Delegação chinesa no Brasil antes de chegarem máquinas para a agricultura familiar

Um grupo de 14 representantes da Universidade Agrícola da China tem estado a realizar um périplo pelo Brasil desde dia 10, que deve terminar esta terça-feira. Segundo revela o Brasil de Fato, trata-se do mais recente capítulo de uma troca de conhecimentos e tecnologia entre entidades de ambos os países, depois de uma aproximação que se deu há cerca de ano e meio.

Tendo como propósito conhecer a realidade da agricultura familiar brasileira, a delegação chinesa esteve na Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), seguindo depois um grupo para a Bahia e outro para o Rio Grande do Sul.

No Nordeste do Brasil, os elementos da delegação chinesa visitaram as unidades produtivas do MST no município de Prado e a Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto. No Sul, passaram pelas cooperativas da cadeia de produção de arroz orgânico do movimento.

Posteriormente, os representantes da Universidade Agrícola da China dirigiram-se  para o estado do Rio Grande do Norte. Ali, visitaram a cidade de Apodi, que vai ser a sede da unidade demonstrativa onde devem chegar e ser testadas, em Novembro, máquinas agrícolas chinesas de diferentes modelos.

No total, refere o Brasil de Fato, devem chegar ao Brasil 25 máquinas viradas para a agricultura familiar, na sequência de uma parceria que envolve o Consórcio do Nordeste, o governo estadual do Rio Grande do Norte, a Associação Internacional para a Cooperação Popular (AICP), o MST, a Universidade Agrícola da China e a Associação de Fabricantes de Máquinas Agrícolas chinesa.

Em declarações ao portal brasileiro, Luiz Zarref, investigador da AICP, disse que «a sede será no município de Apodi, mas também vai ser possível que essas máquinas sejam testadas em outras regiões do Nordeste, espaços de cooperativas, assentamentos da reforma agrária e centros de formação. A ideia é que num prazo de dois anos sejam testadas a qualidade, a capacidade de adaptabilidade com implementos que já existem aqui no Brasil e as condições com a agricultura camponesa».

Na conclusão do périplo pelo Brasil, a delegação asiática desloca-se à capital, onde tem agendada uma reunião sobre projectos de cooperação com a Universidade de Brasília. «Também vão ser recebidos por membros do governo federal responsáveis pela pauta da mecanização agrícola, dos bio-insumos da diversificação genética das sementes para alimentos», disse Zarref.

Desigualdade no acesso à mecanização

Por seu lado, Débora Nunes, da direcção nacional do MST, explicou que este processo de cooperação «é no sentido de a gente superar uma lacuna histórica no Brasil no que se refere ao processo de mecanização e acesso à tecnologias pela reforma agrária».

Entre os produtores da agricultura familiar no país sul-americano, 88% trabalham manualmente, contando apenas com a ajuda de animais, de acordo com os dados do último Censo Agropecuário, divulgado em 2017.

No Nordeste, a desigualdade no acesso à tecnologia é mais acentuada. Numa região que concentra cerca de 50% da agricultura familiar do país, apenas 1,5% desses camponeses trabalham com máquinas.

«A mecanização traz resultados que envolvem outras dimensões da vida. É também um factor fundamental para a gente enfrentar o debate da própria sucessão rural. De facto, a nossa juventude quer permanecer no campo. Mas quer permanecer no campo com condições de acesso à educação e ao trabalho», explica Nunes. «É uma geração que tem acesso a outras tecnologias e quer ver isso sendo aplicado também no processo produtivo», acescenta.

O intercâmbio com a China

O início formal da parceria ocorreu em Setembro do ano passado, quando as autoridades chinesas e brasileiras assinaram o Memorando de Entendimento sobre cooperação em mecanização e energia agrícolas.

As trocas, lembra o Brasil de Fato, já tinham começado ao longo da pandemia.

Este acordo foi firmado entre o Consórcio do Nordeste, que representa os nove estados da região, a plataforma de inovação internacional da Universidade Agrícola da China e a Associação de Fabricantes de Máquinas Agrícolas chinesa – uma organização industrial formada pelas principais fabricantes de máquinas agrícolas do país asiático.

A ponte foi facilitada pela AICP, organização sem fins lucrativos criada por movimentos populares da América Latina, África e Ásia no intuito de combater a fome, promover formações técnicas e intercâmbio tecnológico para a agroecologia.

Em solo chinês, a parceria foi reforçada por João Pedro Stedile, líder do MST, e a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), quando visitaram o país juntamente com a comitiva do presidente Lula da Silva, em Abril.

Instalação de fábricas no Brasil

A expectativa, segundo a AICP, é que, como desdobramento deste processo, se instalem no Brasil fábricas que produzam máquinas para a agricultura camponesa.

«Depois da fundação da República Popular da China, em 1949, a mecanização agrícola se desenvolveu rapidamente», explica um documento da Associação Internacional para a Cooperação Popular. «Actualmente existem mais de 1600 empresas de máquinas agrícolas que proporcionam apoio técnico e equipamento para garantir a segurança alimentar», afirma a organização.

«A intenção está casada com aquela do próprio governo Lula, que está nesse processo de retomada da industrialização nacional. Temos o objectivo de que, com essa aproximação da tecnologia chinesa, fábricas de lá sejam atraídas para o Brasil», defendeu Zarref.