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|Ucrânia

O gangsterismo como geopolítica

A Ucrânia é uma espécie de última fronteira da cavalgada imperial da NATO, do combate entre a eternização do unilateralismo e o estabelecimento gradual do multilateralismo nas relações internacionais.

«Últimas: Rússia invade a Ucrânia». O título esteve na primeira página da agência de notícias norte-americana Bloomberg, a 4 de Fevereiro de 2022. Foi depois retirado da página e a agência apresentou um pedido de desculpas aos leitores
«Últimas: Rússia invade a Ucrânia». O título esteve na primeira página da agência de notícias norte-americana Bloomberg, a 4 de Fevereiro de 2022. Foi depois retirado da página e a agência apresentou um pedido de desculpas aos leitoresCréditos / Anadolu

No passado dia 4 de Fevereiro, às 4 da tarde, a circunspecta agência de notícias norte-americana Bloomberg informou o seguinte, com o maior destaque, na sua página principal online: «Em directo: a Rússia invadiu a Ucrânia.» O título dando conta desta verdadeira bomba tão desejada em Washington a Bruxelas esteve no ar durante meia hora, até que foi retirado. Tratava-se, afinal, como explicou um porta-voz da empresa considerada acima de qualquer suspeita, de um «engano» porque uma das notícias elaboradas por antecipação, e prontas a disparar a qualquer momento, entrou inadvertidamente no circuito. Para a Bloomberg, e sabe-se lá quantos meios de comunicação através deste mundo, a notícia da invasão russa da Ucrânia é tão garantida que está escrita antecipadamente. E um «engano» têm-no até os mais pintados, não é verdade?

O episódio faz lembrar um outro ocorrido num jornal português já extinto no qual um renomado jornalista relatou minuciosamente uma reunião do Conselho da Revolução que afinal não se realizou. Explicação: é verdade, não aconteceu mas se tivesse havido reunião passar-se-ia exactamente assim.

«CITAÇÃO: “Em directo: a Rússia invadiu a Ucrânia.” O título dando conta desta verdadeira bomba tão desejada em Washington a Bruxelas esteve no ar durante meia hora, até que foi retirado»

Voltando à Ucrânia, não foi apenas a Bloomberg a deixar escapar um desejo afinal incontido. Neste pequeno recanto rastejando atrás de Washington e vergastando-se com o cilício sempre que a União Europeia o exige, uma «âncora» da SIC Notícias, emissora que é filha da rede de manipulação conhecida como Grupo Empresarial Bilderberg, perguntou ao enviado ou correspondente em Kiev: «Já sabes quando começa a guerra?»

Assim estamos… E Vladimir Putin que não lhes faz a vontade, insistindo nessa tecla chata da «saída diplomática» para a «crise», que afinal não se sabe muito bem o que é nem como começou. Talvez tenha sido porque a Rússia faz grandes movimentações de tropas junto à fronteira com a Ucrânia – ao que consta não é assim tão perto – por sinal enquanto a NATO, mobilizando enormes contingentes de fronteiras distantes, faz jogos de guerra todos os dias, do Mediterrâneo aos mares Negro e Báltico, não para ameaçar a Rússia, por certo, mas apenas para gastar uns milhões e municiar os cofres do império empresarial da guerra, a viver um período de abundância jamais sentido.

Por insólito que seja, algumas das mais importantes autoridades do regime plantado por Washington e Bruxelas em Kiev, desde o presidente ao chefe de espionagem e defesa, tentam pôr água na fervura e no fervor ocidental dizendo que a situação não tem nada de novo, a tensão entre os dois países existe desde a «revolução da Praça Maidan» em 2014 e, segundo as informações de que dispõem, nada indica que os russos estejam a aprontar-se para fazer qualquer acto militar hostil.

Para que conste, a União Europeia tem exactamente os mesmos relatórios de inteligência, mas não reage em conformidade. Aos seus dirigentes e respectivos ecos mediáticos parece não convir dizer que, afinal, a Rússia não está pronta para lhes fazer a vontade.

«De Washington, porém, surge o grito alarmado e alarmante do presidente Joseph Biden: “Kiev será saqueada!”. E Zelensky contrapõe: não é bem assim, não temos sinais disso»

O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, queixa-se de que a disseminação da instabilidade «e do nervosismo» no país «não é boa para os negócios e para o investimento estrangeiro». E Alexei Danilov, chefe do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, não enxerga qualquer «prontidão das tropas russas para uma invasão».

