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|Brexit

O Brexit e a engrenagem autocrática da UE

Sobre o Brexit fala-se e escreve-se muito, diz-se pouco e o essencial, como norma, fica escondido. E o essencial é o tratamento exemplar que os eurocratas pretendem dar ao processo de saída do Reino Unido.

Donald Tusk, Angela Merkel. Foto de arquivo.
Donald Tusk, Angela Merkel. Foto de arquivo. CréditosEuropean People's Party / CC BY 2.0

Sobre o Brexit fala-se e escreve-se muito, diz-se pouco e o essencial, como norma, fica escondido. Avalia-se o processo segundo as pessoas que encabeçam as tomadas de decisão, resume-se o diferendo à oposição entre eurocépticos e europeístas, atribui-se peso político decisivo ao velho mito do antagonismo entre as ilhas e o continente, montam-se elaboradas análises em torno do acessório e assim se vai dissolvendo o fundamental perante uma opinião pública pouco e mal informada: nas ilhas e no continente.

Ora o essencial é o tratamento exemplar que os eurocratas, como servidores dos interesses que mexem os cordelinhos da União Europeia, pretendem dar ao processo de saída do Reino Unido – se chegar a haver uma saída, pois a dúvida ainda é legítima.

Isto é, Bruxelas deseja que a atitude que adoptou perante o Reino Unido, depois de este apresentar a intenção de sair, seja absolutamente dissuasora de qualquer outra tentativa de outro Estado membro para seguir o mesmo caminho. A mensagem transmitida a cada um dos membros da União é óbvia, apesar de implícita: se um país com o estatuto de potência de topo da organização, como o Reino Unido, é obrigado a sujeitar-se a tais humilhações dos seus dirigentes e órgãos institucionais, imagine-se a sorte reservada a um simples plebeu, principalmente um pequeno ou médio país. Se o rolo compressor cilindra o Reino Unido desta maneira, o que não faria a uma Grécia, Portugal, mesmo a uma Itália, Espanha, Polónia se, por absurdo, decidissem requerer a saída. Uma coisa, de facto, é os povos estarem saturados da União Europeia até às raízes dos cabelos e chegarem até a pronunciar-se democraticamente pela saída; outra coisa, bem diferente, seria conseguirem sair e sobreviver nessa condição. A diferença revela quanto valem hoje os mecanismos democráticos.

«A generalidade das estimativas, devidamente silenciadas, revela que os povos das Ilhas Britânicas ficaram a perder com a entrada do Reino Unido na Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia. Os índices sociais revelam condições de vida hoje bastante mais degradadas para os sectores mais desfavorecidos, enquanto a opulência das grandes fortunas alastrou»

A engrenagem autocrática da União Europeia não hesita perante o recurso à chantagem e a comportamentos de vendetta, eficazes para servirem de exemplo. Não é por acaso que em Bruxelas se diz à boca cheia, embora no recato dos bastidores, que «na União Europeia entra-se mas não se sai» – assim se definindo a tão alardeada «solidariedade» para que se cumpra «o sonho» dos «pais fundadores». Mais um mito transformado em causa política para que a doutrina ditatorial do mercado prossiga o seu caminho com a menor dose possível de sobressaltos.

Sugar até ao tutano

A generalidade das estimativas, devidamente silenciadas, revela que os povos das Ilhas Britânicas ficaram a perder com a entrada do Reino Unido na Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia. Os índices sociais revelam condições de vida hoje bastante mais degradadas para os sectores mais desfavorecidos, enquanto a opulência das grandes fortunas alastrou.

O Reino Unido aderiu em 1973 à CEE. Tinha então 2,8 milhões de pobres, número que compara com os 14 milhões de hoje; desconhecia praticamente o fenómeno dos sem-abrigo, que hoje são 80 mil, 12 mil dos quais em Londres.

