tão favorável ao eixo Washington-Bruxelas. Caso contrário, a propaganda global não precisava de gritar tanto as suas mensagens manipuladas, chegando até a tomar os desejos por realidade noticiando o que não aconteceu.

José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

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Chama-se a isto «informar». Porém, o que está verdadeiramente em curso é uma barragem de propaganda de guerra com características terroristas – trata-se de manter o pânico nas populações, e não só as da Ucrânia e do Leste europeu – para reforçar a unipolaridade global através de uma nova ordem internacional «baseada em regras» definidas, bem entendido, em Washington. Se as razões que movem o império anglo-saxónico, manipulando os seus instrumentos NATO e União Europeia, já eram muitas até aqui, elas foram reforçadas com os frutos da recente cimeira entre a Rússia e a China. Putin e Xi-Jinping disseram nada mais nada menos que a amizade entre os dois países «não tem limites» e que a consistência das relações mútuas é superior à «das alianças políticas e militares da época da guerra fria». A dinâmica multipolar parece, deste modo, começar a sobrepor-se à estratégia unipolar dos agendamentos de guerra falhados, alimentando a histeria a que temos vindo a assistir e na qual se perde, não poucas vezes, a noção do ridículo.

O que tem falhado?

Esta estratégia de manter a marinar um potencial conflito enquanto se acumulam tropas e armas numa vasta região de um continente é extremamente perigosa. Sobretudo quando está à mercê de dirigentes que não têm escrúpulos em mentir e que usam como tropas de choque bandos de nazis, de mercenários e até de extremistas islâmicos, o que não é tão surpreendente como isso porque a Ucrânia tem acoitado grupos de chechenos e de outras origens pertencentes às redes transnacionais de desestabilização ao serviço das «guerras sem fim» dos Estados Unidos.

O que aparentemente tem falhado quando Biden, aliados e a propaganda globalista de guerra programam datas para a «invasão russa» parece ser a faúlha para acender o rastilho de modo a quebrar o impasse – ou aquilo que pretendem fazer parecer um impasse.

Os meios de manipulação insistem na ameaça que alegadamente representa a presença massiva de tropas russas na fronteira com a Ucrânia, que estão no interior do seu país e cercadas por contingentes militares de países vizinhos e outros nem tanto como são os Estados Unidos, o Canadá, Itália, Portugal, Espanha, todos eles manobrando a grandes distâncias das suas fronteiras nacionais.

Sem dúvida, o que está a mais na região não são as tropas russas mas as da NATO.

«O que aparentemente tem falhado quando Biden, aliados e a propaganda globalista de guerra programam datas para a «invasão russa» parece ser a faúlha para acender o rastilho de modo a quebrar o impasse – ou aquilo que pretendem fazer parecer um impasse»

O que os dirigentes atlantistas e os seus megafones não explicam é que, segundo relatório da Missão Especial de Monitorização da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), o exército e a Guarda Nacional da Ucrânia reuniram 150 mil efectivos e armamentos avançados na linha que separa as forças do regime ucraniano dos territórios do Donbass, povoados sobretudo por ucranianos de origem russa, muitos deles com passaportes russos. Estas populações têm sido alvo de ofensivas e massacres sangrentos dirigidos preferencialmente contra civis; acções criminosas nas quais se destacam os nazis do batalhão Azov e do Sector de Direita dirigido pelo «fuhrer branco» Biletsky, unidades que, tal como a generalidade das forças militares e paramilitares da Ucrânia, têm sido financiadas, municiadas e treinadas por «conselheiros» de países da NATO.

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Ucrânia, o rastilho da Europa

Entre a riqueza armamentista e a miséria social, este país a funcionar como base militar da NATO transformou-se num rastilho de guerra, talvez o mais inquietante, susceptível de incendiar a Europa e o mundo.

Militares ucranianos no Donbass (foto de arquivo)
Créditos / Telegraph.ua

A administração colonial formada pelos Estados Unidos e a União Europeia que desde 2014 gere a Ucrânia, com apoio em entidades nazis saudosas de Hitler, criou a maior plataforma de guerra e de provocação que ameaça toda a Europa ao mesmo tempo que transformou o país num espaço de miséria.

Desde 2014 que, à luz do golpe da Praça Maidan dado em nome «da democracia», que Washington e Bruxelas vêm militarizando a Ucrânia recorrendo, sem rebuço nem vergonha, a uma máfia política mergulhada em corrupção e em traficâncias neoliberais; criando assim condições para conduzir uma guerra interna contra as populações russófonas da região do Donbass e desenvolvendo uma atmosfera de hostilidade contra a Rússia e a Bielorrússia propícia às manobras agressivas e provocatórias da NATO.