O ministro da Defesa da Ucrânia, Oleksii Reznikov, está sintonizado com estas declarações e, conforme testemunha, «posso dizer absolutamente que até hoje as forças armadas russas não criaram um grupo de ataque capaz de fazer uma invasão vigorosa da Ucrânia».

De Washington, porém, surge o grito alarmado e alarmante do presidente Joseph Biden: «Kiev será saqueada!». E Zelensky contrapõe: não é bem assim, não temos sinais disso.

O presidente ucraniano foi ainda mais explícito numa conferência de imprensa realizada em fins de Janeiro e que foi qualificada como «um encontro surreal» pela jornalista da BBC Sarah Rainsford, por certo formatada em modo de guerra. Disse Zelensky que «os problemas do seu país vêm mais do Ocidente do que de Leste porque a presença de tropas russas na fronteira não é invulgar, ainda há um ano aconteceu o mesmo». Ainda de acordo com o mesmo alto dirigente, a ameaça real à Ucrânia não é a Rússia «mas a desestabilização no interior do país».

Talvez por essa razão o próprio e fiel servidor Zelensky esteja a perder utilidade nos círculos do poder na capital federal norte-americana onde, segundo o antigo diplomata britânico Alastair Crooke, citando três fontes da administração e do Capitólio, já é considerado «irritante, enfurecedor e completamente contraproducente».

Daqui à substituição do actual presidente ucraniano por ordem dos seus tutores o caminho poderá não ser longo; enquanto no Ocidente corre o vaticínio de que Moscovo dará um golpe em Kiev, previsão ridicularizada na própria capital ucraniana.

Os ucranianos não contam para nada

Uma das características mais notáveis deste processo é o desprezo absoluto manifestado para com os cidadãos da Ucrânia. Como se não lhes bastasse viverem num país em bancarrota, governado por nazis, impedido de contrair empréstimos nos mercados monetários internacionais porque os juros seriam incomportáveis; e também sem gás e dinheiro para o comprar. Um país onde falta quase tudo, excepto armas norte-americanas de restos de colecção que era preciso despachar para algum lado, preferencialmente de maneira a ameaçar a Rússia. E toda a situação decorre do processo de «democratização» iniciado na Praça Maidan há sete anos, que foi o tiro de partida para o saque do país por cliques internas e externas, entre elas a família Biden; e para a entrada em guerra civil uma vez soltados os nazis, que logo se voltaram contra as populações russófonas do Leste. Um conflito entretanto suspenso com a derrota de Kiev e os consequentes Acordos de Minsk – que o regime assinou mas não cumpre, mantendo a pressão terrorista sobre o Leste.

«Estão reunidas, portanto, condições para que uma provocação seja desencadeada de um momento para o outro algures na Ucrânia, quando convier a Washington e provavelmente sem que os aliados europeus sejam informados»

Há mais quem se esqueça dos Acordos de Minsk, por exemplo o chefe da política externa da União Europeia – seja lá o que isso for – Josep Borrell, que em Janeiro se deslocou à linha da frente da guerra civil, do lado onde pontificam os nazis, avalizando assim os seus comportamentos; e que aproveitou a viagem para tornar efectivo o cruel e total bloqueio da União contra a Transnístria, território russófono secessionista da Moldávia.

O desprezo pelos ucranianos nota-se igualmente na ligeireza com que se fala em «guerra» e «invasão», como se o território não fosse habitado e valesse apenas como plataforma da NATO para instalar tropas e mísseis que podem atingir Moscovo em cinco a sete minutos.

No Kremlin, entretanto, diz-se que não existe interesse algum em apoderar-se da Ucrânia, por um lado porque uma guerra iria perturbar o relançamento do país, principalmente a sua ancoragem a Leste em termos de integração regional e convergências com a China, virando as costas ao Ocidente; e, por outro lado, porque não pretende ocupar-se de um território falido e infestado de nazis.

Outro sinal inequívoco da falta de respeito atlantista pelos ucranianos é a infiltração ocidental de agentes provocadores no Leste da Ucrânia, com o objectivo de desencadear acções que reactivem a guerra civil de uma maneira susceptível de forçar a Rússia a algum tipo de intervenção militar. Um soldado da República Popular de Lugansk deu conta da chegada à área de Lisichansk de «grupos subversivos treinados por instrutores britânicos». Existem igualmente provas da infiltração no Leste da Ucrânia de mercenários pertencentes à empresa norte-americana Academi, nova designação da mal-afamada Blackwater, contratada pelo Pentágono e responsável por processos de tortura e assassínios selectivos em territórios invadidos pelos Estados Unidos, designadamente o Iraque.

Estão reunidas, portanto, condições para que uma provocação seja desencadeada de um momento para o outro algures na Ucrânia, quando convier a Washington e provavelmente sem que os aliados europeus sejam informados.