As privatizações arrasaram a qualidade e encareceram os serviços essenciais para a vida em sociedade. Hoje são 10 milhões os trabalhadores em regime de precariedade, modalidade que só passou a ser aplicada já com o país na CEE.

No outro lado da escala, se nos anos setenta do século passado a parcela de 20% dos mais ricos tinha um rendimento quatro vezes mais elevado que a dos 20% mais pobres, hoje esses rendimentos são cinco vezes maiores.

O Reino Unido era a quinta potência económica mundial quando entrou na CEE; por este caminho, as projecções actuais atribuem-lhe o 10º lugar em 2030.

Através destes dados percebe-se facilmente que a utilização abrangente do termo «eurocéptico» é mal-intencionada e mistificadora; e se a maioria dos detentores dos rendimentos mais elevados votou da mesma maneira que a maioria dos mais desfavorecidos no referendo sobre o Brexit, as razões foram tão semelhantes como as receitas de um cavalheiro da City e o salário de um trabalhador precário de uma fábrica de componentes para telemóveis.

Dizem igualmente os índices conhecidos, e pouco divulgados, que a economia britânica iria sofrer de facto com o Brexit, mas apenas nos primeiros dois anos; passada essa fase regressaria ao crescimento e a um ritmo que muito rapidamente ultrapassaria o do conjunto dos países da União Europeia.

«se a maioria dos detentores dos rendimentos mais elevados votou da mesma maneira que a maioria dos mais desfavorecidos no referendo sobre o Brexit, as razões foram tão semelhantes como as receitas de um cavalheiro da City e o salário de um trabalhador precário de uma fábrica de componentes para telemóveis»

Não surpreende, portanto, que o preço imposto pelo Conselho Europeu ao Reino Unido para poder sair da União Europeia seja a enormidade de 65 a 70 mil milhões de euros, avaliados por conta de compromissos estabelecidos nos planos plurianuais e que deixariam de ser cumpridos. Brandir uma verba deste tipo não é apenas uma arbitrariedade; é uma sabotagem da decisão assumida pelos povos do Reino Unido no referendo de Junho de 2016. O que é próprio de uma engrenagem autocrática como a União Europeia.

Aliás, segundo as sondagens, a vantagem dos partidários do Brexit sairia provavelmente reforçada em novo referendo – sendo essa a verdadeira razão que tem impedido a sua convocação.

Humilhação

É importante recordar que o governo do Reino Unido levou à União Europeia uma proposta de saída, o chamado Plano Chequers1, no sentido de permanecer no mercado único, sem livre circulação de pessoas, bens e serviços e sem dependência do Tribunal Europeu do Luxemburgo.

As circunstâncias da rejeição desta opção foram humilhantes, porque a primeira-ministra britânica, Theresa May, chegou a ser obrigada a permanecer no exterior de uma reunião do Conselho Europeu e acabou por aceitar uma cedência total às exigências da União – e que teve como resultado seguinte a derrota na Câmara dos Comuns.

No entanto, a pretensão assumida agora pela maioria dos deputados de Londres para renegociar o acordo é liminarmente rejeitada por Bruxelas, tal como aconteceu ao Plano Chequers.

A comunicação social mainstream usa, por sistema, a metodologia mistificadora da fulanização dos processos de decisão para não aprofundar o que verdadeiramente está em causa.

Seguindo então brevemente por esse caminho, mas alargando o leque dos envolvidos, iremos encontrar a figura do presidente do Conselho Europeu, o neoliberalíssimo polaco Donald Tusk, como o homem de mão dos interesses que transformaram o Brexit num caso exemplar e que impõe a capitulação total do Reino Unido.

É Tusk quem rejeita liminarmente o Plano Chequers e dá a cara por uma manobra de chantagem que é a imagem de marca do processo dito «negocial»: manter a Irlanda do Norte na União Aduaneira, ao contrário do restante Reino Unido, de modo a que não sejam reinstaladas as fronteiras entre aquele território e a República da Irlanda e não se reabram assim as portas do sangrento conflito irlandês. Ou seja, haveria controlos alfandegários entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Unido, com a particularidade de alguns deputados eleitos por aquele território serem essenciais à existência da coligação que sustenta o governo de May.