Nas operações internas tem-se distinguido, pela crueldade exercida contra as populações civis, o instrumento de mão do regime, a Guarda Nacional, corpo criado a partir do golpe de 2014 integrando estruturas retintamente nazis, como é o caso do batalhão Azov. Notícias vindas regularmente a público, mas que não cabem nos pacotes propagandísticos da comunicação social corporativa, dão conta de que estes grupos hitlerianos frequentam as acções de formação ministradas por altos quadros militares norte-americanos e europeus em situação de reserva mas realmente integrados nas estruturas da NATO.

Já em Novembro deste ano o regime de Kiev recebeu mais 60 milhões de dólares em material militar, incluindo 80 toneladas de munições, da administração Biden – a quarta remessa desde Agosto enviada de Washington. Joseph Biden, então como vice-presidente de Obama, foi um dos principais operacionais do golpe de Maidan, recorrendo principalmente aos serviços de campo de Victoria Nuland, quadro superior do Departamento de Estado envolvida directamente na conspiração, na acção e na formação dos primeiros governos do regime. A propósito desta manobra, na qual os Estados Unidos fizeram questão de exercer exclusividade absoluta, Nuland pronunciou a célebre frase «fuck the UE», um escândalo diplomático entre «aliados» que Bruxelas, fiel à sua subserviência em relação a Washington, reduziu a um não-acontecimento. A expressão foi proferida numa conversa com o então embaixador norte-americano em Kiev, Geoffrey E. Pyatt, agora em Atenas conduzindo as acções de conspiração e provocação nos Balcãs.

«Joseph Biden, então como vice-presidente de Obama, foi um dos principais operacionais do golpe de Maidan (...)»

O actual presidente norte-americano tem uma forte ligação «sentimental» à Ucrânia. Utilizando o filho Hunter Biden como testa de ferro, Joseph Biden entrou em força nos negócios de petróleo e gás do país; no seu actual governo colocou na mais elevada das posições, a de secretário de Estado, o norte-americano e ucraniano Anthony Blinken. De 2014 para cá têm passado pela administração ucraniana vários ministros e ministras de nacionalidade e ascendência norte-americana, ou mesmo indivíduos com formação nos Estados Unidos e que já foram presidentes de outros países, como o caso do georgiano corrupto Shakashwili.

Desde o golpe de 2014, segundo o actual secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, os Estados Unidos injectaram na Ucrânia mais de 2500 milhões de dólares em material militar, incluindo recentemente os mísseis antitanque Javelin, que já foram utilizados na guerra contra o Donbass, de acordo com Kyrilo Budanov, chefe da espionagem militar de Kiev. Confirmando-se assim que o governo ucraniano tem como política a violação dos acordos de Minsk, que determinam uma solução política e não militar para o conflito na região.

Budanov foi mais longe e assegurou que os mísseis Javelin foram usados igualmente «contra forças russas». Esta afirmação deve ler-se, porém, à luz do facto de Kiev considerar as forças militarizadas de autodefesa do Donbass como «parte do exército russo». Uma asserção que faz parte do discurso provocatório oficial ucraniano.

De realçar ainda que o equipamento das forças militares de influência nazi da Ucrânia foi ainda reforçado recentemente com drones ofensivos Bayraktar, de fabrico turco. O ditador Erdogan é um dos pilares internacionais de sustentação do regime autocrático de Kiev, apesar da crescente degradação das condições económicas do seu país.

Provocação em curso

Há pouco mais de uma semana, os serviços de espionagem norte-americanos municiaram a Comissão Europeia com supostas «informações secretas», segundo as quais a Rússia se prepara para invadir a Ucrânia no início do próximo ano, designadamente a partir da Crimeia e da Bielorrússia.

Embora fazendo parte da alimentação permanente da hostilidade da União Europeia para com a Rússia, esta diligência pode traduzir um novo nível da agressividade da NATO em relação a Moscovo. Há poucos dias, tirando proveito da situação criada com o problema dos refugiados entre a Bielorrússia e a Polónia, a Aliança Atlântica reforçou com mais umas dezenas de tanques o seu dispositivo de guerra alegadamente contra Minsk mas que, em última análise, tem a Rússia como alvo principal.