Percebe-se assim que a hipotética entrada da Ucrânia da NATO seja uma linha vermelha para a Rússia e da qual Putin não abdicará, garantindo que tal não acontecerá. Se a NATO insistir em engolir a Ucrânia então essa será a razão para a Rússia reagir, segundo Moscovo através de «medidas técnico-militares» que não especificou mas que, de acordo com o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Alexander Grushko, a NATO conhece muito bem porque «não fazemos segredo das nossas possibilidades e agimos com muita transparência».

Macron e as «sanções infernais»

Da confusão em que está mergulhada a União Europeia a propósito da «crise na Ucrânia», vítima do seguidismo em relação aos Estados Unidos, agravado com a chegada de Biden à Casa Branca, emergiu o presidente francês, Emmanuel Macron, com a sua propagandeada visita a Moscovo e a Kiev.

Só por coincidência poderá associar-se a «mediação» de Macron ao facto de a França ter a presidência semestral da União Europeia. A viagem do presidente francês às duas capitais tem muito mais a ver com a factura a pagar pelos 27 em caso de guerra ou da aplicação das «sanções infernais» que Biden prometeu contra a Rússia; e também com a campanha para as eleições presidenciais de Abril no seu país, apesar de Macron ainda não ser formalmente candidato.

O chefe de Estado francês assumiu a iniciativa depois de uma caótica reunião recente dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27 na qual, para que a família estivesse completa, participaram o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, e o próprio presidente Biden, este por vídeo chamada. A França e a Alemanha deram conta das inquietações sentidas em muitos países da União quanto aos efeitos nefastos resultantes das sanções que os Estados Unidos querem obrigar a Europa a assumir contra a Rússia: temem que sejam mais prejudiciais para o continente do que para Moscovo.

«A visita de Emmanuel Macron a Moscovo e Kiev, realizada à revelia dos Estados Unidos, acabou por ter como consequência a recuperação dos Acordos de Minsk como um instrumento diplomático capaz de permitir uma saída pacífica para a situação»

A propósito recorda-se que o processo de sanções montado pelos Estados Unidos e a União Europeia contra a Rússia em 2015, quando a população da Crimeia votou em massa o regresso, como região autónoma, à Federação Russa, não teve as consequências terríveis que os estrategos ocidentais previram. Os serviços secretos alemães conseguiram mesmo convencer a chanceler Merkel de que as sanções teriam uma eficácia tão contundente que levaria Moscovo a retirar-se da Crimeia e o próprio Vladimir Putin a demitir-se. Um tiro na água.

Agora os receios no interior da União Europeia em relação à estratégia norte-americana, cujas consequências, claro, não serão sentidas nos Estados Unidos, têm a ver com o efeito de boomerang sobre os 27 provocado pelas «sanções infernais» a impor à Rússia no caso de não se comportar na Ucrânia como Washington exige.

O assunto transformou-se mesmo num pesadelo para o secretário de Estado Blinken na recente reunião do Conselho de Segurança da ONU dedicada à «crise na Ucrânia».

À demonstração de que a imposição de sanções à revelia da ONU é uma violação do direito internacional, feita pela China e pela Rússia, juntaram-se os receios da França quanto aos efeitos perversos de tais práticas, de que Macron faz eco no interior da União Europeia.

A resposta de Putin às eventuais «sanções infernais» de Biden pode, de facto, ser arrasadora para uma União Europeia em crise, espelhada principalmente nas questões energéticas. Se a Rússia fechar a torneira do gás, que representa 40% do consumo europeu, os preços da energia disparam ainda mais, agravando a já problemática inflação e podendo degenerar numa nova crise financeira internacional. A Rússia tem mercados para escoar a produção remanescente de gás e outros combustíveis fósseis, devido aos canais abertos através da integração euroasiática; as alternativas de abastecimento europeu, porém, são muito mais caras, sendo que a oposição absoluta dos Estados Unidos ao funcionamento do gasoduto Nord Stream 2 é um factor mais a considerar. Biden não descartou a possibilidade, ao usar a expressão «todos os meios» no que diz respeito ao bloqueio do gasoduto russo-alemão, de bombardear a estrutura – já concluída e que só não funciona devido às hesitações de Berlim e às contradições na coligação governamental.

Além do gás e do petróleo, a Rússia tem outros instrumentos para manobrar em desfavor da União Europeia como resposta às sanções. Por exemplo, a suspensão da exportação de matérias-primas necessárias para o fabrico de fertilizantes para a agricultura poderá ter como consequência o aumento dos preços de produtos alimentares. Acresce ainda que a Rússia é, actualmente, o maior exportador mundial de cereais.