Donald Tusk é amigo de infância da chanceler alemã Angela Merkel; não é difícil perceber, portanto, a mão alemã em todo o processo de sabotagem e manipulação, estabelecendo-se, a partir daí, o padrão de comportamento da União Europeia. A Alemanha já terá feito, certamente, as contas aos milhares de milhões de euros de quebra do seu PIB com a saída do Reino Unido.

O que fará ainda mais sentido se ficarmos a conhecer outras figuras que marcaram o processo de «negociações». O francês Michel Barnier, extremamente próximo de Macron2, foi o chefe negociador; mas teve como sua «número dois» precisamente uma alemã, Sabine Weyang, que desempenhou o principal papel executivo no processo.

Por este caminho da personalização poderíamos ainda tropeçar na figura de Tom Tugendhat, o deputado britânico que chefia a ala anti-Brexit do Partido Conservador de May, e cuja esposa, Anessie Tugendhat, trabalha na Embaixada de França em Londres. França que, a exemplo da Alemanha, está na linha da frente contra o Brexit3.

Assim se chegou à situação actual: a capitulação de May perante a União foi rejeitada pelo Parlamento de Londres, que pretende o relançamento das negociações para a saída, entretanto já recusada por Bruxelas.

Deste modo, como alternativa ao «Brexit duro» não haverá um «Brexit suave» porque a União Europeia, além de «negociar» impondo, afirma agora que nada mais há para discutir.

E a senhora May, há muito com o seu governo preso por arames, mas sobrevivendo, assumiu uma fuga para a frente ao dizer que «para um mau acordo antes acordo nenhum».

O impasse que a situação sugere é aparente. O governo de Londres já não tem margem de manobra; o Parlamento britânico também não, porque Bruxelas recusa a sua alternativa.

O mais certo é a crise política desembocar em alterações, a prazo, das posições governamentais e parlamentares de Londres, nas quais o Brexit se dissolva como «verdadeiro pesadelo que é», como foi qualificado por um diplomata de um dos 27, oriundo de um país do Leste.

Seja como for, o Reino Unido fará sempre o papel de grande derrotado em todo este processo. Só sairá capitulando, pagando o que tem e o que não tem; ficando, deixará bem claro que a opinião dos cidadãos manifestada em referendo não contou para nada.

Ficou dado o exemplo.

A União Europeia, como engrenagem autocrática, não admite dissidências.

  • 1. O leitor pode aceder na íntegra ao documento oficial britânico aqui.
  • 2. Europeista convicto, Michel Barnier é também próximo de Nicolas Sarkozy e de Durão Barroso, tendo sido conselheiro de ambos. Ministro em vários governos de direita, pertence ao Conselho de Estado françês. Comissário Europeu. Entre cargos governamentais e na UE, esteve ligado a um grupo de negócios francês na área da biologia e dos medicamentos. Fundou o grupo de reflexão Nova República para promover o diálogo entre políticos e empresários sobre as questões europeias.
  • 3. Tom Tugendhat é uma figura do establishment político-militar britânico. Aristocrata, tem dupla nacionalidade britânica e francesa. Além da posição da esposa, Anessie Tugendhat, refira-se que o seu sogro dirige o grupo de observadores da OSCE na Ucrânia. Militar desde 2003, no Intelligence Corps (Serviço de Informações do Exército britânico). Fluente em árabe, fez a guerra no Iraque e no Afganistão, tendo recebido condecorações «operacionais» e a Ordem do Império Britânico. Promovido a tenente-coronel em 2013. Faz parte do Comité dos Negócios Estrangeiros. Considerou publicamente o «caso Skripal» como um acto de guerra russo contra o Reino Unido.

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