Giorgos Koukoumas, membro do comité central do Partido Progressista do Povo Trabalhador (AKEL) e deputado eleito pelo distrito de Famagusta, fala-nos da actualidade e urgência da libertação dos territórios ocupados desde 1974.
Passam 47 anos sobre o golpe de estado promovido pela junta fascista da Grécia, a que se seguiu a ocupação turca do norte da ilha, que se mantém aos dias de hoje. Como é que o povo, e em particular a juventude, encaram esta realidade, a viver numa zona profundamente militarizada, nomeadamente com as bases do Reino Unido na ilha?
O Chipre é um país tão pequeno e, no entanto, permanece dividido pela força das armas, e ao mesmo tempo é uma das zonas mais militarizadas do mundo. Por muitos anos, desde 1974, o status quo criou uma ilusão de estabilidade. Nos anos recentes, todavia, a intensificação da agressão da Turquia contra Chipre – e também sobre outros estados da região – confirmou que o status quo ocupante de partição coloca enormes perigos à paz, à segurança e ao nosso futuro. O povo cipriota – cipriotas-gregos e cripriotas-turcos – e a sua juventude têm o direito de viver numa terra livre, unida e segura, sem estarem divididos por arames farpados, exércitos, campos de minas e bases militares. É suficiente pensar que se os milhares de milhões gastos em décadas de armamento militar tivessem sido canalizados para o desenvolvimento social e as necessidades das populações, o nosso país seria um lugar muito melhor.
Ao longo dos anos o povo tem enfrentado muitas dificuldades, consequência desta divisão do país. Quais os interesses em jogo e quem ganha com a manutenção desta ocupação?
A partição foi uma escolha estratégica da NATO e o seu objectivo final era o de uma «dupla enosis» [«dupla união»], que era uma parte da ilha a ser unida à Grécia, membro da NATO, e a outra parte do território a outro membro da NATO, a Turquia. Através disto, ficaria assegurado que o Chipre permaneceria eternamente sob o controlo da NATO, como base militar conra os povos da região – um «porta-aviões insubmergível» –, como base espiã e de vigilância contra a União Soviética e como um centro de controlo dos corredores comerciais. A Turquia, a Junta grega de Atenas e os chauvinistas das comunidades cipriota-grega e cripriota-turca colaboraram com a implementação deste plano, resultando no massacre do povo e na partição do nosso país.
Hoje, a Turquia de Erdogan vê Chipre como uma extensão da Anatólia e promove a integração das áreas ocupadas e a assimilação cultural dos cipriotas-turcos, apesar da resistência de uma larga parte da sua população. Ao mesmo tempo, é óbvio que a União Europeia e os EUA não pretendem impôr sanções nem adoptar uma forte posição contra a agressão da Turquia, mas, pelo contrário, parecem prontos para um novo «dar e receber» com Erdogan, procurando manter a Turquia afastada da Rússia. Por fim, devemos reconhecer que também em Chipre, através da utilização de conceitos ideológicos nacionalistas, existem interesses que estão confortáveis com o status quo formado sobre décadas. Na comunidade cripriota-turca, há forças que se tornaram presas à ideia de um estado separado, tal como a entidade ilegal que foi criada nos territórios ocupados desde 1983. Por outro lado, dentro da comunidade cipriota-grega – onde alguns se consideram os únicos detentores da República do Chipre – vários círculos económicos e políticos olham para os seus interesses como sendo mais bem servidos no actual status quo, sem a inclusão dos cipriotas-turcos.
O que é certo é que os únicos perdedores da partição do Chipre, seriam os próprios povos, que continuariam divididos dentro do seu próprio país, com a permanente incerteza e perigos pairando sobre as suas cabeças.
Perante a desinformação e a tentativa de revisão histórica em curso, que ferramentas usam e que iniciativas têm feito em defesa da reunificação do Chipre?
O AKEL é o maior pólo que expressa e une aqueles que acreditam na independência, reunificação e desmilitarização. Ao nível político, o AKEL submeteu ao presidente de Chipre uma proposta abrangente com iniciativas que devem ser tomadas quanto à comunidade cipriota-turca e em todas as outras direcções de forma a superar o actual e perigoso impasse. Infelizmente, até agora, não fomos ouvidos. No entanto, não desistimos. Estamos a mobilizar o povo em manifestações contra a ocupação e a partição, a favor da retoma das negociações por uma solução de uma federação bizonal e bicomunal. Usamos o Parlamento Europeu e outras plataformas internacionais para promover a luta pela libertação e pela reunificação. Tomamos iniciativas a todos os níveis para fortalecer a aproximação e cooperação entre cipriotas-gregos e cipriotas-turcos. Lutamos contra o nacionalismo-chauvinismo que está a ser cultivado na sociedade, no sistema de Educação e nos mass media. A solidariedade internacionalista com a luta do povo do Chipre é muito importante para nós. A resolução adoptada no parlamento português, por iniciativa do PCP, que expressa solidariedade com o Chipre, foi disto indicativa.
Tem sido persistente e incansável a acção e luta do povo cipriota para pôr um fim à ocupação turca, nomeadamente pela reivindicação da consagração de uma federação bicomunal e bizonal. Como é que vê a continuidade desta acção num futuro próximo?
A verdade é que a actual fase é extremamente difícil. Primeiro e acima de tudo, devido à insistência da Turquia e da nova liderança cipriota-turca de Ersin Tatar em mudar a base das negociações e em discutir a solução de dois estados, ou seja, da partição. Há várias «ideias» a flutuar, desde os britânicos a outros, no sentido de uma «solução intermédia» entre uma federação e uma confederação, que também são perigosas. O presidente Anastasiades, que por um longo período de tempo parecia relutante em entrar em negociações, não foi suficientemente claro sobre a solução. Porém, nós acreditamos que a maioria do povo cipriota compreende os terríveis perigos que aparecem no horizonte. O AKEL deixou isto claro em todas as direcções. Nunca aceitaremos a partição da nossa terra e do nosso povo. É por isso que concentramos todos os nossos esforços no objectivo de retomar as negociações na base e no quadro acordados, a partir do ponto onde foram suspensas em 2017, na última conferência sobre o Chipre, em Crans-Montana (Suiça).
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