Ao invés, uma das sanções mais agitadas pelos Estados Unidos, a expulsão da Rússia do sistema internacional de compensações financeiras SWIFT, tem um alcance limitado porque Moscovo e Pequim criaram sistemas próprios, CIPS e SPFS, que dispensam em 70% a utilização do dólar norte-americano. Além disso, a Reserva Federal norte-americana, o banco central dos Estados Unidos, considerou a expulsão da Rússia do SWIFT «uma ideia totalmente errada».

O caso da «crise ucraniana» explica como o recurso ao gangsterismo geopolítico é cada vez mais uma arma dos Estados Unidos para impor a continuação do unilateralismo contra o multilateralismo, que ganha terreno como ainda há dias se percebeu na cimeira entre Vladimir Putin e o presidente chinês Xi-Jinping.

A visita de Emmanuel Macron a Moscovo e Kiev, realizada à revelia dos Estados Unidos, acabou por ter como consequência a recuperação dos Acordos de Minsk como um instrumento diplomático capaz de permitir uma saída pacífica para a situação, apesar de ser boicotado por Kiev e Washington. Segundo Macron, o respeito pelos Acordos de Minsk é a garantia de que a Rússia não irá invadir a Ucrânia.

Onde entra o direito internacional

Os Acordos de Minsk, de 2015, foram assinados pelo governo da Ucrânia e pelos representantes das regiões do Leste do país, garantidos sob tutela da Rússia, da França e da Alemanha. Prevêem o fim dos confrontos armados entre as duas partes ucranianas e a concessão de uma autonomia à região do Donbass, de maioria russófona, estabelecida segundo as leis ucranianas – que poderão ter de ser adaptadas para dar forma ao sistema autonómico.

Estes acordos passaram, entretanto, a integrar o direito internacional porque foram garantidos em 2015 pela resolução 2022 do Conselho de Segurança da ONU, com voto favorável inclusive dos Estados Unidos.

«Os Acordos de Minsk, de 2015, foram assinados pelo governo da Ucrânia e pelos representantes das regiões do Leste do país, garantidos sob tutela da Rússia, da França e da Alemanha. Prevêem o fim dos confrontos armados entre as duas partes ucranianas e a concessão de uma autonomia à região do Donbass»

Outra das frentes diplomáticas invocadas frequentemente pela Rússia é o respeito pelo princípio da «indivisibilidade da segurança», que «os colegas ocidentais não apenas ignoram mas do qual se esqueceram completamente», segundo o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov.

O princípio em causa foi estabelecido nas reuniões de Istambul (1999) e Astana (2010) da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Estabelece que qualquer país tem liberdade de escolha das alianças, desde que a decisão não ponha em causa a segurança de outro país.

A integração da Ucrânia na NATO é, por razões óbvias, uma ameaça à segurança da Rússia e violaria o princípio da «indivisibilidade da segurança».

O respeito por esta norma da OSCE, organização a que a Rússia pertence juntamente com os países ocidentais, é considerado fundamental por Moscovo para se encontrar uma solução diplomática da questão ucraniana.

A definição da posição individual de cada país da União Europeia e da NATO perante este princípio foi solicitada por Moscovo em carta assinada por Lavrov. O respeito pela «indivisibilidade da segurança» é, como se percebe, absolutamente contrário à defesa da entrada da Ucrânia, da Geórgia, da Bielorrússia na NATO, pelo que os países ocidentais são confrontados com uma contradição de fundo em termos de direito internacional. É difícil entender as razões pelas quais a segurança da Ucrânia ou da Geórgia é mais importante do que a segurança da Rússia, como resulta das posições da NATO.

Ignoram-se publicamente os conteúdos das respostas à carta de Lavrov, se as houve. Em Portugal, o ministro Santos Silva, que mais parece um eco do Departamento de Estado, prometeu que iria responder, certamente depois de perguntar aos seus parceiros o que deveria escrever. Seja como for, ele distingue-se por pretender falar grosso, mas os efeitos do que diz são irremediavelmente fininhos e inócuos na arena internacional. Responder ou não responder é mais ou menos a mesma coisa do que, por exemplo, ter ficado em silêncio perante o golpe fascista na Bolívia em 2019 ou ser um apoiante do terrorista Guaidó e cúmplice das atrocidades e dos congelamentos de bens praticados pelos Estados Unidos contra a Venezuela.

Quanto vale a palavra dada?