Na sequência das mais recentes operações militares de Kiev contra o Donbass, utilizando nomeadamente os mísseis de fabrico norte-americano Javelin, como o chefe da espionagem militar ucraniana confirmou, o exército russo reforçou os dispositivos militares na fronteira ucraniana. Algo que Moscovo já fizera anteriormente e que dissuadiu então as forças de Kiev de prosseguirem uma das frequentes ofensivas contra o Leste do país.

Os Estados Unidos pretendem que se interpretem estas movimentações como uma ameaça iminente de invasão da Ucrânia pela Rússia. Washington e a NATO, que se caracterizam por fazer manobras militares agressivas em praticamente todo o mundo, onde dispõem de 800 bases militares muito para além das suas próprias fronteiras, têm assim a desfaçatez de qualificar como indícios de agressão as movimentações militares a que outros países procedem, de maneira soberana, exclusivamente no interior dos seus territórios. A Rússia, recorda-se, está cercada pela presença exorbitante de tropas da NATO nas suas fronteiras, oriundas até de nações muito distantes.

«Washington e a NATO, que se caracterizam por fazer manobras militares agressivas em praticamente todo o mundo, onde dispõem de 800 bases militares muito para além das suas próprias fronteiras, têm assim a desfaçatez de qualificar como indícios de agressão as movimentações militares a que outros países procedem, de maneira soberana, exclusivamente no interior dos seus territórios.»

As acusações de Kiev e da NATO pronunciadas a propósito de supostas intenções agressivas de Moscovo são entre outras coisas, e como é fácil de perceber, cortinas de fumo para tentar resolver militarmente a guerra contra o Donbass e para o reforço cada vez mais intenso do massivo dispositivo da Aliança Atlântica ameaçando a Rússia.

Um regime de miséria

Entre 2013 e 2021 a Ucrânia transformou-se, como um todo, numa das maiores bases militares da NATO. Os armamentos e as capacidades militares presentes no país são absolutamente desproporcionadas e insultuosas em relação às grandes necessidades da esmagadora maioria da população, cada vez mais desprovida de condições essenciais de vida e até de sobrevivência.

O sistema autocrático e castrense instituído em Kiev pela administração colonial de Washington e Bruxelas, em nome «da democracia» e da «ameaça russa», é um regime de autêntica miséria, com estratos sociais reduzidos a uma penúria degradante. A «libertação» consumada a partir da «revolução colorida» de Maidan, que rapidamente se tornou sangrenta através da acção das tropas de choque nazis, conduziu a Ucrânia à cauda da Europa em matéria de condições sociais, económicas e humanas.

Através de dados recolhidos em fontes como o FMI, o Banco Mundial, o serviço oficial de estatísticas de Kiev e o Banco Central da Ucrânia é possível perceber o estado dramático do país, um cenário inversamente proporcional à riqueza das suas aptidões militares.

De 2013 até 2020, a população da Ucrânia reduziu-se de 45,5 milhões de pessoas para 30,1 milhões – ou mesmo para 28 milhões, segundo fontes diferenciadas.

Dessa redução de 15 milhões na população, cerca de 10 milhões deixaram o país em busca de melhores condições de vida em países da União Europeia e na Rússia. Grande parte dessas pessoas adquiriram já as nacionalidades dos países de acolhimento e chamaram as respectivas famílias. Deixaram, em grande parte, de contribuir para a economia ucraniana.

Os restantes cinco milhões de pessoas a menos traduzem o aumento de mortalidade em relação aos valores médios registados até 2013.

«A "libertação" consumada a partir da "revolução colorida" de Maidan, que rapidamente se tornou sangrenta através da acção das tropas de choque nazis, conduziu a Ucrânia à cauda da Europa em matéria de condições sociais, económicas e humanas.»

Segundo elementos fornecidos pelo FMI e pelo Banco Mundial, o Produto Interno Bruto (PIB) ucraniano desceu de 183 300 milhões de dólares em 2013 para 155 500 milhões em 2020, ou seja uma queda da ordem dos 15% desde a instauração «da democracia» por Washington e a UE.

O rendimento médio per capita caiu em média de 4030 dólares em 2013 para 3725 dólares em 2020 – 310 dólares por mês (menos de 300 euros). No entanto, a grande maioria da população, cerca de 70%, tem um rendimento mensal de 210 a 215 dólares, isto é, mais ou menos 200 euros. Naturalmente o poder de compra baixou cerca de 20%. Os preços da alimentação e dos medicamentos são os mais elevados em comparação com os dos países vizinhos.

