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Eleições no Reino Unido: duas lições e uma especulação infame

Sair da União Europeia não tem de ser necessariamente um processo de recrudescimento nacionalista com negação de direitos fundamentais.

CréditosFonte: Europarlamento

As eleições no Reino Unido passaram e o resultado foi o que se conhece: os Conservadores de Boris Johnson ganharam e o afamado e estafado Brexit poderá (?), por fim, ver a luz do dia.

Primeira lição que é preciso tirar: por mais esotéricos que nos pareçam os candidatos de alguns partidos, não é por a comunicação social mainstream os diabolizar ou ridicularizar, que eles deixam de vencer. De resto, é bastante provável que uma das causas das suas vitórias seja, justamente, aparecerem nos antípodas do mainstream – afinal de contas, convém lembrar que, na maioria dos casos, foi esse mesmo mainstream que roubou direitos e esvaziou os bolsos da maioria dos eleitores, enquanto enchia os bolsos dos grandes grupos económicos. Não obstante, é útil registar que, ao contrário do que se passava no exterior, uma parte da comunicação social do Reino Unido nunca teve pejo de procurar caluniar o Partido Trabalhista (Labour) e, em particular, o seu mais alto dirigente, Jeremy Corbyn.

Prossigamos.

Os indefectíveis acólitos do projecto da integração capitalista europeia, vulgo, União Europeia (UE), chorarão agora pelos cantos, travestidos de cândidos democratas, alguns deles até «de esquerda», estupidificando o povo do Reino Unido e cantando a miséria e a desgraça para as terras de Sua Majestade, enquanto fazem mais umas profissões de fé sobre o «inabalável» futuro da União.

Segunda lição: o povo nem sempre acerta, é verdade, mas a estratégia de acenar com os espantalhos do cavaleiro do Apocalipse, nem sempre leva a bom porto. Resultou na Irlanda, aquando da repetição do referendo do Tratado de Lisboa, que lá martelou o «Sim», mas como está bom de ver aqui, a hostilidade da cúpula da UE durante este processo só entrincheirou mais o povo britânico na posição que já tinha. Lá diz o nosso povo que «com vinagre não se apanham moscas».

Mas vamos para a frente que, seguindo os ditos populares, atrás vem gente.

Com efeito, a ironia suprema destas eleições que – contra os avisos do próprio Corbyn – muitos venderam como um novo assalto no combate pró e contra o Brexit, o programa do Labour (consultável na íntegra aqui)1 está, possivelmente, mais nos antípodas das orientações da UE, que o dos próprios Conservadores.

Na realidade, ao propor a renacionalização de um conjunto de serviços públicos, aumentos significativos nos salários, redução do horário de trabalho, aposta no transporte público, investimento público em larga escala para resolver na esfera pública problemas da habitação e da saúde, entre outras medidas verdadeiramente progressistas, a mensagem subliminar que, de algum modo, o Labour estava a enviar à cúpula ao leme da UE era: «nós não queremos sair, queremos mesmo é que nos expulsem».

É verdade que nem o Reino Unido é a Grécia (geopoliticamente falando), nem o estar ou não amarrado aos compromissos do Euro é indiferente. É igualmente verdade que a História da social-democracia já nos mostrou que espinha dorsal é coisa que não abunda para aqueles lados (veja-se como agora a oposição interna a Corbyn dentro do próprio Partido Trabalhista o vai tentar destruir). Por isso, é avisado não entrar em grandes especulações ou euforias.

Pese embora tudo isto, é realmente lamentável que o Labour tenha perdido estas eleições, muito menos pelo que venha a ser o desenvolvimento do Brexit, e muito mais pelo que teria de desafiante implementar uma política que – a cumprirem-se as promessas feitas – iria largamente contra os pergaminhos do ideário neo-liberal, algo que teria impacto muito para lá das fronteiras do Reino Unido.

Nessa medida temos que nos ficar pela especulação e não chegar ainda à terceira lição: sair da UE não tem de ser necessariamente um processo de recrudescimento nacionalista com negação de direitos fundamentais, a saída pode corresponder precisamente à constatação da incompatibilidade entre o desenvolvimento económico e social soberanos e o projecto de integração capitalista, militarista e anti-democrático, que é a UE.

Como nota final, convém registar que, em nenhum momento, o Labour disse que iria ignorar o resultado do referendo que levou ao Brexit, mas antes reformular todo o plano para conduzir a uma saída suave e, antes de a concretizar, referendá-la novamente. Dirão alguns que, se os trabalhistas tivessem ganho, provavelmente um novo referendo teria como resultado que, afinal, não havia Brexit nenhum.

Mas esta nem é a linha especulativa mais interessante, porque o que ficaremos todos sem saber é se, estando a ser implementado este programa, a UE não preferiria, afinal, apressar a saída que sempre tentou inviabilizar, até que se tornasse um exercício de humilhação. No fim de contas, se há coisa de que Bruxelas não gosta é de vozes realmente dissonantes.

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