Em boa verdade, nada disto estaria a ser discutido e provavelmente não haveria «crise na Ucrânia» se os Estados Unidos e aliados cumprissem a palavra dada nos idos de 1990, conforme consta de vária documentação tornada pública.

A muito pouco tempo da dissolução da União Soviética e três meses depois da queda do muro de Berlim, em 9 de Fevereiro de 1990, o secretário de Estado da administração Clinton, James Baker, disse ao presidente soviético, Mikhail Gorbatchov, que «a NATO não se moverá uma polegada para Leste» em relação às posições então vigentes.

«A NATO não perdeu o apetite voraz no seu avanço sempre «defensivo»; mas agora, com evidente nostalgia dos bons tempos de Ieltsin, depara-se com uma realidade que não se lhe verga e continua a fazer do direito internacional a sua cartilha, por muito que a propaganda que sequestrou o direito de informar se desdobre para tentar fazer crer o contrário»

Segundo o Arquivo do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, essa garantia foi pronunciada não uma mas três vezes. Ainda de acordo com as mesmas fontes, Baker concordou com Gorbatchov em que a «expansão da NATO para Leste é inaceitável». E o mesmo secretário de Estado acrescentou: «Nem eu nem o presidente pretendemos extrair vantagens unilaterais do processo que está a decorrer. Não apenas para a União Soviética mas também para outros países europeus é importante ter a garantia de que, se os Estados Unidos mantiverem a sua presença na Alemanha dentro da estrutura da NATO, nem uma polegada da actual jurisdição da NATO se alargará em direcção a Leste».

Mais ou menos o mesmo disseram, imagine-se, a Embaixada dos Estados Unidos em Bona, o chanceler alemão Helmut Kohl – «a NATO não deve expandir a sua esfera de actividade» – e a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher – «devemos encontrar maneira de dar à União Soviética a confiança de que a sua segurança será garantida».

Palavras levou-as o vento; à honra e dignidade dos Estados membros da NATO também. Se assim não fosse que seria do gangsterismo geopolítico?

Pouco depois deu-se a extinção e desagregação da União Soviética, começou a destruição catastrófica da Jugoslávia e a Alemanha Federal fez um takeover sobre a RDA. Desde 1997 não foi só «uma polegada» que a NATO se expandiu: engoliu 14 países, sem contar com a RDA.

Entretanto os Estados Unidos e os países ocidentais colocaram o alcoólico e boneco da CIA Boris Ieltsin à frente da Rússia, facilitando a pilhagem dos bens do que fora a União Soviética pelas grandes empresas transnacionais e as máfias de oligarcas russos a elas ligadas.

A Rússia foi humilhada e deixada exangue. O Ocidente, porém, cometeu um erro fatal ao menosprezar o nacionalismo russo, partindo do princípio de que a extinção da União Soviética representaria o desaparecimento da Rússia como realidade histórica, económica e estratégica nas relações internacionais.

A NATO não perdeu o apetite voraz no seu avanço sempre «defensivo»; mas agora, com evidente nostalgia dos bons tempos de Ieltsin, depara-se com uma realidade que não se lhe verga e continua a fazer do direito internacional a sua cartilha, por muito que a propaganda que sequestrou o direito de informar se desdobre para tentar fazer crer o contrário.

«A política do Ocidente é minar a estrutura das relações internacionais baseada na Carta da ONU para a substituir pela sua lei internacional baseada em regras», definiu o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov.

Regras naturalmente estabelecidas pelos Estados Unidos para vigorar em todo o mundo, tal como o Consenso de Washington que em 1989 instaurou a ditadura económica neoliberal com vocação globalista e absolutamente unipolar.

A Ucrânia é uma espécie de última fronteira da cavalgada imperial da NATO, do combate entre a eternização do unilateralismo e o estabelecimento gradual do multilateralismo nas relações internacionais.

A evolução dos acontecimentos permite perceber que a Rússia não está pronta a invadir a Ucrânia – por muito que Washington e Bruxelas o desejem – mas também não está disposta a permitir que hordas militares transnacionais acampem à sua porta e armas de destruição massiva sejam aí instaladas e fiquem com Moscovo à vista.

Não estamos perante questões ideológicas; o que está em causa é, tão só, o respeito pelo direito internacional de modo a que não seja substituído por regras arbitrárias estabelecidas por gangsters incapazes de tolerar qualquer concorrência no mundo.

E a relação de forças talvez não seja assim tão favorável ao eixo Washington-Bruxelas. Caso contrário, a propaganda global não precisava de gritar tanto as suas mensagens manipuladas, chegando até a tomar os desejos por realidade noticiando o que não aconteceu.

José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

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