Dados oficiais revelam ainda que um terço da população, 10 milhões de pessoas, sofre de subnutrição; e dois milhões passam fome num país onde as desigualdades continuam a crescer, como é próprio das ditaduras neoliberais.

A indústria ucraniana colapsou 25% e a dependência energética em combustíveis fósseis e electricidade continua a aumentar, sobretudo em relação à Rússia, país com o qual a Ucrânia se diz «em guerra», e à Bielorrússia, país contra o qual funciona como plataforma de conspiração e actividades subversivas.

Apesar de a Ucrânia se ter transformado num paraíso neoliberal, nem sequer se consegue afirmar como um farol para o investimento estrangeiro, antes pelo contrário: esse valor desceu de 5600 milhões de dólares em 2013 para 800 milhões de dólares em 2020, isto é, sete vezes menos do que antes do golpe.

Neste quadro verdadeiramente trágico, a publicação anual Doing Business do Banco Mundial conseguiu encontrar em 2020 um rating de «sucesso» para a Ucrânia. O resultado foi tão pouco convincente que o próprio Banco Mundial veio a considerá-lo depois como «distorcido», levantando assim suspeitas de que terá sido fabricado graças a incentivos financeiros irregulares. O regime ucraniano, de tão protegido pelos seus gestores internacionais, consegue até exportar corrupção, revelando grandes aptidões na matéria.

Entre a riqueza armamentista e a miséria social, este país a funcionar como base militar da NATO, mesmo sem pertencer formalmente à organização, transformou-se num rastilho de guerra, talvez o mais inquietante, susceptível de incendiar a Europa e o mundo.

Basta uma faúlha. E a NATO, com a colaboração prestimosa da União Europeia, parece andar à procura da maneira de a atear. Condições e marionetas não faltam na Ucrânia.

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Para que conste, embora o assunto seja omisso nos noticiários da «invasão russa», os países da NATO, nos quais se inclui Portugal, são aliados dos nazis «banderistas». Designação que deriva de Stepan Bandera, terrorista ucraniano que defendeu – e praticou – o extermínio de polacos, russos, e judeus, cujas ideias inspiraram muitos colaboradores dos nazis, como os que se alistaram na Legião Ucraniana e no batalhão Galícia, este um corpo das tropas de choque de Hitler (as famigeradas SS) que chacinou dezenas de milhares de soviéticos (russos e ucranianos), judeus e jugoslavos – e que agora é considerado «herói nacional» pelo regime de Kiev. As hordas ucranianas que lançaram a guerra civil contra o Leste a seguir ao golpe de 2014 executado com apoio dos Estados Unidos (sob controlo directo do então vice-presidente de Obama, Joseph Biden) e da União Europeia não são «neonazis», ao contrário do que se diz: são mesmo nazis da velha guarda, hitlerianos puros e duros, que têm feito de Kiev a Meca do nazi-fascismo europeu e americano.

Uma das suas proezas, significativamente silenciada em todo o Ocidente civilizado e defensor feroz dos direitos humanos, é o massacre na Casa dos Sindicatos de Odessa, em 2 de Maio de 2014. No seguimento de confrontos provocados por grupos de nazis contra manifestantes que protestavam contra o golpe de Estado na Ucrânia, mais de 400 pessoas tiveram de refugiar-se nessas instalações, a que os bandos ao serviço de Kiev pegaram fogo, sem deixarem os bombeiros intervir ou os sitiados escapar. Quarenta mortos e centenas de feridos foi o saldo da chacina, veiculada por meios de comunicação e governos ocidentais como tendo sido causada pelas próprias vítimas.

Guerra pública e privada

O exército ucraniano e a Guarda Nacional nazi têm vindo a ser reforçados gradualmente com outros meios, o principal dos quais resulta da aliança da CIA com o criminoso de guerra Eric Prince, norte-americano proprietário da organização de mercenários Academi/Blackwater. O projecto, divulgado recentemente pela insuspeita revista Newsweek, prevê um investimento de 10 mil milhões de dólares para a criação de um exército privado na Ucrânia em conjunto com a empresa britânica Lancaster 6 (que gere grupos de mercenários no Médio Oriente e em África); e a instalação do maior escritório de espionagem em Kiev, o qual, embora privado, será gerido pela CIA. Este dispositivo de guerra privada, segundo as mesmas fontes, usará a Ucrânia como base para operações secretas através da Europa, Rússia e outras regiões.

