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Morreu Sebastião Salgado, um fotógrafo entre o paraíso e o inferno

Sebastião Salgado morreu aos 81 anos, em Paris. Um fotógrafo ex-economista que não se cingiu ao retrato das pessoas e da natureza e tratou de transformar o mundo.

As minas de ouro da Serra Pelada, no município de Curionópolis, no sudeste do Estado do Pará, no Brasil, retratadas por Sebastião Salgado no seu projecto <em>Trabalho, uma Arqueologia da Era Industrial</em>. 
Créditos / Sebastião Salgado

«Eu fotografei o que foi interessante para mim, o que me deu um grande prazer, que me deu uma grande revolta. [Fotografei] o que era inteiramente compatível com a minha maneira de pensar, com o meu código ético», explicou Sebastião Salgado, no programa de entrevistas Roda Vida, em 2013. Ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, o fotógrafo viveu entre «momentos dramáticos, momentos difíceis» e «momentos de grande prazer».

Mas ao contrário do que se poderia antever, o seu projecto Trabalho, uma Arqueologia da Era Industrial, que retrata a vida dura, pesada, muitas vezes infernal, dos trabalhadores manuais na viragem do século, mesmo nas vésperas de uma tranformação tecnológica de práticas e indústias, não foi, para Sebastião Salgado, um desses momentos dramáticos.

«Fotografar as pessoas que trabalham é uma maravilha. As pessoas têm um grande orgulho no trabalho que fazem (...) Quando eu fiz um trabalho com o Movimento Sem-Terra, aqui no Brasil, eu tive um grande prazer por trabalhar com pessoal que acabava de conquistar a Terra, que começava a viver de uma outra maneira, com uma grande dignidade».

Terra, um trabalho sobre os trabalhadores rurais sem-terra do Brasil, contou com a participação de José Saramago (autor do prefácio) e de Chico Buarque (que lançou, em simultâneo, um CD com o mesmo nome). Os direitos foram integralmente oferecidos por Salgado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

Foi o principal fio narrativo do seu trabalho. Um pouco por todo o mundo, Salgado acompanhou o processo de «globalização», de deslocação da população do campo para a cidade, de movimentos de refugiados e de trabalhadores que «procuravam uma vida mais digna» (que retratou no projecto Êxodos e Retratos de Crianças do Êxodo).

Salgado fotografou, em 1975, o Processo Revolucionário em Curso (PREC) em Portugal, tendo exposto, em 1996, o projecto Trabalho na Festa do Avante!, que contou com a presença do autor na Quinta da Atalaia.

Em Gênesis, publicado em 2013, um dos seus últimos trabalhos, Salgado apresenta, nesta sua história da humanidade, a perspectiva ambiental. No fundo, «o lado do Planeta». A sua preocupação com a defesa do Ambiente levou-o a fundar o Instituto Terra, em 1998, que reflorestou a Fazenda Bulcão, no Estado de Minas Gerais. Sebastião Salgado «semeou esperança onde havia devastação e fez florescer a ideia de que a restauração ambiental é também um gesto profundo de amor pela humanidade», refere a nota do instituto que dá conta do falecimento do seu fundador.

Desde então, mais de 2 milhões de árvores foram plantadas nos 709 hectares da Fazenda, 608 dos quais são hoje considerados Reserva Particular do Património Natural (RPPN). Os viveiros do Instituto Terra são usados para desenvolver projectos similares em vários outros pontos de Minas Gerais e do Brasil.

Sebastião Salgado morreu aos 81 anos, em Paris.

«Salgado não usava apenas seus olhos e sua máquina para retratar as pessoas: usava também a plenitude de sua alma e de seu coração», afirmou Lula da Silva, Presidente do Brasil

A sua ligação aos sujeitos que retratava nas suas fotografias revelou-se nas palavras de mágoa e reconhecimento partilhadas pelos movimentos que apoiou e representou, de entre os quais se notabiliza o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

«O fotógrafo manteve uma relação de solidariedade e apoio com o MST, reconhecendo no movimento uma das mais legítimas expressões da luta por justiça social no Brasil», refere nota divulgada hoje pelo movimento responsável pela ocupação de terrenos não-produtivos e a sua auto-gestão. Sebastião Salgado foi ainda um «dos apoiadores da construção da Escola Nacional Florestan Fernandes, doando fotografias e fortalecendo o projecto de formação política e emancipadora que a escola representa».

Lula da Silva, Presidente do Brasil, destacou o «inconformismo» de Sebastião Salgado «com o fato de o mundo ser tão desigual». O fotógrafo nunca abdicou de pôr o seu «talento obstinado» ao serviço de retratar digno da «realidade dos oprimidos, que serviu, sempre, como um alerta para a consciência de toda a humanidade».

«Salgado não usava apenas seus olhos e sua máquina para retratar as pessoas: usava também a plenitude de sua alma e de seu coração. Por isso mesmo, sua obra continuará sendo um clamor pela solidariedade. E o lembrete de que somos todos iguais em nossa diversidade».

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