A Academi/Blackwater tornou-se mais conhecida depois de divulgados os episódios de tortura, assassínios em massa ou selectivos e sevícias sexuais cometidos no Iraque sob cobertura dos invasores ocidentais. O Pentágono e as instituições de espionagem norte-americanas recorrem às empresas de mercenários para realizarem actos que lhes são formalmente proibidos, sobretudo tortura e execuções extrajudiciais.

O dispositivo de guerra ao serviço do regime de Kiev tem vindo a ser reforçado constantemente e pode considerar-se uma ameaça arrasadora para as populações ucranianas da região Leste do país que, à luz dos Acordos de Minsk, têm direito a uma autonomia a estabelecer segundo leis ucranianas.

Kiev diz que não concorda com um único artigo dos Acordos de Minsk – mas assinou-os juntamente com os representantes das populações do Leste sob testemunho da Rússia, da França e da Alemanha1. A propósito dessa posição do regime ucraniano, o presidente russo disse ao seu homólogo francês, Emmanuel Macron, durante a recente visita ao Kremlin, que Kiev «goste ou não dos acordos, tenha paciência pois vai ter de os cumprir».

Enquanto Kiev amplia as proporções do dispositivo militar ameaçando o Donbass, a Rússia informou que está a retirar tropas da Crimeia e outras zonas fronteiriças com a Ucrânia uma vez concluídos, na data prevista, os exercícios militares que aí decorriam.

Realidades paralelas

A NATO, porém, nega esse facto e o secretário-geral Stoltenberg, em transição para o cargo de governador do banco central da Noruega, diz mesmo que a Rússia tem agora um dispositivo mais alargado. Provas? Não são necessárias. Um douto analista da CNN neste burgo explica: «há sempre uma grande diferença entre o que Putin diz e a realidade». Nem mais. Todos sabemos que, pelo contrário, Biden e a realidade estão sempre sintonizados, até na definição do calendário da «invasão russa».

Na verdade, percebe-se que é preciso manter a porta da «invasão» aberta para que a estratégia de guerra não morra de inanição.

«Um douto analista da CNN neste burgo explica: «há sempre uma grande diferença entre o que Putin diz e a realidade». Nem mais. Todos sabemos que, pelo contrário, Biden e a realidade estão sempre sintonizados, até na definição do calendário da “invasão russa”»

Terá faltado, até agora, a provocação, a faúlha que incendeie o rastilho capaz de fazer a parte russa repensar e tomar uma atitude diferente da que tem mantido perante o jogo perigoso praticado por Estados Unidos, NATO e União Europeia. As chamadas operações de «falsa bandeira» são uma especialidade norte-americana já desde finais do século XIX. A insistência na marcação de datas para a «invasão russa» pode ter a ver com a montagem de uma operação em que uma provocação súbita altere completamente os dados no terreno. Kiev lançou recentemente um drone sobre as regiões Leste – por sinal exibindo nas asas os símbolos da força aérea de Hitler – mas os militares das não reconhecidas repúblicas de Lugansk e Donetsk lidaram bem com o problema e abateram o aparelho.

No entanto, tudo pode mudar de um momento para o outro. Há várias semanas que o ministro russo da Defesa, Serguei Shoigu, advertiu que «empresas norte-americanas de âmbito militar estão a preparar uma provocação com o uso de produtos químicos desconhecidos». A ideia até nem é original: tem sido posta em prática na Síria pelos «Coletes Brancos», um ramo do terrorismo jihadista apoiado pela CIA.

Para já, a guerra com data marcada pelos senhores das guerras passou sem um tiro.

Biden, porém, tenderá a procurar uma saída para a estratégia onde se meteu e que tem como objectivos, entre outros, que se esqueça a proposta de segurança colectiva apresentada em 17 de Dezembro pela Rússia; e acabar com o «poder tirânico» de Moscovo sobre o abastecimento de combustíveis fósseis à Europa, se for necessário destruindo à bomba o gasoduto Nord Stream 2 entre a Rússia e a Alemanha.

«O presidente norte-americano pode sempre cantar vitória na «crise» ao dizer que os russos foram obrigados a recuar perante as falas grossas e as posturas ameaçadoras da NATO – como os papagaios de turno já ensaiam no seu palavreado»

O presidente norte-americano pode sempre cantar vitória na «crise» ao dizer que os russos foram obrigados a recuar perante as falas grossas e as posturas ameaçadoras da NATO – como os papagaios de turno já ensaiam no seu palavreado. No entanto, este não era o plano A do actual chefe do império; ele queria e quer a guerra, com ou sem data marcada: por isso não aceita ouvir falar numa Europa indivisivelmente segura, sem que a segurança de um país ameace a de qualquer outro; ou numa Europa livre de armas de destruição massiva. Por isso aposta na guerra e no terrorismo, militar e da propaganda, para tentar construir a sua «paz», que é a de povos permanentemente aterrorizados e domesticados pela iminência de conflitos armados, seja hoje, amanhã ou quando Biden mandar e os seus cães de fila, públicos ou privados, de chefes de governo a mercenários, obedecerem. Construir a «paz» através da guerra – eis a chave da «crise» na Ucrânia e também no Afeganistão, Síria, Iémen, Iraque, Somália, Sahel, Líbia, Taiwan, Irão, tudo bons exemplos de quão pacíficos são o império e a NATO como seu instrumento de expansão e terror.

Evasão em vez de invasão

Bem, pelo menos, segundo o que é possível averiguar, na Ucrânia, até ao momento, não houve uma invasão mas sim uma evasão. Uma fuga de diplomatas e cidadãos estrangeiros actuando na Ucrânia, ordenada por Biden e seus súbditos fiéis para reforçar o clima de pânico e histeria decorrente de uma agressão militar que não há meio de acontecer.

Os factos revelam que foram muitas as pessoas que não obedeceram nem estão dispostas a isso. O jornal sueco de grande circulação Aftonbladet cita o caso de um empresário de Estocolmo proprietário de uma empresa de tecnologia em Kiev segundo o qual não há razões para abandonar esta cidade porque a vida decorre normalmente e os únicos russos que vê são os cidadãos ucranianos com essa origem que integram o quadro de pessoal do seu empreendimento bem-sucedido. O mesmo imigrante na capital ucraniana sublinhou que estes factos recentes associados à «crise» lhe permitem concluir que a diferença entre o ambiente em que se vive e o criado pela comunicação social é abissal, como se os jornais e televisões fabricassem uma realidade paralela.

O próprio presidente ucraniano, Volodymir Zelensky, chegou a dizer mais ou menos o mesmo fazendo apelo aos tutores estrangeiros para não alimentarem o pânico no seu país, onde a vida decorre com normalidade e não há qualquer invasão russa à vista.

Zelensky foi rapidamente chamado à ordem, como se percebe através da sua mais recente performance: fazendo coro com Biden, afirmou-se «convicto» de que a invasão russa começaria no passado dia 16.

União Europeia, triste colónia

Quem tem dado provas de uma exaltante unidade e de arrepiante coerência é a União Europeia.

Depois da caótica reunião de ministros de Negócios Estrangeiros titulada presencialmente pelo secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, e à distância pelo próprio presidente Biden, os actuais maquinistas do «eixo-franco-alemão», Macron e Scholz, foram separadamente a Moscovo cuidar da solução «pacífica» para a «crise ucraniana». Regressaram de mãos a abanar. Em primeiro lugar, não representavam sequer uma União Europeia, desfeita em frangalhos, nem tinham qualquer mandato do presidente dos Estados Unidos, pelo que o presidente Putin não lhes encontrou capacidades e poder de decisão para tentar solucionar um problema criado pelo próprio Ocidente. Além disso, não acrescentaram nada de novo em termos de propostas e, sobretudo, não deram qualquer resposta à proposta russa de tratado de segurança colectiva. Provavelmente por não quererem e, sobretudo, por não poderem, apesar das credenciais que pretenderam exibir e que apenas lhes permitem ameaçar a Rússia com «sanções infernais». Dizer que «a NATO está em morte cerebral», como fez Macron há algumas semanas, não é coisa que convença Putin numa Rússia com mísseis nucleares apontados e cercada por centenas de milhares de tropas estrangeiras, centenas de tanques, caças de última geração, navios de guerra e submarinos atómicos.

«Macron e Scholz, foram separadamente a Moscovo cuidar da solução «pacífica» para a «crise ucraniana». Regressaram de mãos a abanar. Em primeiro lugar, não representavam sequer uma União Europeia, desfeita em frangalhos, nem tinham qualquer mandato do presidente dos Estados Unidos, pelo que o presidente Putin não lhes encontrou capacidades e poder de decisão para tentar solucionar um problema criado pelo próprio Ocidente»

A missão de Olaf Scholz foi talvez ainda mais penosa que a de Macron. Chegou a Moscovo depois de ter sido humilhado em Washington pelo presidente Biden, mesmo estando este diminuído nas suas faculdades, como já é impossível disfarçar. O chanceler Scholz permaneceu mudo e quedo enquanto o anfitrião da Casa Branca lhe garantia que, em caso de invasão russa, o gasoduto Nord Stream 2 tem os dias contados e para garantir que isso aconteça os Estados Unidos recorrerão a «todos os meios». Ora conhecemos bem o significado da expressão «todos os meios» pronunciada pelo presidente dos Estados Unidos.

Biden não se deu sequer ao trabalho de enumerar alternativas de abastecimento energético à Europa, que já vive uma crise no sector mesmo sem guerra, sabendo-se que os Estados Unidos estão ansiosos por fornecerem o seu gás de xisto – o mais poluente de todos – a preços que multiplicam várias vezes os do gás russo. Mais um bom negócio para a União Europeia, sobre cujos povos recairá o grosso das consequências quando os seus dirigentes eleitos e não-eleitos impuserem a Moscovo as tais sanções ordenadas por Washington e que, tudo o indica, serão concretizadas de qualquer maneira, sob qualquer outro pretexto ainda que não haja guerra.

Quanto aos efeitos de um castigo desse tipo a Moscovo registe-se aqui a frase do embaixador da Rússia em Estocolmo numa resposta ao mesmo jornal sueco Aftonbladet: «Estamo-nos nas tintas para as vossas sanções». Dizem especialistas em russo que «nas tintas» é uma versão polida das palavras do diplomata, que são mais de índole fisiológica.

Diga-se também que Biden foi ingrato para com a subserviência de Scholz, como se a este não bastassem as dores de cabeça a que é sujeito, na sua coligação, pela chefe «verde» Annalena Baerbock, transformada em ministra dos Negócios Estrangeiros e que parece deixar a figura do seu antecessor Oskar Fischer – um dos carrascos da Jugoslávia, para quem não se recorda – a perder de vista em matéria de truculência, manobrismo e autoritarismo. Assim vão os «verdes» federalistas na era do neoliberalismo.

«A “crise ucraniana” revelou, preto no branco, que a União Europeia está nas ruas da amargura. O chefe da “política externa” da União, Josep Borrell, desapareceu do mapa durante estas semanas, não fez parte da romaria a Moscovo e foi visto pela última vez na linha da frente contra o Donbass, ao lado dos mercenários da Blackwater/Academi e dos nazis do batalhão Azov»

Segundo o que noticiou a cadeia norte-americana NBC, e com as devidas reservas, Biden terá dito do actual chanceler alemão «que ele não é Angela Merkel». E de Macron «que ele quer ser De Gaulle». O que nos Estados Unidos não é propriamente um elogio pois sabe-se que a CIA, através da Organização do Exército Secreto (OAS), tentou assassinar o general e presidente francês pelo menos sessenta vezes porque este, em gesto que seria hoje uma traição inconcebível, expulsou de Paris a sede da NATO e retirou a França da estrutura militar da aliança.

A «crise ucraniana» revelou, preto no branco, que a União Europeia está nas ruas da amargura. O chefe da «política externa» da União, Josep Borrell, desapareceu do mapa durante estas semanas, não fez parte da romaria a Moscovo e foi visto pela última vez na linha da frente contra o Donbass, ao lado dos mercenários da Blackwater/Academi e dos nazis do batalhão Azov. Gente recomendável a quem apresentar credenciais.

Pelo que a União Europeia assume-se cada vez mais como aquilo para que nasceu: ser uma dócil colónia dos Estados Unidos, obedecendo nesse quadro a Washington e às estruturas da NATO. Mesmo que isso custe os olhos da cara aos povos europeus.

Acresce que o processo expõe ainda a hipocrisia, a falsidade e a submissão a elites económicas e financeiras da estratégia de «economia verde» e de «sustentabilidade» ambiental da União Europeia. Afinal a «transição energética» é uma patranha, uma história de encantar para audiências hipnotizadas, sólida e nova muleta para uma publicidade irresponsável e enganadora, quase tanto como as castas políticas dominantes nos 27.

Afinal os combustíveis fósseis estão – alguém o duvida? – no centro desta como de outras crises. A União não pode viver sem importações massivas de petróleo e gás natural; empresas europeias concorrem com outras de todo o mundo por novas fontes de petróleo e gás, rapinam sem dó as riquezas de outros países transformados em terra queimada para esse efeito: Iraque, Líbia, Síria, o próprio Iémen. E esquadrinham os mares, por exemplo o Mediterrâneo, em autênticas guerras por antigos, novos e prováveis campos petrolíferos e de gás natural. Não o fazem por desporto ou para deitar dinheiro fora: o petróleo e o gás natural são para usar enquanto existirem.

A corrida às fontes energéticas poluentes, aos fornecimentos de petróleo e gás estão no centro de estratégias militares e políticas em todo o mundo. O «verde» pode esperar, entretêm-se e «educam-se» as massas recorrendo à propaganda supostamente ecológica para sossegá-las e anestesiá-las com promessas sobre metas de contenção da subida das temperaturas globais para não serem cumpridas. Uma propaganda fácil e elementar para quem é tão eficaz em propaganda de guerra. Entretanto as alterações climáticas cavalgam, os gelos dos polos fundem-se, os mares sobem de nível, grandes tempestades atingem frequências, dimensões e capacidades destruidoras invulgares. Também o verdadeiro combate às alterações climáticas pode esperar.

Entre o ridículo e a morte

A NATO, entretanto, mantém a prontidão e aumenta a presença e a frequência de jogos de guerra no Leste da Europa. A «crise da Ucrânia», enquanto for alimentada, servirá sempre de pretexto para conservar o ambiente de terror e manter aberta a porta do insaciável expansionismo atlantista.

Será necessário, por outro lado, proporcionar condições para que Biden e os seus comparsas saiam do imbróglio da «invasão iminente» em que se meteram, tentando salvar a face. A fuga para a frente com o objectivo de apressar a inclusão da Ucrânia na NATO exige agora ou uma invasão propriamente dita ou um recuo arrogante assegurando uma «vitória» baseada no mito de que foi possível fazer «debandar os russos». Porém, o secretário geral atlantista, Jens Stoltenberg, garante que não existem retiradas de tropas russas das manobras que estavam a ser executadas junto à fronteira. Por este andar, segundo a NATO, alguns países estão proibidos de defender militarmente as suas fronteiras mesmo que estejam cercados pelo mais hegemónico exército do mundo.

«A fuga para a frente com o objectivo de apressar a inclusão da Ucrânia na NATO exige agora ou uma invasão propriamente dita ou um recuo arrogante assegurando uma “vitória” baseada no mito de que foi possível fazer “debandar os russos”»

E porque salvar a face será uma tarefa desprestigiante em caso de recuo atlantista, o discurso da invasão vai manter-se e as acções para provocá-la continuarão latentes. Os mais recentes episódios de troca de tiros na linha divisória entre o regime de Kiev e o Donbass revelam o empenho da aliança militar ocidental em manter a tensão a alto nível, tornando as condições mais propícias para uma provocação incendiária. A fixação de datas de invasão pode ser até uma manobra de diversão.

Desconhece-se a panóplia das hipóteses de resposta a adoptar por Moscovo no caso de uma provocação eficaz, embora haja a noção, acompanhando a propaganda de guerra, de que as «sanções infernais» ocidentais serão para impôr sejam quais forem as circunstâncias. A questão será encontrar o pretexto, mas isso não tem sido problema para os Estados Unidos e a NATO – recordemo-nos do discurso de Collin Powell em 2003 na ONU sobre as armas de destruição massiva do Iraque que nunca chegaram a aparecer.

A porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, ironizou a situação e deixou claro mais uma vez que Moscovo não tem planos para intervir militarmente na Ucrânia ao convidar os Estados Unidos e a NATO a divulgarem de uma vez o «calendário das invasões russas» porque ela tem «de marcar férias antecipadamente».

Em boa verdade, o comportamento burlesco do Ocidente – ou melhor, da sua casta dirigente político-militar – está mesmo a pedir comentários deste estilo.

Mas o assunto é sério. Ameaçadas pela irresponsabilidade militarista ao serviço de interesses que pretendem governar o mundo sem entraves – tal é o alcance da estratégia globalista unipolar ainda dominante – estão muitos milhões de vidas humanas. Os senhores da guerra e a propaganda ao seu serviço – ilegal nos termos do direito internacional – passam por cima dessa potencial tragédia de proporções imprevisíveis e parecem num caminho sem retorno, apesar do clima de nonsense que envolve certas situações, como a «crise ucraniana».

Trata-se, porém, de gente e interesses sem limites, que não se incomodam com o ridículo e a disseminação de mentiras desde que consigam manter as pessoas sob a pressão terrorista e possam fazer guerras sempre que seja necessário construir «a paz». Exemplos há muitos.

José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

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